Uma misteriosa aventura sem palavras

“Arena” é a mais recente criação de Sílvio Vieira

Uma misteriosa aventura sem palavras

Sons que surpreendem, corpos que se perfilam entre o movimento harmonioso e o conflito, e todo um espaço inteiramente inusitado. Arena é um espetáculo de teatro sem palavras que toma conta, ao longo das próximas semanas, da Garagem do Chile, uma velha oficina situada entre o Largo do Leão e a Igreja de Arroios.

A vontade da experimentação, do assumir do risco e de “nem sequer ter propriamente medo de falhar” sentem-se a cada momento de Arena, segunda criação do coletivo Outro, dirigido por João Leão e Sílvio Vieira, este último autor do espetáculo. Explicar o que por ali se passa, sobretudo quando a dita arena fica numa velha oficina de automóveis situada no coração de um dos bairros residenciais da freguesia de Arroios, seria como desvendar parte do mistério que rodeia esta aventura cénica, onde nada é previsível nem descura o efeito da surpresa.

Contudo, e sem com isso apontar um caminho, podemos revelar a existência de seis criaturas que se movem como uma unidade orgânica (a que o autor chamou Jan), embora cada um desempenhe um papel no coletivo. Rotineiramente, empreendem uma movimentação ritual, até que um dia, esta vai ser abalada quando, de dentro de água (literalmente), sai uma personagem alienígena em fato de astronauta.

Na génese de Arena esteve a premissa de que seria um espetáculo de teatro sem palavra dita. “Quando há dois anos, ainda antes da pandemia, começámos a trabalhar no projeto pensou-se que o pilar seria a tradução de música em cena teatral. Como o coreógrafo que traduz em gestos a música, aqui, o objetivo era traduzi-la em teatralidade, ou seja, em imagens, situações, personagens”, explica Sílvio Vieira.

Ao longo do processo criativo, foi precisamente a partir da música que os atores improvisaram, nascendo o essencial das situações de Arena. Mas, ao contrário do programado, algo essencial aconteceu: o espetáculo não iria acontecer na black box de um palco convencional, mas sim numa garagem. “Quando aqui chegámos, pedi aos atores para olharem para o espaço, escolher um canto e tentarem explorá-lo”, recorda o autor, sublinhando como a arquitetura desta antiga oficina abandonada, no 21A da Rua Carlos José Barreiros, “entrou na própria dramaturgia do espetáculo, sendo impossível transportar o que aqui sucede para outro local.”

Sem impor uma linha narrativa ou, como frisa o autor, “qualquer conceito político e ideológico”, Arena revela-se um objeto artístico de plena liberdade, “onde aquilo que se valorizou é a experimentação e a procura do belo, ou uma certa poesia. Como o dipositivo é aberto, qualquer espectador poderá fazer a leitura que entender. E isso é algo que me agrada num espetáculo”, lembra Vieira.

Esta aventura cénica que concilia com grande engenho e irreverência movimento, som, luz e todo um imaginário reivindicado do cinema mudo e dos grandes nomes da comédia, como Charlie Chaplin, Buster Keaton ou Harold Lloyd, é protagonizado pelos jovens atores Anabela Ribeiro, André Cabral, Catarina Rabaça, Inês Realista, Miguel Galamba, Miguel Ponte e Pedro Peças. No percurso da associação cultural Outro, nascida em 2018, Arena é o sucessor de As árvores deixam morrer os ramos mais bonitos, espetáculo escrito também por Sílvio Vieira, estreado em 2020, no Festival Temps d’Images.