teatro
Tchékhov, Victan e Lexotan
Raquel Castro estreia ‘Ansioliticamente falando’ no CCB
O que acontece quando a ansiedade toma conta de todo o elenco de um espetáculo durante os ensaios? Raquel Castro volta a partir de uma inquietação sua para falar sobre o mal geral de uma sociedade que não sabe parar. Ansioliticamente falando está no Centro Cultural de Belém, de 1 a 9 de novembro.
É na copa, junto à máquina de café e nos intervalos dos ensaios, que as angústias se revelam. Um dos atores anda em constante sobressalto, com medo de meteoritos, terramotos e a iminência do fim do mundo. Outro confessa-se nervoso com a leitura do texto em voz alta e as improvisações e só consegue acalmar-se recorrendo a ansiolíticos. Já a atriz enfrenta o pânico de ficar sem casa, depois de receber um aviso de despejo da senhoria. Eis o elenco de A Gaivota, de Anton Tchékhov, a peça encenada em Ansioliticamente falando, o novo espetáculo de Raquel Castro que estreia no Centro Cultural de Belém.
De 1 a 9 de novembro, a encenadora volta a jogar com ficção e realidade e, desta vez, as linhas parecem tornar-se ainda mais ténues ao levar o teatro para dentro do teatro, os ensaios de uma peça para dentro de uma outra peça. “O espetáculo começa de forma muito ficcional e teatral e caminha para uma coisa mais confessional, mais próxima das coisas que costumo fazer, a falar do meu ponto de vista das coisas”, diz Raquel, precisamente o nome que escolheu para a sua personagem, uma encenadora a braços com mais uma adaptação do clássico de Tchékhov e com um elenco à beira de um ataque de nervos.

Será para a ansiedade que aqui se olhará e não existe Victan, Lexotan ou outros ansiolíticos que salvem a situação. Nem incenso, meditação ou exercícios de relaxamento que controlem aquilo que vem descrito no dicionário como uma perturbação psicológica que se sente na expectativa de um perigo perante o qual nos achamos indefesos. “Ansiedade é o ponto de partida autofágico, como de costume. É um tema que me toca de forma pessoal e achei que era altura de falar sobre isso”, conta Raquel. “Fazer espetáculos autobiográficos põe-me em frente a questões que me inquietam ou que me preocupam, mas já não tenho a ingenuidade de pensar que os espetáculos vão resolver a vida. No entanto, acho que há uma necessidade de falar sobre este tema de uma forma generalizada e principalmente sobre a necessidade de termos de parar esta voragem. Não é só um problema individual, é um problema coletivo e sistémico de uma sociedade que nos obriga a estar em constante atividade e produção, sem tempo para as coisas.”

Em cena, cada uma à sua maneira, as personagens de Raquel Castro, Paulo Pinto, Pedro Baptista, Joana Bernardo e Sara Inês Gigante confrontam-se com os seus “abismos emocionais” e, também, com os das personagens de A Gaivota. O pântano imaginado pelo dramaturgo russo cruza-se com aquele em que nos vemos todos engolidos – seja no palco, seja na plateia. “As peças de Tchékhov têm um mal-estar que se manifesta de muitas formas, que é um pouco existencial e um pouco sobre a dificuldade em mudar e em avançar. A Gaivota é um texto de que gosto muito e achei que dentro dos Tchékhov podia ser o melhor para contar esta história. Foi escolhido já pensando que tem uma reverberação nestes temas ou que podia haver aqui um casamento entre a ficção e a realidade”, explica a encenadora.
Voltemos para junto da máquina de café, esse lugar de confissões onde se traficam ansiolíticos: Victan ou Lexotan? Na dúvida, sempre Tchékhov.