teatro
Três amigos e um quadro branco
António Pires dirige "Arte" de Yasmina Reza

Grande sucesso em todo o mundo, Arte, peça de Yasmina Reza que tem também respeitáveis pergaminhos no teatro português, regressa a palco num espetáculo encenado por António Pires. Cristóvão Campos, Nuno Lopes e Rui Melo são três amigos de longa data à volta de muita discórdia perante uma obra de arte que, aparentemente, não é mais do que uma tela pintada a branco. Desde 10 de setembro, no Teatro Maria Matos.
No teatro contemporâneo, contam-se pelos dedos das mãos as peças de teatro que aliam a popularidade ao aplauso da crítica. Menos ainda, aquelas que, embora escritas não há muitos anos, se podem considerar “clássicos”. Arte, peça de afirmação da autora francesa Yasmina Reza, faz parte desse limitadíssimo lote de textos teatrais que conquistaram plateias, prémios e a crítica, e que, passados pouco mais de 30 anos desde a estreia, continuam a repetir semelhante aclamação.
Para o comprovar, sobretudo a toda uma geração que não teve oportunidade de ver este texto em palco – em Portugal, Arte foi encenado por António Feio por duas ocasiões, em 1998 e 2003, e, posteriormente, em 2016, por Adriano Luz e Carla de Sá -, a Força de Produção aposta em levar, nesta nova temporada, o clássico de Yasmina Reza a cena. Com uma nova tradução (de Ana Sampaio), António Pires dirige Cristóvão Campos, Nuno Lopes e Rui Melo, num espetáculo que o encenador define como “uma comédia sobre a empatia nos nossos dias”.
Se em 1998, quando a peça estreou em Portugal, o enfoque parecia centrar-se nas questões do gosto e das controvérsias à volta da arte contemporânea, sendo o quadro em branco, como observa Pires, “uma espécie de provocação”, hoje, “parece-nos que este texto é [primordialmente] sobre a forma como nos relacionamos, sobre a falta de empatia que, devido ao individualismo e ao isolamento propiciado pelas redes sociais, vamos tendo na relação com o outro.” Em suma, Arte trata de três homens, amigos há 20 anos, que “já não se ouvem uns aos outros” e que parecem descobrir que, afinal, a amizade acabou.
O gatilho da discórdia
Quando Marco (Nuno Lopes), à boca de cena, anuncia à plateia que o seu velho amigo Sérgio (Rui Melo) adquiriu, pelo valor obsceno de 120 mil euros, uma tela de um metro e 20 por um metro e 60, totalmente branca, assinada por um artista de renome, prenunciam-se momentos de tensão.
Diante o quadro, Marco ri jocosamente de Sérgio, mas tudo escala para o conflito, por ora ainda velado, quando o amigo classifica a obra como “uma grande merda”. Ofendido, Sérgio procura aprovação num terceiro, Ivo (Cristóvão Campos), amigo de ambos, mas tão vulnerável nas suas opiniões como falhado na vida pessoal e profissional.
Quando, de novo em casa de Sérgio, se reúnem, o valor da obra de arte vai digladiar-se com o da amizade, num confronto revelador de inúmeros incómodos e ressentimentos entre os três homens. Fica a questão: será que a amizade poderá sobreviver?
Toda a conflitualidade em crescendo, que culmina num gesto radical e surpreendente, é tratada com uma minucia notável dos tempos da comédia. António Pires não deixa por isso de confessar “o enorme prazer e o divertimento” de trabalhar um texto que é “uma lição de comédia”. E, quando se tem “três atores de grande talento, daqueles que têm opinião, basta deixá-los tomar conta da cena”.
Com estreia marcada para dia 10, a genial comédia de Yasmina Reza prepara-se assim para continuar a conquistar gerações de espectadores de teatro, provando que os clássicos, pela sua intemporalidade, não têm idade.