Os dias de Alice Azevedo

As sugestões da atriz e criadora de "Prometo-me Moderna"

Os dias de Alice Azevedo

A poucos dias da estreia no Teatro São Luiz da sua mais recente criação, Prometo-me Moderna, Alice Azevedo partilhou a agenda cultural para esta semana, evidentemente, marcada pela temática do novo espetáculo, mas também pelo mais incontornável dos temas do ano que finda: Gaza.

Depois de Se não és lésbica, como é que te chamas (2024), a atriz e encenadora Alice Azevedo volta a assinar uma criação, desta feita inspirada num dos grandes clássicos da literatura do gótico romântico, Frankenstein, de Mary Shelley. “Não se trata de uma adaptação fiel ao livro”, adverte, “mas é o mais próximo que me foi possível, dada a estrutura temática e filosófica de uma obra que me é particularmente cara”.

Alice conta à Agenda que, na génese de Prometo-me Moderna, está uma bolsa de criação da Companhia Olga Roriz que lhe permitiu trabalhar com Lila Vivo, a voz das Fado Bicha, “uma metáfora de monstruosidade para corpos trans, coisa que está aliás muito batida na arte trans e queer”. A dado momento, redescobriu numa prateleira o livro de Mary Shelley que conta a trágica existência de uma “criatura sem referências, sem referentes, sem ancestralidade”. A peça parte então da premissa dessa criatura que “aparece num mundo que não está pronto para ela”, cosendo à narrativa de Frankenstein um texto de 1993, escrito por Susan Stryker, intitulado As minhas palavras para Victor Frankenstein sobre a aldeia de Chamounix – performando raiva trans. A isso, “juntei outras preocupações pessoais e muitas contribuições do elenco. Há muito sobre mim, mas também sobre elas [June João, Lila Vivo e Stela]” em Prometo-me Moderna, espetáculo que promete, assegura Alice, “muitas gargalhadas, alguns sustos e, quem sabe, umas quantas lágrimas”.

Para ver entre 11 e 21 de dezembro, na Sala Luis Miguel Cintra, do Teatro São Luiz.

Gaza: Pensar, Resistir, Imaginar

Ciclo de testemunhos de personalidades nacionais e internacionais
Disponível no site do Teatro Nacional D. Maria II

Para além de autora, encenadora e atriz, a presença pública de Alice Azevedo faz-se também no ativismo, nomeadamente no ativismo trans, feminista e queer. Contudo, “dado o momento político internacional que vivemos”, Alice assume que “não poderia deixar de falar em Gaza e na situação de apartheid, genocídio e ocupação que o povo palestiniano vive há mais de 70 anos, e que se intensificou tão violentamente nos últimos dois”. Com a chancela do Teatro Nacional D. Maria II, este ciclo de vídeos com testemunhos de jornalistas, académicos, artistas, ativistas e pensadores nacionais e internacionais procura ampliar perspetivas sobre uma das maiores tragédias do nosso tempo. A testemunhos já disponíveis de personalidades como Capicua, Sara Carinhas ou Sofia Aparício, junta-se a cada semana um novo. O próximo sai a 12 de dezembro.

Frankenstein

Romance de Mary Shelley
Edições ASA

À parte de ser a base do seu novo espetáculo, Alice fez questão de sugerir o clássico de Mary Shelley, até porque, acredita, “acho que muita gente não o leu e por isso o relaciona em demasia com os filmes”. O livro “tem qualidades literárias muito próprias, o que o torna muito difícil de adaptar ao cinema”. No entanto, como é fã do cinema de Guillermo del Toro, a artista anseia por ver a adaptação que o cineasta mexicano fez do romance [disponível em streaming na Netflix]. “Foi das leituras mais deliciosas da minha vida. Li-o quando andava no 9.º Ano e, desde então, ficou-me cravado na cabeça para sempre.”

Destransição, Baby

Romance de Torrey Peters
Aurora

Torrey Peters foi a primeira autora transgénero nomeada para o Women’s Prize for Fiction com o seu romance de estreia, Destransição, Baby. “Enquanto mulher trans da minha geração, foi um livro que me deu para rir em voz alta e, ao mesmo tempo, me fez chorar convulsivamente”, lembra Alice, sublinhando no entanto que é tanto “uma leitura rica para qualquer pessoa trans”, como para aqueles que, “estando fora da comunidade, queiram saber e compreender melhor a intimidade e o pensamento transgénero”. O romance acompanha a experiência de duas mulheres trans, ex-namoradas, cuja relação termina quando uma delas decide reverter a transição de género.

Conversa com Susan Stryker

No São Luiz Teatro Municipal, a 13 de dezembro, às 16 horas

Por ocasião da estreia de Prometo-me Moderna, Alice Azevedo vai conversar com “uma das principais vozes do pensamento trans dos últimos 30, 40 anos”, a historiadora, pensadora, académica e cineasta norte-americana Susan Stryker. Juntamente com Frankenstein, um dos textos que a peça usa como fonte e mote é As minhas palavras para Victor Frankenstein sobre a aldeia de Chamounix – Performando Raiva Trans, de Stryker. Para Alice, este é um texto seminal daquilo que são hoje os estudos trans enquanto disciplina académica. Nele, a autora “evoca o episódio de Frankenstein em que a Criatura reencontra o criador para pensar uma subjetividade trans a falar na primeira pessoa com os seus criadores”, ou seja, “a medicina que criou cirurgias de redesignação sexual, terapias hormonais, etc, mas que dificilmente consegue considerá-las sujeitos ativos da sua própria vida, entendendo-as muitas das vezes como meros objetos de estudo”.

Oleanna

Peça de David Mamet com encenação de Carlos Pimenta
Até 21 de dezembro no São Luiz Teatro Municipal

A tragédia moderna de David Mamet sobre o confronto entre um professor universitário e uma aluna está de volta ao palco, e faz carreira, precisamente, no mesmo teatro onde Alice Azevedo vai estar em cena. “Parece um alinhamento cósmico!”; e passa a explicar: “a primeira vez que, enquanto atriz, pisei um palco a sério foi com Oleanna. Foi na Malaposta, ainda não em contexto profissional, mas escolar, embora tivéssemos técnicos e uma encenadora, a professora Marisa Manarte. Na altura, interpretei o professor”. Esta escolha é também justificada pela admiração que Alice tem por Bárbara Branco, que interpreta Carol, uma aluna que acusa o professor de assédio moral e sexual. “Aproveitando ainda não estar em cena, vai ser maravilhoso reencontrar esta peça década e meia depois de eu própria a ter feito.”