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A Casa Capitão é para toda a gente
Projeto cultural assegura programação regular, de dia e de noite

A Casa Capitão abre ao público esta sexta-feira, dia 19, com um programa de três dias, de entrada gratuita. No Beato, Lisboa ganha um espaço de intervenção cultural onde cabem a música, o cinema, os livros, as performances, o pensamento crítico e, sobretudo, os encontros.
A Festa de Abertura da Casa Capitão, que se estende por três dias, a partir desta sexta-feira, 19, e até ao próximo domingo, já deixa adivinhar o que aí vem. Neste fim de semana, a programação inclui concertos, clubbing, performances, oficinas para crianças, projeção de filmes, workshops, apresentação de livros e comida. É assim que se quer este “mini centro cultural”, como o define Gonçalo Riscado, um dos dois diretores (juntamente com o seu irmão João) do mais recente projeto da CTL – Cultural Trend Lisbon, que encerrou recentemente o Musicbox, no Cais do Sodré.
Há muito que vêm pensando como poderiam transformar o número 119 da Rua do Grilo, depois de, há mais de cinco anos, terem assinado um contrato de concessão com a Câmara Municipal de Lisboa para a sua exploração – o edifício faz parte daquele que é hoje conhecido como o Beato Innovation District, o complexo que resultou da reconversão das antigas fábricas da Manutenção Militar, fundadas em 1897.
Com a pandemia, tudo ficou adiado, mas durante os dois verões em que apenas eram permitidos eventos ao ar livre ou para muito poucas pessoas, foi ali que criaram um pop-up, aproveitando o terraço para organizar concertos e várias outras atividades (mais de 600, contando com as que se conseguiram realizar dentro de portas). Depois, foram em busca das condições que lhes permitissem avançar com as complexas obras de requalificação daquele espaço que servia de residência ao antigo comandante da Manutenção Militar.
Do Sótão ao Terraço
Nesta sexta-feira abrem-se, finalmente, as portas deste projeto que Gonçalo Riscado assume ser “de risco” pela sua ambição e dimensão. Com uma organização por “pisos” – Rés do Chão, 1.º Andar, Sótão, Pátio e Terraço – todos eles se querem totalmente flexíveis e capazes de albergar diferentes atividades. Se no Rés do Chão está a sala multiusos que perpetua a herança do Musicbox e que tem capacidade para cerca de 400 espectadores, mas que pode ser adaptada para um público bem menor, a blackbox do Sótão consegue receber noites de clubbing, tal como performances, workshops e concertos mais intimistas. Lá fora, o Pátio funciona como palco natural para variadas intervenções artísticas e o Terraço transformou-se num pequeno auditório ao ar livre.
O 1.º Andar mostra-se o lugar privilegiado de duas das “marcas” da Casa Capitão: a Mesa e o Quiosque. Na zona de refeições – “não lhe chamamos restaurante porque a comida também é uma intervenção cultural”, defende Gonçalo – estarão à vendas as sandes feitas com os papo-secos cozidos ali mesmo, numa ementa pensada pelo chefe Bernardo Agrela, que organizará jantares especiais (com bilhetes, como se de um espetáculo se tratasse) e encontros com outros chefes ou outros criadores. Promete-se, ainda, pôr a trabalhar a grelha da casa e fazer churrasco ao sábado, assim como ter feijoada ao domingo, numa parceria com o coletivo Gira.
Já o Quiosque consiste na programação à volta dos livros. “É como se fosse o nosso pequeno Festival Silêncio [um dos projetos da CTL]: a palavra como unidade de criação, como ponto de partida para programar qualquer coisa e para debater qualquer coisa”, explica o gestor cultural. Mesa de Cabeceira será o programa fixo do Quiosque em que convidam alguém a escolher livros, para ali estarem à venda, e, em torno deles, organizarem atividades (a estreia faz-se com Joana Guerra Tadeu). Pelo Quiosque vão passar também, em outubro, várias iniciativas do MIL – Lisbon International Music Network, o festival organizado pela CTL que se dedica “à descoberta, promoção, valorização e internacionalização da música popular atual e a uma reflexão sobre políticas e práticas culturais”.
Por fim, na Casa Capitão, acontece o Baile, a marca que descreve “a casa depois da meia-noite, para dançar” e que pode acontecer em qualquer parte do edifício.

A cultura como ação
A ideia é que exista programação regular e que as portas estejam abertas de dia e de noite, sobretudo ao fim de semana. Ao sábado e domingo, diz Gonçalo Riscado, o horário pode estender-se das dez horas às seis da manhã. “Queremos que as pessoas vão chegando, se vão cruzando com umas com as outras e também com coisas de que não estavam à espera. Estes lugares de encontro de diferentes artes e de diferentes públicos sempre nos interessaram muito e acho que é através deles que se desenvolve comunidade e pensamento crítico.” Por isso, define a Casa Capitão como um “um sítio de estar, de comunidade, de pensamento crítico, de debate, de encontro e de oportunidades”. E reforça: “Ao contrário do que se diz, acredito que pode existir um espaço para toda a gente – toda a gente que tem como ponto de ligação a arte e a cultura. Todos nós somos agentes de cultura e todos devíamos ter a possibilidade de exercer os nossos direitos culturais. É neste pensamento que surge a Casa Capitão.”
Talvez por essa razão não seja de estranhar o nome que escolheram para batizar o projeto. “Viemos ocupar um edifício militar e se há algo feliz e que nos remete para liberdade e revolução são os Capitães de Abril. Este será, assim, um lugar de memória e de defesa da importância de agir sobre essa memória, queremos materializar isso na programação e na intervenção.”
Quem entra, não vem ao engano, já que o assumem de forma clara, logo na apresentação que fazem no site da Casa Capitão: “Acreditamos na cultura como ação, força crítica e coletiva. Um lugar de liberdade e desobediência, onde se cruzam vozes, experiências e visões do mundo diversas e em diálogo. Assumimos uma posição clara contra todas as formas de opressão. Na nossa casa não há lugar para discursos xenófobos, racistas, sexistas, LGBTfóbicos ou discriminatórios. Acolhemos quem cria e quem participa. Valorizamos a liberdade artística, o pensamento crítico, a escuta atenta e o fazer em comum. Programamos cultura com consciência, compromisso e sentido de futuro.” Para Gonçalo, é importante dizê-lo, sem rodeios nem meias palavras. “Temos de ter manifestos porque, ao contrário do que achávamos, há muitas coisas que dávamos por garantidas e não o estão. Penso que vivemos, de novo, uma época de luta. E ela tem de partir destas afirmações que, depois, devem ser consubstanciadas na prática, na forma como programamos e nos comportamos”.
Se dúvidas houvesse, bastaria consultar o programa já anunciado para estes três dias e para os próximos meses. Cabe a Capicua, já nesta sexta-feira, dar a cara pelo arranque desta casa que se quer de combate e de toda a gente.