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Este ‘Jantar’ já é servido na Rua do Açúcar
Artistas Unidos inauguram o novo Teatro Paulo Claro com peça de Moira Buffini

Depois de décadas de incerteza, os Artistas Unidos têm, por fim, casa própria. Fica no número 37 da Rua do Açúcar, no Poço do Bispo, e abre ao público, no próximo dia 23 de outubro, com uma comédia muito negra da dramaturga britânica Moira Buffini. Jantar tem encenação de Pedro Carraca.
Para responder a “um novo início, vamos festejar”. As palavras do encenador Pedro Carraca referem-se à proposta de casar a peça Jantar, a 200.ª produção dos Artistas Unidos, com a abertura ao público da nova morada da companhia que Jorge Silva Melo fundou há 30 anos: Rua do Açúcar, número 37.
Neste Jantar, a anfitriã Page (Catarina Campos Costa), uma burguesa fútil e entediada, prepara-se para reunir alguns amigos em torno do mais recente sucesso editorial do marido (Tiago Matias), um “filósofo” da autoajuda. Contudo, logo no início, percebe-se que a refeição que Page se prepara para servir com a ajuda preciosa de um taciturno criado (Vicente Wallenstein) intenta ser pouco celebrativa e suscetível de proporcionar alguns amargos de boca, não só ao marido, Lars, como aos convidados.
A primeira a chegar é Wynne (Inês Pereira), uma excêntrica e falhada artista plástica, que granjeou brevíssimo sucesso quando exibiu uma pintura em que reproduzia os genitais do amante deputado. Seguem-se Hal (Gonçalo Carvalho), um microbiologista bem sucedido, mas rude e boçal, e a sua companheira, a pivot de noticiário Sian (Raquel Montenegro), tratada recorrentemente pelo namorado como a “miúda das notícias”, referência que a vai deixando cada vez mais encolerizada.
Sentados à mesa, Page inicia o seu desfile de iguarias repulsivas, procurando a cada prato humilhar o marido e insultar os convidados. Tudo parece estar a correr como planeara, quando irrompe pela casa um convidado improvável, Mike (Pedro Caeiro). Este anuncia-se como um pobre coitado que, devido ao nevoeiro cerrado, acaba de destruir a carrinha que conduzia no muro da casa.
Contrariando Page, Lars insiste para que o desconhecido se junte à mesa. Com o álcool a fluir, o desajustado Mike acaba por fazer uma revelação surpreendente, e Page começa a suspeitar que o desfecho que planeara para o jantar possa estar em risco.
Neste regresso dos Artistas Unidos à comédia – muito negra, é certo -, Carraca assume a vontade que havia de “fazer uma coisa mais divertida e mais leve”. “Esta peça foi-me proposta pela Catarina [Campos Costa] e pelo Pedro Gil há uns três anos”, conta. Com a situação complicada que a companhia estava a viver desde o anúncio de que teriam de abandonar o Teatro da Politécnica, Jantar ficou “de lado”, sendo que, “há um ano, começámos a achar ser o primeiro texto para fazermos num possível novo espaço”.
Embora por incompatibilidade de agenda não ser possível ter Pedro Gil no elenco, os Artistas Unidos abrem, assim, o novo Teatro Paulo Claro com vontade de festejo. Jantar, peça escrita pela escritora e dramaturga inglesa Moira Buffini, tem a crueldade sombria da vingança, aqui servida, como notou a crítica à época da estreia, não como um prato frio, mas como um prato mesmo muito gelado. Mas, não se assuste – este Jantar é irónico e satírico, deveras divertido e bastante digerível, ideal, sobretudo, para aqueles espectadores “que gostam muito do trabalho de atores”.
Por fim, casa própria
Com a abertura das portas do Teatro Paulo Claro na Rua do Açúcar, os Artistas Unidos têm, por fim, casa própria. Paralelamente ao ensaio para a imprensa de Jantar, Pedro Carraca reconheceu que “a casa ainda está completamente desarrumada, não está pintada, nem sequer tem condições aparentes para receber pessoas”. Mas, é importante estrear assim um espetáculo porque, diz, “queremos que o público veja como este espaço está hoje e virá a estar ao longo do tempo”.
Depois de décadas de incerteza, da passagem por muitos palcos, do período fervoroso d’ A Capital, no Bairro Alto, e de 13 anos instalada no Teatro da Politécnica, a companhia assinou com a Câmara Municipal de Lisboa, a 29 de setembro último, um acordo de cedência de um antigo armazém na Rua do Açúcar, pondo ponto final “num processo particularmente doloroso”.
Neste novo espaço com mais de 800 metros quadrados, os Artistas Unidos encontram “inúmeras possibilidades”, destacando “o grande objetivo de ter duas salas em funcionamento: uma, para que possamos trabalhar em pleno; outra para acolhermos grupos que não tenham espaço próprio, permitindo-lhes carreiras decentes na cidade e não apresentações de dois ou três dias”.
A ida da companhia para um bairro mais periférico acaba por ser, no entender de Carraca, um contributo para valorizar “uma zona com potencial de futuro” como é o Poço do Bispo. O Teatro Paulo Claro fica a cerca de 200 metros do Teatro Meridional e tem na vizinhança outros lugares de cultura como a Fábrica Braço de Prata e o 8 Marvila. Para estar em pleno, os Artistas Unidos reconhecem ter pela frente “trabalhos hercúleos”, e a necessidade de muito investimento, para tornar este espaço no teatro sonhado.
No imediato, se tudo correr como previsto e sem mais adiamentos na agenda (a primeira data de abertura apontava a dia 9), o Jantar começa a ser servido a 23 de outubro.