teatro
Tudo em família e entre artistas
"Reality Show: Os Raposos 3027", de Miguel Raposo, no Teatro Variedades

Uma aventura no teatro com mil anos de Raposos. Miguel juntou o pai, José, e o irmão mais novo, Ricardo, e os três criaram um reality show futurista que cruza a ficção com o percurso artístico e familiar, passando pela memória de tempos e lugares, como se tudo coubesse, sem limites quânticos, num palco de teatro. Reality Show: Os Raposos 3027 está em cena até 16 de novembro.
“Não é todos os dias que se pode dizer que o passado e o futuro se encontram, mas nós fizemos exatamente isso.” Esta frase é escutada a dado momento do espetáculo Reality Show: Os Raposos 3027, dita por José Raposo, quase como epítome daquilo que se passa em palco. No mínimo, aqui tudo se revela disruptivo e surpreendente, e não é só porque a ação salta do presente para o futuro distante do próximo milénio, e ainda encontra espaço para atravessar o passado da família de artistas que vemos em cena.
Comecemos pelo princípio. A ideia para este espetáculo nasceu da vontade comum a Miguel, Ricardo e José de trabalharem juntos numa criação própria. “Há algum tempo escrevi um texto para o meu pai e para o meu irmão chamado Karaoke“, conta Miguel. Vicissitudes várias, “levaram-no a ficar na gaveta”, mas quando surgiu a oportunidade de avançar com o atual projeto, Miguel decidiu que Karaoke, peça adiada e inacabada, seria o princípio de tudo, a matéria ideal para explorar o jogo metateatral que acaba por percorrer Reality Show: Os Raposos 3027.
Se tudo começa no presente com Karaoke, é à velocidade da luz que saltamos para o 27.º ano do milénio vindouro, onde se exibe um reality show protagonizado pelos Raposos do futuro. Com Ricardo a viajar numa nave espacial pelo hiperespaço, debatendo-se com a explosão de uma supernova, há que recorrer à sua presença virtual. Através de um holograma do mais novo Raposo, Miguel continua a encenação de Karaoke. Mas, a situação de risco espacial em que se encontra o irmão projeta os Raposos para uma viagem ao passado da família.
“É a partir daqui que brincamos com a nossa história e, através dela, falamos sobre o teatro, as nossas experiências e vivência, a do nosso pai e da nossa mãe [a atriz Maria João Abreu, a quem é dedicado este espetáculo], a minha e do meu irmão com o facto de termos crescido em teatros, nomeadamente neste onde nos encontramos”, sublinha Miguel Raposo, lembrando “um tempo bem bonito” em que “o Parque Mayer era uma comunidade” composta por “atores, técnicos, cozinheiros e os filhos de toda essa gente”.
Recorrendo a uma miríade de memórias, trazidas para a cena através de imagens do arquivo da RTP e dos mais diversos registos encontrados nos “baús de família”, os três artistas entrelaçam pequenas ficções com a realidade, especulando sobre a história de uma família de atores que se prolonga por mil anos. Com canções clássicas, com micro-números de revista e com manifestos… sim, manifestos políticos, porque é preciso denunciar o “capitalismo neoliberal, sem medo”.
Como diz Ricardo, criador da música e do ambiente sonoro do espetáculo, “se calhar vamos surpreender muita gente, sobretudo, aquele público que terá visto os meus pais, aqui no Parque Mayer, a fazer revista, e até mesmo aqueles que nos associam ao teatro comercial”. Mas, continua, “queremos aqui mostrar que nós, atores, somos marionetas que se moldam aos géneros, e que o Miguel que se destacou nos musicais é capaz de criar um espetáculo como este, que não se fecha numa caixa”.
Com texto e encenação de Miguel Raposo e dramaturgia dos três artistas, Reality Show: Os Raposos 3027 acaba por ser uma aventura teatral inesperada que, como garante José Raposo, “não é musical, não é revista, não é comédia nem é tragédia, mas é tudo isso ao mesmo tempo”.