Ofícios perdidos de Lisboa

'Lisboa na Época Moderna. Quotidianos, Artes e Ofícios' no GEO, em Benfica

Ofícios perdidos de Lisboa

Retrato de um período de profundas transformações, em que Lisboa se impunha como uma das grandes capitais portuárias mundiais, Lisboa na Época Moderna. Quotidianos, Artes e Ofícios dá a conhecer quem fazia a cidade funcionar, prestando serviços essenciais nas mais diversas áreas, desde a saúde e a alimentação até às atividades consideradas marginais. Muitas destas profissões desapareceram com o tempo, mas deixaram marcas na toponímia lisboeta, em apelidos de famílias e na iconografia da época. Fomos descobrir algumas delas.

O Gabinete de Estudos Olisiponenses (GEO) apresenta Lisboa na Época Moderna. Quotidianos, Artes e Ofícios,  uma exposição dedicada ao quotidiano e às profissões de Lisboa entre os séculos XVI e XVIII. Assente numa investigação histórica rigorosa, a mostra revela, através de reproduções de documentos, cartografia, pinturas, gravuras e painéis de azulejos, a dinâmica cultural, social e económica da cidade a partir dos seus ofícios e atividades profissionais.

Hospital Real de Todos-os-Santos [pormenor], Mestre “P.M.P.”, início do século XVIII, Museu de Lisboa – Palácio Pimenta

Regateira

O regateio era uma profissão exercida sobretudo por mulheres dos meios sociais mais desfavorecidos. Vendiam a retalho produtos alimentares – peixe, marisco, pão, produtos hortícolas ou galinhas – à porta de sua casa, na Ribeira ou em circulação pela cidade. Tinham grande liberdade de movimentos, mas as posturas municipais mais antigas exigiam que fossem casadas ou viúvas “honestas”.

A sua atividade era rigorosamente controlada e corriam o risco de ser multadas e até açoitadas se as mercadorias não fossem supervisionadas pelo Senado. Faziam-se anunciar com pregões que ecoaram na cidade até meados do século XX.

A nurse gives a man an enema, Charles Eisen, 1762, Wellcome Collection

Cristaleira

Profissional de saúde responsável por administrar “ajudas” — clisteres purgativos — prescritos para o tratamento de diversas doenças. Para exercer a função, era obrigatório submeter-se a um exame perante o físico da cidade e, se aprovada, receber a carta de ofício emitida pela Câmara de Lisboa.

O seu principal instrumento de trabalho era o cristel, que devia estar em perfeitas condições de higiene e funcionamento. As profissionais que desrespeitassem as boas práticas estavam sujeitas a multas e, no limite, a pena de prisão. Com os avanços da medicina, este ofício entrou em declínio e foi extinto no decurso do século XVIII.

Painel de azulejos [pormenor], Autor não atribuído, 2ª metade do século XVIII, Academia das Ciências de Lisboa

Quadrilheiro

Os quadrilheiros surgiram durante o reinado de D. Fernando, no século XIV, com a função de manter a ordem nas cidades. Eram recrutados compulsivamente entre os cidadãos mais respeitáveis e obrigados a cumprir um mandato de três anos, sem remuneração.

Cada quadrilha era formada por vinte homens que, sem qualquer formação específica, tinham a missão de denunciar e intervir em diversas situações que ameaçassem a ordem pública e a moral vigente. Eram identificados por uma vara verde com insígnias, que carregavam consigo, sendo frequentemente agredidos e ridicularizados. A instituição dos quadrilheiros foi extinta no século XIX.

Os Aguadeiros [pormenor], Nicolas Delerive, 1801, Museu de Artes Decorativas / FRESS

Aguadeiro

São frequentemente representados na iconografia de Lisboa carregando barris de água em carroças, com a ajuda de animais de carga ou às costas. O aguadeiro era fundamental para o funcionamento da cidade, levando água desde os principais chafarizes e fontes aos pontos mais distantes e inacessíveis da cidade. A partir do século XVIII, essa função passou a ser desempenhada sobretudo por imigrantes originários da Galiza.

Painel de azulejos [pormenor], Mestre “P.M.P.”, 1º quartel do século XVIII, Museu de Lisboa – Palácio Pimenta

Almocreve

Desde a Idade Média o almocreve era uma presença assídua nas cidades, aldeias, estradas e caminhos do país. Com o seu animal de carga transportava e distribuía alimentos e outros bens, ligando por terra as regiões mais remotas. Foi uma profissão essencial para o comércio interno e manteve-se até se tornar obsoleta com o desenvolvimento dos transportes.

Querenagem de um navio [pormenor], Autor não atribuído, século XVIII, Museu de Artes Decorativas / FRESS

Calafate

Responsável por vedar as embarcações de madeira, este artesão era essencial numa época em que o comércio marítimo se impunha como uma das mais fortes atividades económicas.

Na Ribeira das Naus, o imenso estaleiro ativado no século XVI, trabalhavam centenas de carpinteiros e calafates. Enquanto os primeiros construíam e reforçavam a estrutura dos navios, os segundos garantiam a sua impermeabilidade, preparando-os para enfrentar longas travessias oceânicas. A técnica consistia na aplicação de um calafeto — geralmente produzido com alcatrão e breu aquecido — que selava as juntas, protegendo o casco contra a infiltração de água.

Adoração dos Pastores, Gregório Lopes, 1539, Museu Nacional de Arte Antiga

Odreiro

Artesão que fabricava os odres, recipientes feitos de peles de animais para transporte de líquidos como vinho, azeite, vinagre, leite ou água. Usados em contexto rural e urbano, exigiam muita perícia na sua confeção. Normalmente o pescoço do animal servia como gargalo, sendo a impermeabilização feita com pez, uma substância resinoso-vegetal.

A exposição Lisboa na Época Moderna: Quotidianos, Artes e Ofícios está patente ao público no GEO [Palácio do Beau-Séjour- Estrada de Benfica, 368], até 28 de novembro. Entrada livre.
Estão previstas visitas orientadas (máximo 10 pessoas) nos dias 23 de setembro, 15 de outubro e 13 de novembro em dois horários: 11h30 e 15h30 (inscrição: geo@cm-lisboa.pt)
Para além das visitas haverá um ciclo de conferências a 4 de setembro, 9 de outubro e 4 de novembro, sempre às 18h.
A entrada é livre, sob marcação, em todas as atividades.