Os Livros de Setembro

Oito sugestões de leitura para o regresso ao trabalho

Os Livros de Setembro

Entre poesia, romance, biografia, ficção científica, contos, ensaio, romance histórico ou “panfleto mágico”, são variadas as propostas de leitura para o mês de setembro. Regresse de férias e retome a vida profissional na companhia de bons livros!

António Carlos Cortez

Condor

Neste conjunto de vinte e sete poemas longos de verso caudaloso, António Carlos Cortez refere-se ao autor d’Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões, como “poeta da poesia”. No seu mais recente livro, também Cortez o é, na medida em interpreta a realidade do mundo presente (“tempo tétrico do averno técnico” onde ninguém já tem “ouvidos para a musa”) à luz da tradição poética, enquanto reflete sobre a natureza e significado da própria poesia (“Sim, a poesia / é uma forma de pressentimento das eras / que sobre eras vêm”).  A obra, que elege o “oráculo como arquétipo”, convoca o passado literário como refúgio para o esquecimento da alienação do presente (“Portugal (…) no porto do desabrigo e da infâmia”). Nesta leitura alegórica, o condor – mensageiro dos deuses na mitologia andina, o maior pássaro da terra e o único animal que pode olhar o sol de frente, sem cegar – é o próprio poema (“condor-poema”): “animal poético animal perfeito / animal profético”. Escreve António Carlos Cortez: “A poesia acabará também por ser (…) uma ave a caminho do sol que a cegará absolutamente. Só na cegueira a poesia poderá continuar e aí terá a sua última fase lúcida”.
Caminho


Stanisław Lem

A Máscara e Outros Contos

Em O Enigma, último dos contos desta coletânea, o mestre da ficção especulativa, Stanisław Lem (1921-2006), relembra o papel do Santo Ofício como principal opositor ao avanço da ciência. Na realidade, o grande escritor polaco sempre cultivou o ideal de liberdade como utopia. De ascendência judaica e apoiante da resistência, como mecânico, dedicou-se a sabotar carros alemães durante a invasão nazi. Em 1976, foi expulso da Associação de Escritores de Ficção Científica e Fantasia da América, por ter criticado a fraca qualidade da produção norte-americana no género. A Máscara reúne treze contos escritos entre 1956 e 1993 que revelam os diferentes temas e influências que dominaram as suas obras de grande fôlego como Solaris (1961): a contaminação do romance policial e da literatura gótica, o interesse pela cibernética e a psicologia, o tom grotesco e humorístico, a relação nem sempre pacífica entre a humanidade e a inteligência artificial. Em todos eles é possível reconhecer os elementos estilísticos que contribuíram para tornar Lem popular junto de uma larga camada de leitores, como a descrição minuciosa dos detalhes, baseada numa espantosa erudição científica, os diálogos descarnados, essenciais, rápidos, inspirados no modelo norte-americano, ou a procura constante de uma dimensão existencial profunda.
Antígona

Mónica Baldaque

As Casas da Vida de Agustina

Nascida em 1922, desde cedo ficou patente a vocação literária de Agustina. A “Sibila”, de 1954, constitui um enorme sucesso e revela a sua mestria na arte do romance. A relação com a região duriense, durante largas temporadas da sua infância e adolescência, marca de forma indelével a sua obra. A escritora escreveu em 2013, no Caderno de Significados: “Os lugares físicos são fonte de revelação, porque eles guardam o espectro do acontecimento”. Neste livro, a pintora e escritora, Mónica Baldaque, filha de Agustina recorda a “vida sábia” da mãe e “o reflexo das paisagens por onde passou”. A partir da casa de seus pais em Vila Meã, onde nasceu a 15 de outubro de 1922, Agustina, originária de uma família com “espírito de nómadas”, mudou muitas vezes de morada, apenas de passagem ou de forma mais demorada. Este livro relembra as suas vivências e a relação que estabeleceu com a escrita em cada um desses “lugares físicos”. Evocando a Casa do Gólgota, sua última morada, escreve Monica Baldaque; “foi mais uma casa da vida de Maria Agustina, e não A Casa da Vida. Essa, e por fim, não a vejo noutro lugar senão na sua obra.”
Relógio D’Água

Eugenio Carmi e Umberto Eco

Três Contos

Exemplo perene de colaboração entre um artista visual e um escritor, estes três contos revelam como as pessoas se enriquecem e ganham novas dimensões em contacto umas com as outras:  face às palavras de Umberto Eco, o pintor Eugenio Carmi tornou-se ilustrador e face às imagens de Eugenio Carmi, o filosofo, semiólogo e escritor Umberto Eco tornou-se fabulista. A Bomba e o General mostra como a harmonia de mundo se pode destruir com uma guerra atómica. Os Três Cosmonautas glosa o tema da tolerância e do respeito à diferença entre um marciano com seis mãos e três cosmonautas rivais: um americano, um russo e um chinês. Os Gnomos de Gnu é uma parábola sobre o colonialismo e a “curiosa” noção ocidental de “civilização”. Todos ostentam belíssimas ilustrações a aguarela, entre a geometria e a abstração, com recurso à colagem de fragmentos de papel e tecido. Os dois primeiros contos foram publicados originalmente em 1966, o último em 1992. Infelizmente, mantêm plena atualidade. Num momento em que vozes se levantam a favor do rearmamento da Europa e do mundo e da reintrodução do serviço militar obrigatório no nosso país, e em que vemos crescer a intolerância para com o “outro”, este livrinho é de leitura imprescindível para miúdos e graúdos, pais e educadores, humanos e extraterrestres.
Gradiva

Giuliano da Empoli

A Hora Dos Predadores

Entre os títulos mais aguardados da 82ª edição do Festival de Cinema de Veneza (27.08 a 06.09) encontra-se The Wizard of the Kremlin, de Olivier Assayas, que adapta o romance de estreia de Giuliano da Empoli, hoje mais reconhecido enquanto ensaísta do que conselheiro político, apesar das duas atividades coexistirem em toda a produção escrita deste autor de origem italiana e suíça. A Hora dos Predadores não se compadece com aparências ou palavras meigas para falar do presente e antecipar o pior que espreita. “Hoje, as nossas democracias ainda parecem sólidas. Mas ninguém pode duvidar de que o mais difícil ainda está por vir. O novo presidente americano passou a encabeçar um cortejo variegado de autocratas descomplexados, de conquistadores da tecnologia, de reacionários e de teóricos da conspiração impacientes por chegarem a vias de facto.” Giuliano da Empoli relata situações a que assistiu protagonizadas por aqueles que alimentam e tiram partido da máquina do caos: a mesma que inflama o comportamento dos seres humanos com infinitas perceções que mais não são do que extrapolações abusivas da realidade. O poder crescente da Inteligência Artificial aponta para esse mesmo abismo, do qual é uma espécie de rosto incorpóreo e totalitário. RG
Gradiva

Sigrid Nunez

Qual é o teu tormento

Depois de vencer o National Book Award com O Amigo, Sigrid Nunez regressa aos romances com Qual é o teu tormento, obra adaptada ao cinema por Pedro Almodóvar com o título O quarto ao lado, protagonizado por Tilda Swinton e Julianne Moore. A história é a de duas amigas, cujos nomes desconhecemos, uma delas a fazer tratamento para um cancro terminal. Depois de inicialmente se recusar a ser cobaia numa série de tratamentos que provavelmente não a iriam salvar, todos a convenceram a não desistir. Afinal, “ela não queria sair da festa mais cedo”. Todos menos a filha, com quem pouco contacto tinha. Num diálogo contínuo entre a narradora e a amiga doente, vamos ainda acompanhando a relação da narradora com o ex-marido e os motivos que levaram a filha a afastar-se da mãe, sem nunca perder o que está por detrás desta narrativa: o poder da amizade. Sem querer “partir numa angústia humilhante”, a mulher doente revela à amiga que possui um medicamento para a eutanásia e que gostava que ela a acompanhasse nos últimos dias. Não quer que a ajude a morrer, apenas que lhe faça companhia e esteja com ela até ao fim. “Alguém disse: Quando vens ao mundo tens pelo menos uma pessoa contigo, mas quando o abandonas estás só. A morte acontece a todos nós, mas continua a ser a mais solitária das experiências humanas, que nos separa em vez de nos unir.” Exceto neste romance. SS
Livros do Brasil

 

Patrícia Portela

Manual para andar espantada por existir

À semelhança do “panfleto mágico em forma de romance” em que se inspira – Aventuras de João Sem Medo, escrito por José Gomes Ferreira no tortuoso ano de 1933 –, este é também um livro ensombrado por tempos difíceis, onde nunca é demais alertar para a importância de resistir. Para isso, Patrícia Portela apela a que se cultive a imaginação e escreveu este Manual, advertindo desde logo o leitor (de todas as idades) para não tente “pensar só com a parte lógica do cérebro”, senão será incapaz de se “espantar por existir” e, naturalmente, de fazer a viagem proposta por este livro com capa dominada pelo amarelo, cor que, afiança-se, seria a do espanto se “o espanto tivesse uma cor”. Vestindo o papel de João Medrosa, a aventureira que percebe ser “o medo um sentimento que (…) pode paralisar as pessoas e impedi-las de sonhar livremente”, a autora atravessa o muro da realidade e leva-nos de volta a essa antítese do país sombrio que é a Floresta Branca, lugar das aventuras de João Sem Medo no folhetim de Gomes Ferreira. Ali, à luz dos mais de 90 anos que separam as duas narrativas, ressurge todo um universo prodigioso de fantasia e imaginação, alimentado pela emergência de combater velhos fantasmas que retornam através da prodigiosa faculdade humana do pensamento e da curiosidade. FB
Caminho

Tiago Salazar

O judeu de Santa Engrácia

Viajante, escritor e guia, Tiago Salazar inspirou-se no mito em torno da construção da Igreja de Santa Engrácia para escrever o mais recente romance, O judeu de Santa Engrácia. Corria o ano de 1631 quando o cristão-novo Simão Lopez Pires de Sólis foi acusado de ter profanado as relíquias do templo de Santa Engrácia. “Mandar alguém para o cadafalso sem prova cabal era comum no nosso burgo, como deveria ser noutros, assistidos por um poder despótico e venal.” Apesar de não ser a primeira vez que presenciava tais rituais, Antero Figueira, homem de leis, assistiu à morte na fogueira de Simão e sentiu que daquela vez estava a ser cometida uma tremenda injustiça e resolve investigar o porquê de andar Simão a rondar a igreja inacabada a horas tão tardias. “A execução de Simão era o grau máximo da impunidade das trevas. E o facto de as gentes que ali acorreram não o terem apedrejado, e muitos em surdina o tomarem por vítima de uma ratoeira, mais me faz convicto de haver ali pano para mangas.” Embarque nesta viagem até ao século XVII e descubra o que levou Simão a manter-se calado face à acusação que lhe pendia até ao momento de atearem o lume, altura em que afirmou: “Morro inocente! E é tão certa a minha inocência como é certo que nunca se hão-de acabar aquelas obras, por mais que se façam!”. SS
Oficina do Livro