Diogo Piçarra

"Procuro sempre que as pessoas se identifiquem com as canções"

Diogo Piçarra

Depois de uma pausa de quatro anos, Diogo Piçarra regressa aos discos com Sentimental. O álbum revela um novo lado do cantor, que assume uma busca por temas novos e por sonoridades que ainda não tinha explorado. Sentimental é apresentado a 20 de abril no Sagres Campo Pequeno, e foi o mote para uma conversa com o músico.

 

O teu último disco, Sentimental, surge depois de uma pausa de quatro anos. Que mensagem quiseste transmitir?

Acima de tudo, quis que fosse o disco certo, de que me orgulhasse. Não quis lançar um disco só porque sim. Sei que demorei quase cinco anos a lançá-lo, mas fiz tudo com cabeça. Escolhi bem as músicas que fiz ao longo destes anos (ainda durante a pandemia e mesmo depois) e só as lancei quando me senti satisfeito. Quase que me obrigava a lançá-lo o ano passado, mas como ainda não estava satisfeito decidi adiar. Só aconteceu este ano e sinto que foi fruto de um trabalho não só de produção árdua na busca de sons novos, de instrumentos novos e também de alguns elementos de eletrónica que ainda não tinha explorado, mas também na parte lírica. Sempre procurei escrever de forma simples, mas agora tentei alguns temas que ainda não tinha abordado liricamente. Não é nada de muito abstrato, até porque procuro sempre que as pessoas se identifiquem com as canções. Neste disco tentei desenvolver estes dois campos, tanto na produção como na escrita.

Consideras-te um perfecionista que não gosta de trabalhar com prazos?

Sim e não. Por um lado, funciono bem com pressão. Se não tiver um prazo que me obrigue a entregar o produto final vou adiando e nunca consigo fechar o disco. Por outro lado, acho que hoje sou menos perfecionista. Já fui mais esquisito com sons, com videoclipes… Com o passar do tempo percebi que há coisas com as quais nem vale a pena perder tempo. Coisas que as pessoas nem vão notar, eu vou ser o único a reparar que está ali algo que demorou imenso tempo. Ainda para mais quando hoje as pessoas estão cada vez mais “perdidas” com a quantidade de informação a que têm acesso, seja nas redes sociais ou noutras plataformas, por isso, quanto menos tempo perder a investir nessas coisinhas em que só eu é que reparo, melhor. Pode ter a ver com a maturidade, pode ser também fruto dos tempos que vivemos, de ter de me adaptar à velocidade com que se faz e lança música.

Assumes muitos papéis enquanto artista: és cantor, músico, produtor, compositor… em qual deles te revês mais?

Nunca me encarei como um cantor, como se a minha tarefa principal fosse cantar. Gosto muito de cantar, treino muito e tento desenvolver cada vez mais a minha voz e a técnica vocal, mas acho que o meu foco, na maior parte do tempo, é na parte da produção, dos instrumentos. É tocar, gravar, produzir, tentar fazer um bom instrumental… Em relação à voz, sinto que descobri um registo confortável, em que me sinto bem e em que gosto de me ouvir, mas não é o meu foco principal. Não sou como certos cantores que admiro, cantores profissionais que nasceram com talento e técnica, como a Adele, por exemplo. Aprendi a cantar por volta dos 18, 19 anos e sinto que a minha vida musical e profissional primeiro surgiu como guitarrista, e só depois é que comecei a cantar. E acho que ainda continuo a ser assim.

A paternidade alterou a maneira como compões as tuas músicas?

Penso que não, que continua igual, pelo menos tento separar esses dois mundos. Podia muito bem entrar numa onda mais paternal e até fazer música, não diria infantil, mas se calhar para um público mais jovem. Mas quero continuar esta minha caminhada em que estou a amadurecer musicalmente, e acho que o consigo fazer naturalmente. Faço a música que sempre fiz, mas de uma forma um bocadinho mais madura. No dia em que surgir uma música para a minha filha tem de ser a certa, não é só porque sim, não vou forçar isso.

Seria algo que partilharias num disco?

Sim, claro. Mas aquilo que vivemos os três juntos é impossível descrever numa canção e acho que o amor ainda vai crescer, acho que ainda é cedo. Agora estamos na fase incrível e lindíssima dos quatro anos, de descobrir o mundo… Quem sabe se, no dia em que essa canção surgir, a minha filha já será grande o suficiente para a cantar comigo.

O teu último single, Amor de Ferro, é um dueto com o Pedro Abrunhosa. Como surgiu a vontade de terem uma canção os dois?

Quando fiz a maquete de Amor de Ferro – já estava praticamente pronta, faltava só o verso do Pedro, estava lá esse espaço em branco – achei mesmo que precisava da voz grave do Pedro, das palavras dele. Demorei quase um ano a falar com ele para que, quando lhe mostrasse a canção, ela estivesse mesmo finalizada. Logo na primeira noite em que fiz a canção – em fevereiro do ano passado – senti mesmo que ou tinha de ser para ele ou para cantar com ele. Depois, o convite surgiu e nem foi preciso ele ouvir a música. Quando lhe disse que se chamava Amor de Ferro, disse algo do género: “acho que esse nome é forte e que tem tudo para dar certo”. Só com o nome já estava quase convencido e então, depois de ter ouvido, rasgou-se em elogios, adorou tudo. De vez em quando manda-me mensagens a dar os parabéns. Acho que temos um respeito mútuo – mais da minha parte, porque ele é o artista que é, e o primeiro disco dele fez agora 30 anos – por isso é um sonho concretizado partilhar uma música com alguém como o Pedro.

A vossa relação começou quando participaste no Ídolos

Sim, temos esse passado em comum. Ele não foi só um jurado, mas também um mentor. Estava sempre a elogiar-me, a fazer críticas construtivas. Senti que era a pessoa que estava mais atenta ao meu trabalho e o que me percebia melhor. São 12 anos de amizade…

“Nunca me encarei como um cantor”

Tens feito muitas colaborações com outros artistas. Fazes a canção e pensas na voz certa para ela?

Sim, com algumas exceções. Com a Carolina Deslandes por exemplo, foi tal e qual, o processo foi parecidíssimo. Fiz a música toda e queria mesmo que tivesse a voz dela. Depois mostrei-lhe a canção quase finalizada e ela foi muito rápida a escrever a parte dela. Demorou cerca de uma hora e meia, é mesmo talentosa. Com o Bispo, por exemplo, não foi nada planeado. Monarquia era uma música que tinha guardado durante a pandemia. Um dia estávamos em estúdio a tentar fazer outras coisas, e não estava a sair nada de jeito. Às tantas, mostrei-lhe a canção e ele imediatamente disse “é isto, quero fazer isto contigo”. Depois foi só gravar a voz dele na música. Neste caso não tinha nada planeado, mas muitas das vezes é assim que acontece.

Já trabalhaste com muitos músicos portugueses, quem é que ainda falta?

A Bárbara Tinoco ou o Ivandro, por exemplo. Chegámos a combinar uma sessão, mas ainda não aconteceu… Há alguns artistas que admiro e de quem sou amigo, mas ainda não surgiu a oportunidade de fazermos uma música.

Tem de acontecer naturalmente?

Sim, até porque o público nota. Tem de haver química para além da canção. Também me dou muito bem com os Calema ou com malta do hip hop, como Prof Jam, T-Rex, Slow J… São todos artistas que admiro imenso e sei que um dia vai surgir a oportunidade de trabalharmos juntos.

Dia 20 de abril regressas ao Sagres Campo Pequeno. Como é que é para ti pisar uma sala deste calibre?

É uma emoção, porque já lá vi muitos concertos. A primeira vez que assisti a um concerto lá, fiquei com muita vontade de atuar porque gostei muito da disposição da sala, uma espécie de Coliseu com uma bancada imponente. Fora um concerto que dei durante a pandemia, ainda não tinha tido a oportunidade de atuar aqui em nome próprio. Além disso, este é dos meus primeiros concertos em 2024. Tenho muita vontade, porque estou há três meses parado de propósito para me concentrar para este. Não quis dar muitos concertos para guardar a minha energia, até porque tenho um disco novo para apresentar, e estou ansioso por mostrá-lo ao vivo. Quando passamos quatro ou cinco anos a cantar as mesmas músicas ficamos ansiosos para apresentar novos temas. Vai ser a primeira vez que vou ouvir o público a cantar ao vivo  Amor de Ferro, e estou ansioso por ter o Pedro Abrunhosa ao meu lado a cantá-la.

Sei que se prepara uma grande produção a nível cénico. Podes desvendar alguma coisa?

Para além do Pedro, vou ter alguns convidados que fazem parte do disco, como a Jura, o Van Zee e o Frankie (com quem gravei Underwater), e haverá algumas surpresas que não estão no cartaz. Na parte cénica investimos imenso. Desde o ano passado que temos um cenário mais robótico, mais futurista e que vai estar, finalmente, 100% funcional. O próprio cenário também será assim, e haverá pirotecnia. É um concerto irrepetível.

Já estás a pensar num futuro disco ou ainda estás para usufruir deste ao máximo?

Estou a viver tão intensamente esta fase do disco que, quando ouço algumas músicas, é como se fossem novas. Apetece-me ouvi-las de vez em quando e emocionar-me com elas, porque gostei muito do resultado. Ainda não estou a pensar em músicas novas. Nessa altura o meu corpo pede, começa a querer soltar ideias e melodias e aí percebo que está na altura de ligar o gravador do telefone e começar a despejar ideias para lá.