teatro
Um coro de juventude repleto de Abril
"Quis saber quem sou - um concerto teatral" estreia no Teatro São Luiz

O verso inicial da primeira canção-senha do 25 de Abril, E depois do Adeus, intitula a mais recente criação de Pedro Penim para o Teatro Nacional D. Maria II, que estreia dia 20 no São Luiz. Quis saber quem sou “não é um musical” e “não é uma peça de teatro”, antes “um concerto teatral” para celebrar Abril revisitando o cancioneiro pré e pós-Revolução (e alguns outros temas), interpretado por um coro de inspiração no teatro grego, composto por 13 jovens cantores/atores entre os 16 e os 25 anos.
Como tantos de uma geração que nasceu no dealbar de abril de 1974, Pedro Penim, vindo ao mundo em plena revolução, olha para as canções e para a poesia nelas contida como uma parte de si mesmo. “Cresci com elas, fazem parte da forma como me entendo, logo é um cancioneiro muito definidor da minha própria identidade”, explicita. São temas que evocam o anseio de liberdade, de justiça social, de igualdade e de solidariedade. Mas também a premência da luta, da resistência e da mudança.
Há no palco um coro de jovens que anuncia a Primavera, soprada numa brisa onde se escuta o Acordai de Lopes-Graça ou a Grândola, Vila Morena do Zeca, ou as palavras de Natália Correia que José Mário Branco tornou ainda maiores na Queixa das Almas Jovens Censuradas, ou toda a verve da Maré Alta de Sérgio Godinho ou d’ A cantiga é uma arma dos GAC. E, que vai a África clamar por liberdade com Bonga e o Duo Ouro Negro; ou resistir com as palavras de Chico Buarque e de Brecht; ou colocar no lugar quem quer arrumar Abril com o contundente All you fascists de Woody Guthrie.

“São quase 30 canções, umas mais conhecidas outras mais obscuras, quase todas escolhidas por mim, orquestradas pela Filipe Sambado, que as traz para 2024, dando-lhes um tom mais contemporâneo”, detalha Penim, sublinhando a importância do espetáculo as fazer “ecoar nestas vozes e nestes corpos da geração Z”, que compõem o elenco. No caso, trata-se de um coro de 13 vozes que, ao mesmo tempo que celebra “os ideias de Abril”, tal como no teatro grego vem “pressagiar tempos sinistros” e “despertar um lamento.”
Um espetáculo inclusivo
Reunindo em palco um elenco de jovens entre os 16 e os 25 anos, acompanhados pela veterania do ator Manuel Coelho, Quis saber quem sou insere-se plenamente no objetivo afirmado por Penim de, enquanto diretor do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II), prosseguir uma “democratização crescente” da instituição. É fundamental “reconhecer que há mecanismos de acesso que continuam a estar bloqueados e que há comunidades sub-representadas.”
Por estas razões, o espetáculo integra, literalmente, a língua gestual portuguesa, contando para isso com a presença no elenco da intérprete Jéssica Ferreira e de Vasco Sermão, o ator surdo “que apareceu na audição sabendo que estávamos à procura de artistas para um espetáculo musical”, conta o encenador. “Achei de uma enorme coragem, mas se ele hoje está aqui é por mérito próprio, por lhe reconhecer talento.”
A presença de Sermão “transformou também o espetáculo, levando-me a pensar que se tinha um ator surdo poderia tornar o espetáculo 100% acessível a um público surdo”. Isto sublinha a “ideia de que a inclusão e a diversidade não são meros chavões e podem ser conquistas reais”. “Estou convicto, ao integrar um ator surdo numa produção própria do TNDM II, que estamos a dar um sinal à sociedade” mais a mais “nesta altura”, reforça Penim.
Assim, nestes 50 anos do 25 de Abril, quando “Portugal parece voltar a entristecer, como dizia Pessoa”, ai está Quis saber quem sou a celebrar uma juventude que nos devolve a necessidade de fazer reviver os ideais que derrotaram o fascismo e o colonialismo. Uma juventude capaz de transmitir a esperança de que o “mau fado” que parece andar à solta não voltará a vingar.
O espetáculo está em cena, no Teatro São Luiz, entre 20 e 28 de abril, seguindo em digressão pelo país até novembro. Agendadas estão datas para Aveiro (24 e 25 de maio), Porto (21 de maio e 1 de junho), Loulé (7 e 8 de junho), Tomar (8 de agosto) e Coimbra (15 e 16 de novembro).
[artigo atualizado a 18 de abril na menção às datas de apresentação do espetáculo]