Os livros de novembro

Oito livros para ler e partilhar

Os livros de novembro

Do romance à poesia, das memórias aos estudos, dos contos às novelas, eis as nossas propostas de leitura para o mês de novembro. Oito obras de grande qualidade assinadas por autores clássicos e contemporâneos, como W. B. Yeats, Simone de Beauvoir, Alves Redol, Bertolt Brecht, Elie Wiesel, Hervé Guibert e Françoise Vergès.

Simone de Beauvoir

Memórias de uma Menina Bem-Comportada

Simone de Beauvoir (1908-1986) partilhou a vida e a filosofia existencialista com Jean Paul Sartre. Viviam separados, numa “relação aberta”, pois Simone, como feminista, rejeitava o casamento e a noção de família convencional. De Beauvoir escreveu novelas (O Mandarim, de 1954, ganhou o Prémio Goncourt), ensaios e contos sobre temas políticos e ideológicos, do colonialismo ao comunismo, do papel do intelectual na sociedade à análise da existência humana. Em 1949, publicou O Segundo Sexo, estudo sobre a história da opressão da mulher, no qual denunciava a noção de “eterno feminino” como um mito calculado para perpetuar o domínio patriarcal. As Memórias de uma Menina Bem-Comportada descrevem os seus primeiros 21 anos e a construção de uma identidade. A sua educação no seio de uma família burguesa empobrecida e o seu inconformismo face à sociedade da época, fomentado pela sua relação com a literatura e a filosofia e pela influência de algumas ligações humanas fundamentais. A sua orientação no sentido de um compromisso social e filosófico (sempre o motor da sua existência) e na determinação do seu próprio destino. Simone que, após a publicação de O Segundo Sexo, tinha sido percecionada pela crítica como uma mulher amarga e desencantada, revela nestas páginas o seu intenso prazer de viver. Quetzal

Alves Redol

Os Reinegros

Alves Redol (1911-1969), membro destacado do neo-realismo português, introduziu no movimento uma vertente documental com forte influência etnográfica com o romance Gaibéus (1939), nome dado aos camponeses da Beira que iam fazer a ceifa do arroz ao Ribatejo. Os Reinegros é um romance póstumo do escritor cuja ação decorre na década entre o Regicídio e o final da Primeira Grande Guerra. Descreve as mudanças sociais que contribuem para as identidades e tomadas de consciência que os personagens, Alfredo e Julia Reinegro, adquirem ao longo da narrativa. Procurando sobreviver numa época de grandes convulsões sociais, Alfredo, estivador no porto de Lisboa, abraça ferverosamente a causa republicana na busca de um mundo melhor. Apesar da passagem do tempo, as condições dos mais desfavorecidos não mudam, levando-o a partilhar o seu desencanto com os camaradas: “A república deve ser uma coisa bonita. (…) Mas não chega à gente, fica lá muito por cima”. Contudo, face à Revolta Monárquica de Monsanto, resolve juntar-se de novo aos que se dispõem a oferecer a vida para que a republica não morra, “esquecendo todos os agravos e injustiças daqueles anos.” Caminho

Bertolt Brecht

Poemas

Bertolt Brecht (1898-1956) é um dos nomes cimeiros do teatro épico que se opõe, quanto aos fins que pretende atingir, ao teatro clássico. Através do efeito de distanciação privilegia a narração e nega qualquer princípio de ilusão. Ao ator compete representar a ação e não vivê-la e ao espectador tomar uma posição crítica relativamente ao que vê sem reagir emocionalmente. Mas, como escreveu Jorge de Sena, Brecht “foi também um grande poeta quer na poesia que escreveu a vida inteira, quer nos poemas que intercalou (…) nas suas peças”. Este volume acolhe a totalidade das versões brechtianas do ilustre tradutor Paulo Quintela, apresentando-as numa ordenação cronológica. Quintela tinha o propósito de apresentar ao leitor português uma perspetiva muito abrangente da produção lírica de Brecht, tendo no conjunto traduzido mais de 400 dos seus poemas. Entre eles, estes belos versos de forte pendor confessional intitulados Eu, o Sobrevivente: “Sei naturalmente: só por sorte / Sobrevivi a tantos amigos. Mas a noite passada em sonho / Ouvi estes amigos dizerem de mim: ‘Os mais fortes sobrevivem’ / E odiei-me.” Relógio D’Água

Elie Wiesel

Noite

Uma questão se impõe face a este título: o que poderá um livrinho de pouco mais de 100 páginas acrescentar a uma tão vasta literatura sobre o Holocausto? O grande escritor francês François Mauriac, no prefácio a esta edição, procura dar-lhe resposta identificando dois elementos únicos na obra. Em primeiro lugar, a descrição da cegueira dos judeus da cidade de Sighet, na Transilvânia, “diante de um destino do qual teriam tido tempo de fugir mas ao qual, com uma passividade inconcebível, se entregaram, surdos às advertências, às suplicas de uma testemunha que escapou ao massacre e lhes narrou o que tinha visto com os próprios olhos”. Em segundo lugar, a revelação da morte de Deus na alma de uma criança de 14 anos que descobre o mal absoluto: “nunca esquecerei aqueles momentos que assassinaram o meu Deus e a minha alma, e que transformaram os meus sonhos em cinzas. (…) Nunca esquecerei aquelas chamas que consumiram para sempre a minha Fé”. Noite, de Elie Wiesel, sobrevivente dos campos de concentração, Prémio Nobel da Paz em 1986, é um relato comovente e lúcido de uma descida aos infernos que transformou seres humanos em “almas malditas errando no mundo do nada, (…) à procura da sua redenção, em busca do esquecimento – sem esperança de o encontrar.” Dom Quixote

Hervé Guibert

A Imagem Fantasma

Hervé Guibert foi um escritor e crítico francês que morreu aos 36 anos de uma intoxicação farmacológica, quatro anos após ter sido diagnosticado com SIDA. A presente recolha de textos sobre fotografia, uma das suas paixões, teve a primeira edição em 1981, vindo a tornar-se uma obra de culto para os estudiosos da imagem. “Ela fala da fotografia de uma forma negativa, fala apenas de imagens fantasma, de imagens que não apareceram, ou então de imagens latentes, imagens íntimas ao ponto de serem invisíveis. Também se torna como uma tentativa de biografia através da fotografia: cada história individual é duplicada pela sua história fotográfica, feita imagem, imaginada”. Os 64 breves ensaios aqui presentes recaem muitas vezes naquilo que podemos designar por autoficção. A clareza da escrita, de uma objetividade que não tem receio da crueza, era a forma do autor imprimir a sua personalidade em tudo o que fazia. Hervé Guibert era alguém que não tinha medo de se mostrar, nem escondia o seu fascínio consigo mesmo. RG BCF Editores

W. B. Yeats

As Tábuas da Lei

W. B. Yeats (1865-1939) notabilizou-se como poeta nacionalista irlandês e como escritor simbolista de inspiração visionaria e mística. A sua poesia caracteriza-se pelo espiritualismo e esoterismo e centra-se na paixão pelo folclore irlandês, mitos e lendas celtas. Apesar de acompanhar a sua carreira, da juventude à maturidade, a ficção ocupa uma parcela reduzida dentro da produção literária de William Butler Yeats. A ficção passa pelas mesmas fases que a sua poesia ou ensaísmo. Assim sendo, o leitor encontra contos e novelas mais tradicionais a par de alguns mais poéticos ou místicos. Uns de simples compreensão, outros que exigem alguns conhecimentos da cultura tradicional e mitologia irlandesas, outros ainda baseados no oculto tão presente na sua obra. Yeats inspira-se nas lendas celtas e no folclore irlandês para dotar os seus personagens de dons quase divinos, como é o caso do Ruivo Hanrahan (que surge em cerca de uma dezena de contos), apresentado como um fanfarrão bebedolas, que, ao mesmo tempo, parece ter poderes sobrenaturais. Esta edição reúne mais de 25 contos e novelas do autor, bem como a versão mais completa do seu romance biográfico inacabado. E-Primatur

David Grann 

Assassinos da Lua das Flores 

No início de 1870, os índios da Nação Osage foram expulsos das suas terras no Kansas e levados para uma reserva rochosa sem qualquer valor aparente. Contudo, passadas algumas décadas, sob esse solo rochoso descobriram-se as mais vastas jazidas de petróleo dos Estados Unidos da América. Em 1923, os Osage eram considerados o povo mais rico per capita do mundo. Subitamente começam a ser mortos: o povo mais rico estava a tornar-se o mais assassinado. O caso é levado ao recém-criado FBI, e o seu jovem diretor J. Edgar Hoover cria uma equipa secreta para investigar o caso. Este livro segue a investigação que expõe um bando organizado com o objetivo de matar com veneno, balas e bombas os herdeiros Osage dessas terras ricas em petróleo. O jornalista David Grann resgata esses crimes hediondos, que foram apagados da história do seu país, e constrói uma narrativa americana modelar baseada na supremacia branca, no ódio racial, no homicídio, na corrupção e na ganância. Paralelamente, descobre uma conspiração mais profunda e aterradora que o FBI nunca expôs. Relato impressionante, agora transposto para o cinema por Martin Scorsese. O cineasta, um dos membros da geração da Nova Hollywood com maiores pretensões autorais, volta a demonstrar, com esta penosa adaptação, que a sua obra perdeu todo o fulgor criativo. Quetzal 

Françoise Vergès

Um Feminismo Decolonial

Importa, antes de mais,  clarificar o uso do vocábulo “decolonial”. Como se lê na nota de tradução da presente obra: “A “descolonização” é associada ao momento de desvinculação das antigas colónias. No entanto, a colonialidade e a lógica colonial perduram, não terminam de um dia para o outro com o fim do colonialismo e com o processo (histórico administrativo e politico) de independência”. É isso que Françoise Vergès, politóloga, historiadora e especialista em estudos pós-coloniais, põe a nu neste livro sobre o trabalho de milhões de mulheres racializadas e sobre-exploradas que limpam o mundo em que vivemos. Sem o seu trabalho, milhões de empregados e agentes do capital, do estado, do exército, das instituições culturais, artísticas e científicas não poderiam ocupar os seus escritórios, comer na cantinas, ter reuniões, tomar decisões em espaços asseados. Trabalho indispensável, mas que se procura manter invisível (executado geralmente à noite ou de madrugada) para evitar a consciência de que é marcado pela raça e pelo género, revelando o passado colonial e esclavagista da sociedade ocidental. A autora denuncia esta opressão normalizada e desafia-nos a combatê-la, criando as condições para um feminismo político e emancipador. Orfeu Negro