Uma mulher no meio da tragédia

"Um Nó Apertado" na Escola de Mulheres

Uma mulher no meio da tragédia

A partir de um texto original de Lígia Soares, a encenadora Marta Lapa e a atriz Tânia Alves partem em busca do que é ser hoje uma heroína trágica. Um Nó Apertado é a mais recente criação da companhia Escola de Mulheres, em cena no Clube Estefânia, até 5 de novembro.

É um tour de force para Tânia Alves que, para interpretar uma mulher cujo “palco pesa sobre o corpo” – mulher essa a quem se ouve, logo nos primeiros minutos do espetáculo, a pergunta: “como se pode representar uma tragédia estando no meio dela?” -, vai aprendendo “a superar o desconforto e a privação” implícitas a estar quase uma hora prostrada num estrado rígido, praticamente imóvel, “fazendo da palavra, ação”. Em Um Nó Apertado encontramos uma mulher despojada da vitalidade do corpo, onde ressoam vozes de heroínas trágicas do teatro clássico que, como que chegadas à atualidade, se debatem com aquilo que Lígia Soares, autora do texto, define como a “fatalidade iminente”, ou seja, com a procura desse “fatal desígnio” que, como escreve na folha de sala do espetáculo, não podemos “evitar senão estivermos dispostos à subversão e desobediência caraterísticas das heroínas trágicas que desafiaram leis, reis e estados para poderem honrar, salvar ou condenar filhos, irmãos e maridos.”

Mas, quem é, afinal, esta mulher que convoca a memória e o peso de um tempo de violência que é o nosso? Para encontrar pistas que nos levem a esta resposta importa, talvez, voltar ao início, recordando como tudo começou.

“Este espetáculo insere-se num ciclo sobre a memória que, por sua vez, tem as heroínas trágicas como sub-temática”, explica a encenadora Marta Lapa. “Depois de termos desafiado o David Pereira Bastos [que encenou o espetáculo Dirty Shoes Don’t Go To Heaven no final da temporada passada], a Escola de Mulheres convidou a Lígia a escrever uma peça inspirada nesta temática”, lembra, recordando que terá mencionado “a Medeia, a Hécuba, a Cassandra e, provavelmente, a Antígona,” como referências para se procurar saber “o que é, nos dias de hoje, uma heroína trágica.”

Ainda com o texto “muito em bruto”, a autora, a encenadora e a atriz Tânia Alves começaram “a procurar o lugar do espetáculo” ou, dito de outro modo, “a descobrir o lugar certo para que o texto atravesse a atriz e nos atravesse a nós, público”. Num ensaio, a atriz apercebe-se que “o texto projeta a queda”, sendo aquela mulher “alguém caído no chão”. Inesperadamente, Marta Lapa, artista “da dança e do corpo”, percebe que o caminho será dirigir uma atriz que acaba de descobrir, precisamente através da privação do corpo, como fazer “o texto ecoar” e “atravessar e atravessar-nos”. E assim, conta Tânia Alves, “encontrámos o sítio justo para o fazer: o sítio da privação, do ermo, da violência.”

Encontrado “o sítio”, parte-se  na procura de descobrir quem é esta “heroína” que nos lembra, diz Marta Lapa, como “o futuro se esvazia à nossa frente”. Nesta demanda, reconhece-se uma mulher “no meio da tragédia”, sendo ela todas as filhas e todas as mães, talvez cansadas de sofrimento e de ausência de paz. Como explica Tânia Alves, “ainda estou à procura de saber quem ela é, mas creio que todas a reconhecemos em nós mesmas, e mesmo não tendo vivido aquilo que nos conta, sabemos que a conhecemos.”

Embora tenha sido um espetáculo intimamente “construído pelas três”, Marta Lapa destaca “o apoio precioso e imprescindível” de Vítor Alves da Silva (que também assina o figurino), “a música original da Sandra Martins, a luz do Paulo Santos e, claro, de toda a Escola de Mulheres”, companhia que dirige com Ruy Malheiro desde o desaparecimento de Fernanda Lapa.

Estreado no passado dia 20 em Ponte de Lima, Um Nó Apertado chega ao Clube Estefânia a 25 de outubro, permanecendo em cena de quarta a domingo, até 5 de novembro.