Os livros de janeiro

Oito livros para o ano novo

Os livros de janeiro

Marguerite Yourcenar escreveu no célebre romance Memórias de Adriano: “As minhas primeiras pátrias foram os livros”. No mês de janeiro, sugerimos oito livros, sete edições recentes que cobrem vários géneros: romance, poesia, ensaio, design, literatura de viagem, literatura infantojuvenil… Inicie o ano novo entregando-se, de alma e coração, à grande pátria dos livros!

O Tamanho do Nosso Sonho é Difícil de Descrever

Safo, a “Décima Musa” como lhe chamou Platão, nasceu em meados do século VII a.C na ilha de Lesbos. Os seus poemas de amor dirigem-se frontalmente a mulheres e traduzem a experiência íntima e avassaladora da paixão, provando que desde os seus primórdios, a poesia celebra o amor homoerótico. A presente antologia reúne 101 poemas de outros tantos poetas, dos cancioneiros medievais à atualidade, proporcionando uma panorâmica abrangente sobre as representações do homoerotismo na poesia portuguesa ao longo dos tempos. A obra revela a forma plural como homens e mulheres, independentemente (ou não) das suas vivências, têm traduzido em verso, o amor entre pessoas do mesmo sexo. No prefácio, os selecionadores da antologia registam a significação abrangente de homoerotismo: “(…) permite expressar um conjunto de ideias, desejos, sensações, sentimentos, vivências e necessidades afetivas entre pessoas do mesmo sexo, não incluindo forçosamente o ato sexual, mas abarcando tudo o que suscita a atração e o desejo através da imaginação (as fantasias, por exemplo) ”. Uma seleção de desenhos e pinturas de Cruzeiro Seixas, de imaginário homoerótico, acompanham os poemas. Avesso

Montaigne

Ensaios I

Michel de Montaigne (1533-1592) homem de Estado, optou pelo autoexílio a fim de se consagrar á escrita dos seus Ensaios. Passou os últimos anos de vida fechado na famosa biblioteca dos seu castelo a compor, enriquecer e completar o seu livro. Para além de muitos outros temas (da solidão, da amizade, da moderação, dos livros, da vaidade ou do costume de andar vestido), o objetivo confesso da obra é o de registar “certos traços dos meus hábitos e inclinações”, mostrando “a minha maneira de ser simples, natural e comum, sem apuro ou artifício”. André Gide escreve no prefácio à presente edição: “Montaigne (…) considera nada poder verdadeiramente conhecer para além de si (…) convicto de que ser verdadeiro é o princípio de uma grande virtude”. Ora, como bem sabemos, Gide colocou a asserção do “Mestre” à cabeça da sua obra notável. Mais do que um sistema filosófico, os ensaios de Montaigne revelam uma sabedoria que sob aspetos estoicos e céticos, partem de uma análise de si mesmo para uma reflexão sobre o ser humano em geral e, através de vastas citações clássicas, sobre o Homem de todas as épocas. E-Primatur

Pier Paolo Pasolini

O Odor da Índia

Pier Paolo pasolini (1922-1975), controverso cineasta e escritor italiano, criador marginal e rebelde, é autor de uma obra fundada, simultaneamente, na temática homossexual, na ideologia marxista e na mística cristã. A sua morte – assassinado em condições sórdidas nos arredores de Roma – contribuiu para reforçar a aura de poeta maldito conferida pelos seus filmes e escritos. Em 1961, realiza uma viagem à Índia na companhia de Alberto Moravia e Elsa Morante. Neste livro evoca os odores, as sensações e as visões da sua singular experiência indiana, enquanto descobre situações sociologicamente semelhantes à do subproletariado romano e meridional: o fim de uma sociedade agrária feudal que entra em contacto direto com uma sociedade moderna em crise. Segundo Pasolini, em entrevista ao jornal diário Paese Sera, “(…) enquanto o burguês italiano com a sua televisão e as suas revistas ilustradas é um provinciano obscuro, cujos problemas são completamente marginais, o camponês italiano encontra-se invisível e inexprimivelmente ligado às imensas massas camponesas subdesenvolvidas da África, do Médio Oriente e da Índia, e os seus problemas surgem como problemas mundiais”. Desassossego

André Gide

A Sinfonia Pastoral

André Gide (1869/1951), Prémio Nobel da Literatura de 1947, foi uma das grandes mentes literárias do século XX. Romancista, dramaturgo, memorialista, crítico e editor, representou, segundo Thomas Mann, “o ponto extremo da curiosidade do espírito”. A sua ficção divide-se em dois géneros principais: o seu único romance, Os Moedeiros Falsos, texto eminentemente moderno que questiona a própria natureza do romance e uma série de narrativas (récits) de profundo teor confessional e admirável recorte clássico. A presente obra constitui uma extraordinária parábola sobre a cegueira na qual contrapõe a cegueira espiritual à cegueira física, estabelecendo um paralelo entre a cegueira e a inocência, a lucidez e a noção do pecado. Relata, na primeira pessoa e em forma de diário, a história de um pastor protestante que encontra Gertrude, uma jovem órfã cega e abandonada. Resolvido a ocupar-se dela recolhe-a, em casa, junto da família. A Sinfonia Pastoral de Beethoven é a peça musical que representa um ideal da natureza próxima da de Gertrude: pura, perfeita, harmoniosa. Se a brutal tempestade do 4º andamento perturba a quietude bucólica da sinfonia, o restabelecimento da visão faculta à heroína a perceção do mal que desencadeia a tragédia. Berlioz equiparou a Sexta de Beethoven a “uma paisagem composta por Poussin e desenhada por Miguel Ângelo”. Imagem que podia ter sido concebida face à comovente beleza e ao rigor clássico desta obra-prima de Gide. Relógio D’Água

Isabela Figueiredo

Um Cão no Meio do Caminho

Existem dois cães que surgem em épocas diferentes nas vidas das personagens principais do novo romance de Isabela Figueiredo: um terá por nome Cristo (Cris) e ajuda com a sua presença a que o protagonista, José Viriato, ainda criança, consiga superar a separação dos pais e a sua morte precoce. O segundo cão aparece nas últimas páginas do livro, chamar-se-á Redentor (Red) e representa a redenção da personagem feminina, Beatriz, que liberta de um passado encerrado em caixas por abrir, volta a conseguir viver para os outros e a aceitar a companhia dos animais. Tem-se falado muito de solidão a propósito deste livro, que no entanto não é nada fatalista no modo como trata uma evidência dos nossos dias: muitas pessoas simplesmente aprendem a viver sozinhas, embora possam desejar ou ter saudades de quando existiam outras pessoas nas suas vidas. A época natalícia é de grande importância aqui. É o tempo da família (quando esta ainda existe) e é o momento anual onde o excesso consumista tem a sua maior expressão. Isabela Figueiredo, por interposta personagem masculina, recolhe sinais da nossa época, e salva as personagens da sua história. Já não é autobiografia, ou autoficção, mas Isabela Figueiredo continua a falar do que conhece. [Ricardo Gross] Caminho

Jon Fosse

O Outro Nome. Septologia I – II

Religião, arte e identidade são os temas estruturantes daquele que é o primeiro dos três volumes que compõem O Outro Nome, o mais recente e, provavelmente, ambicioso projeto romanesco do consagrado autor norueguês da atualidade, Jon Fosse (n. 1959). Neste livro, nomeado para o Booker Price em 2020, apresenta-se Asle, um velho pintor que, após enviuvar, se estabelece numa remota cidade do litoral da Noruega, deixa o álcool e encontra a fé no catolicismo. Ali, tem como ocasionais companheiros um pescador local e um galerista que lhe prepara a próxima exposição, em Bjørgvin. O que Asle desconhece é ser precisamente nessa cidade que vive outro Asle, também ele um pintor solitário, contudo, cada vez mais consumido pelo álcool. Estes dois homens são aquilo que os alemães denominam de doppelgängers, ou seja, duas versões da mesma pessoa, duas versões da mesma vida. Ambos debatem-se com as suas existências, com a presença da morte e a ausência do amor, com a luz e a sombra, com a fé e a desesperança. O que jamais poderiam prever é quando um dos Asle está prestes a morrer num acidente ser o outro Asle que o salva. [Frederico Bernardino] Cavalo de Ferro

Daciano da Costa

Design e Mal-estar

Daciano da Costa (1930-2005) foi um dos pioneiros do design em Portugal. Com o curso de Pintura Decorativa da Escola de Artes Decorativas António Arroio e o curso de Pintura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, desenvolveu atividade pedagógica na área do design desde 1954, em diversos níveis de ensino oficial e privado. Estabeleceu atelier próprio em Lisboa em 1959, num território de fronteiras difusas que lhe permitiu diversificar a sua atividade em áreas tão diversas como o design urbano e arte pública, o design de interiores e de mobiliário, a arquitetura e a reabilitação. São de sua autoria a arquitetura de interiores o equipamento ou o mobiliário de espaços tão emblemáticos como a Reitoria da Universidade de Lisboa, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Biblioteca Nacional ou a Casa da Música. Design e Mal-Estar, lançado em 1998 pelo Centro Português de Design e agora em edição revista e aumentada, reúne textos de imprensa, entrevistas, ensaios e discursos de Daciano da Costa entre 1970 e 2004. A obra revela o pensamento crítico e rigoroso do desenhador de objetos que soube diagnosticar o “mal-estar” de cada época, refletindo nestas páginas sobre o que viu no mundo e “que decidiu considerar problemas de design”. Orfeu Negro

Nicoby e Vincent Zabus

O Mundo de Sofia – Volume 1

Certo dia, Sofia recebe uma carta com uma pergunta intrigante de um misterioso filósofo: “Quem és tu?”; seguida de outra: “De onde vem o mundo?”. De carta em carta, de pergunta em pergunta, Sofia inicia o seu curso de filosofia. Esta novela gráfica, adaptada do bestseller mundial de Jostein Gaarder, com colaboração do próprio, segue de perto a obra original sem nunca perder de vista as grandes questões da atualidade, desde o clima à igualdade de género. A obra, ilustrada por Nicoby, que acompanha o nascimento da filosofia e percorre a sua história até ao seculo XVII, destina-se a todos os jovens leitores que pretendam conhecer as raízes, a evolução e as principais correntes do pensamento filosófico ocidental. Porque, como escreveu Goethe, génio do romantismo alemão, citado em epígrafe neste livro. “Quem não sabe prestar contas de três milénios permanece nas trevas ignorante, e vive o dia que passa.” Elsinore