Wolf Manhattan

O músico, compositor e produtor João Vieira apresenta o seu novo projeto

Wolf Manhattan

Por razões de ordem logística, o concerto de Wolf Manhattan foi adiado para dia 10 de fevereiro de 2023.

 

Chama-se Wolf Manhattan e é a mais recente criação do músico João Vieira, conhecido por projetos como White Haus ou X-Wife. Criado durante a pandemia, Wolf Manhattan é um personagem que se desdobra em múltiplas facetas e nos mais diversos formatos: um disco, um jogo de tabuleiro e um livro. Para perceber melhor o mais recente produto da fértil imaginação de Vieira, estivemos à conversa para antecipar o próximo 28 de outubro, dia em que o "lobo" ganha vida no palco da ZDB.

Comecemos pelo nome: porquê Wolf Manhattan?

A ideia partiu de uma história que inventei, de um miúdo que vivia com o tio num apartamento em Nova Iorque e que, a dada altura, decide gravar canções numas cassetes que ficam perdidas no tempo e que acabam por ser encontradas anos mais tarde. Associei esta ideia à figura do lobo enquanto animal solitário, que se afasta da alcateia e se isola. Peguei nessa ideia do lobo isolado num mundo à parte, e em Manhattan como sendo o local onde ele se inspira e acaba por gravar as canções. Nova Iorque é uma referência para mim em todos os meus projetos. É uma grande influência, não só musicalmente, mas a todos os níveis culturais, desde o Woody Allen ao Andy Warhol, dos Velvet Underground aos LCD Soundsystem, tudo isso são referências. Tenho um apreço especial por Nova Iorque, onde fui sempre muito bem recebido com os meus outros projetos.

Esta personagem nasceu durante a pandemia. Foi um período criativo para ti?

A ideia nasceu de um conjunto de fatores. Não foi só o facto de estar sozinho e de ter tempo para refletir. Quando, seja por que motivo for, quebramos um ritmo ou uma rotina, acabamos por alterar os nossos hábitos e acho que isso aconteceu com a pandemia. Com os meus projetos – White Haus e X-Wife – ao estarmos distantes uns dos outros, cada um em sua casa, isso fez com que começasse a virar-me para outras coisas, foi inevitável. Algumas das canções já estavam escritas há algum tempo, mas não se enquadravam nos meus outros projetos, já que a estética é diferente. No entanto, quer a minha namorada, quer o André Tentúgal [produtor do disco] disseram-me que tinha de fazer alguma coisa com estas canções…

O disco ilustra um pouco a ideia do it yourself, com poucos instrumentos…

Houve duas fases: na primeira gravei o disco todo sozinho em estúdio. Quando tinha à volta de 20 a 25 canções apresentei-as ao André, que produziu o disco comigo. Olhámos para elas, vimos quais é que tinham potencial e aquelas que não acrescentavam nada. A ideia era ter uma boa seleção de músicas de forma que o disco fosse variado. Levámos 18 canções para estúdio e dessas escolhemos 13. Com o André em estúdio, conseguimos trabalhar as canções e potenciá-las ao máximo a nível de cuidado com a voz e os arranjos… foi importante ter alguém do outro lado, ter uma visão de fora. Quando estamos demasiado compenetrados perdemos noção de algumas coisas.

O vídeo do single Voices in my Head conta com realização do André Tentúgal. Qual a ideia por trás?

A capa do disco foi feita pelo ilustrador inglês Toby Evans-Jesra, cujo trabalho admiro e que convidei para este projeto. Ilustra um teatro onde estão algumas personagens a assistir a um espetáculo. Há um coelho e um crocodilo, que são os protagonistas do vídeo. A pensar nos vídeos, mas também nos concertos, pedi a uma artista do Porto chamada Madalena Martins que criasse as cabeças dos bonecos. Depois falei com a Matilde Ramos para criar o cenário. Surgiu então a ideia de criar um concurso de talentos onde os concorrentes só fizessem disparates. No final do vídeo, eu, o coelho, o fantasma e o crocodilo vamos embora juntos numa carrinha e formamos uma banda. A ideia era criar algo que se identificasse com o som e com toda a estética.

Há, aliás, um cuidado muito grande com essa parte estética. A própria capa do disco é um jogo…

Gosto muito de jogos de tabuleiro. Por norma, o tabuleiro é desdobrável. Lembrei-me de trazer isso para o disco, até porque tinha o tamanho ideal para fazer uma espécie de Jogo da Glória. Sempre achei o Jogo da Glória muito aborrecido porque só tem a ver com sorte, não tem estratégia nenhuma. Aqui criei cartões que têm perguntas sobre as canções. Há todo um universo que foi pensado: o jogo, os personagens, o próprio espetáculo em palco vai ser uma mistura entre uma peça de teatro e um concerto. Não quero que seja simplesmente um concerto onde estou vestido de forma banal. Há toda uma performance, uma indumentária, um cenário montado… entusiasmei-me com o projeto e fui criando ideias… tenho visto alguns projetos que me dão a sensação de que as pessoas não se esforçam. Em festivais, por exemplo, acontece muito estar a banda em palco a debitar canções e não dá mais nada para além disso. É um bocado preguiçoso. Para mim é importante fazer as coisas com algum brio e entusiasmo.

O Coelho, o Fantasma e o Crocodilo são as outras personagens do universo Wolf Manhattan.

O disco saiu a 22 de setembro e tem uma edição em vinil. É um objeto de particular importância para ti?

Para lançar o disco em vinil tinha de ser um objeto apetecível e foi isso que tentei criar com o jogo e com as personagens. Não é só um disco feito com qualidade, há mais para além das canções. Atualmente acho que não se pode apenas lançar o disco em vinil e esperar que as pessoas comprem, se também têm acesso à música nas plataformas digitais. Fico muito desiludido quando compro um vinil caro e não traz nada lá dentro, nem sequer as letras. Fico a pensar que gastei tanto dinheiro no objeto, que mais valia ter comprado o CD. Compro música nos vários formatos: digital, CD e vinil. Se for música para passar nos meus dj sets compro digital, se for para ouvir em casa depende do preço: se o vinil for o triplo do CD prefiro comprar o CD. Se o vinil for uma peça incrível e intemporal, então compro o vinil. O vinil vende muito os álbuns clássicos como Nirvana, Fleetwood Mac, Pink Floyd…

Para além do disco, há também um livro. Podes explicar melhor o conceito?

As ideias foram-se desenvolvendo à medida que foram acontecendo. Quando descobri este ilustrador inglês, Toby Evans-Jesra, surgiu a ideia de fazer uma fanzine, mas achei que era giro publicar um livro. Apresentei a ideia à editora independente Stolen Books, o que me permitia também chegar a outro público. Não quero que este projeto esteja fechado só no público da música. Aqui estou a jogar em muitas frentes: no livro, no jogo, na música… não estou só a limitar-me a dar um concerto. O livro conta a história toda do lobo, de como ele conhece o manager – que depois tem uma ligação ao concerto. Pedi então ao Toby que fizesse 20 ilustrações. É um livro ilustrado impresso em risografia, numa edição limitada e numerada, é uma edição de artista, uma peça que não é suposto vender milhares de exemplares. É tudo um pouco underground, mas espero que cresça porque acho que tem potencial.

Que feedback tens tido?

É curioso porque achava que o disco era para um certo tipo de público, mas tem chegado a um público que não estava à espera. Tenho recebido mensagens e comentários nas redes sociais de pessoas que estão ligadas a outros géneros musicais e que gostaram bastante. Isso foi surpreendente porque achei que estava a fazer isto para um certo tipo de público e depois agarrei outro. Há pessoas que me dizem que este é o meu melhor trabalho até à data. Para mim é muito importante, porque edito discos há 20 anos e isso é altamente motivante. Tenho tido feedback de muito público de várias idades, mas penso que tem sido honesto. Há pessoas que não se identificavam tanto com a linguagem de White Haus, que é mais eletrónica, mas identificam-se com Wolf Manhattan.

No dia 28, apresentas este novo conceito na ZDB. O que estás a preparar?

Vou apresentar essencialmente o disco, mas não só. Vou também tocar músicas inéditas até porque este disco só tem 30 minutos, não dá para sustentar um concerto. Há canções que foram editadas de forma a caberem no disco, e que ao vivo terão uma versão mais alargada, vão crescer um pouco. Gosto de quando os concertos não são exatamente iguais aos discos, quando os músicos fazem introduções e mudanças a meio. Vai haver também uma ou outra surpresa que não posso revelar… O primeiro concerto ao vivo vai acontecer na ZDB. Eu queria espaços que conseguissem captar um pouco esta imagem da capa: um teatro acolhedor, onde há alguma proximidade com o público, com um palco que não fosse muito grande, as cortinas vermelhas. O ambiente que quero recriar implica uma sala especial. Houve esse cuidado, e a ZDB enquadra-se na perfeição. Será ainda criado um cenário que recria este imaginário. O André Tentúgal também estará comigo em palco. Vamos estar em personagem, vai ser uma espécie de uma peça, não vai haver comunicação com o público. É uma performance, um espetáculo com princípio, meio e fim. A própria sonoridade e as luzes têm de se adaptar ao espaço e ao tipo de espetáculo. Estou a pôr as fichas todas neste projeto [risos].