Os livros de setembro

Oito novidades para o regresso das férias

Os livros de setembro

Findas as férias, retome a rotina do dia-a-dia, mas não esqueça os livros. A Agenda Cultural de Lisboa sugere oito novidades de qualidade, disponíveis na Feira do Livro (até ao próximo dia 11 de Setembro) ou na livraria mais próxima de si.

Irene Flunser Pimentel

Informadores da Pide

Entre 1926 e 1974, e mais concretamente a partir de 1933, milhares de denunciantes colaboraram com a PIDE/DGS prejudicando e destruindo a vida de muitos dos seus concidadãos. Motivados pela inveja, concorrência, rivalidade ou vingança, pela frustração provocada por um regime sem mobilidade social, profundamente hierarquizado e elitista, faziam-no para receber benefícios, defender o interesse próprio e por aspirarem à partilha do poder ditatorial. O recrutador e utilizador da delação foi o próprio Estado Novo. Todas as instituições do regime levaram a cabo esse recrutamento e incentivaram o comportamento da denúncia como se de um dever se tratasse. Este livro notável estuda em pormenor este fenómeno, verdadeira tragédia portuguesa, mostrando que houve informadores em toda a sociedade portuguesa e se encontravam infiltrados em todos os domínios da vida pública e até privada. Por fim, levanta uma questão inquietante: será que o prejuízo de décadas de convivência dos portugueses com o medo, a traição e a suspeita terminaram com o 25 de Abril de 1974 ou se mantém no seu comportamento em democracia? Temas e Debates/Círculo de Leitores

Abdulrazak Gurnah

Paraíso

A Academia Sueca considerou Abdulrazak Gurnah, nascido em Zanzibar em 1948, “um dos autores pós-coloniais mais proeminentes do mundo” e atribuiu-lhe o Prémio Nobel de Literatura em 2021. A editora Cavalo de Ferro pretende publicar quatro dos seus principais romances até ao final do corrente ano, estando dois já disponíveis: Vidas Seguintes e Paraíso. Em Vidas Seguintes, o mais recente dos seus romances, o jovem Ilyas junta-se como voluntário à Schutztruppe, a feroz tropa de proteção da África Oriental Alemã na luta contra os britânicos, na guerra que estala em Tanga, em 1914. Mais tarde, na Alemanha, apoia o partido Nacional-Socialista, mas incapaz de escapar às leis raciais nazis, morre num campo de concentração. O livro denuncia a perversidade do sistema colonial que mobiliza partidários que lutam por uma causa que, em última análise, se destina a dominá-los e a destruí-los. Paraíso, o romance que projetou o autor em 1994, é dedicado a outro jovem deslocado, Yusuf, entregue pelo pai, aos 12 anos, a um rico comerciante como forma de saldar uma dívida. Com ele empreende uma longa e perigosa expedição comercial aos confins da selva hostil, descida vertiginosa aos domínios do terror onde “todas as fraquezas do homem vêm ao de cima”. Obras que revelam um consumado contador de histórias que une a tradição narrativa do seu mundo – a África Oriental – à do seu país de adoção (Gurnah vive no Reino Unido desde 1960). Cavalo de Ferro

Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa

Novas Cartas Portuguesas

Novas Cartas Portuguesas, escritas a seis mãos por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, foram publicadas em Abril de 1972. A primeira edição foi recolhida e destruída pela censura de Marcelo Caetano e instaurado um processo às autoras (o processo das “três Marias”, como ficaria conhecido) devido ao conteúdo “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública” patente na obra. Partindo das célebres cartas seiscentistas da freira portuguesa Mariana Alcoforado, a obra constituiu um libelo contra a ideologia vigente na ditadura fascista, denunciando a guerra colonial, a emigração, a violência, o sistema judicial, a situação das mulheres, a pobreza. Cruzando contos, poemas, relatórios, textos narrativos, ensaios e citações, recorrendo à figura matricial de Mariana Alcoforado, o livro pretende, nas palavras de Ana Luís Amaral, organizadora da presente edição, “desmontar e re-montar o estereótipo da mulher abandonada, suplicante e submissa que dela emergia, estilhaçando fronteiras e limites, quer das temáticas quer da própria linguagem”. Edição anotada, comemorativa dos 50 anos de uma obra fundamental da cultura e da literatura do século XX. Dom Quixote

André Gide

Córidon

“A obra consiste num ensaio dialogado, em moldes socráticos, em que se defende a homossexualidade dos pontos de vista biológico, histórico-cultural e sociológico, sem descurar as suas implicações morais no contexto maioritariamente cristão e patriarcal que é o da Europa no início do século XX.” A introdução à presente edição de Córidon foi escrita por Ricardo Mangerona, também responsável pela cuidada tradução, recheada de notas que explicam certas passagens ou referências que dão prova da vasta cultura de Gide: autor de uma obra multifacetada, entre o romance, a poesia, a dramaturgia, o ensaio e a escrita diarística, que fazem dele um dos nomes mais importantes da literatura contemporânea. A primeira divulgação de Córidon data de 1911 (uma dúzia de exemplares distribuídos pelos amigos). Mal recebido no círculo íntimo do escritor, a obra ficou a maturar mais de uma década, até que em 1924 sai a edição considerada revista e definitiva. Entretanto, Gide tinha já assumido de uma vez por todas a sua orientação sexual, o que confere a Córidon a mesma missão ética (o registo da verdade sobre si próprio) que é apanágio da escrita intimista do autor. Edições 70

Herman Melville

Bartleby, o Escrivão

Herman Melville (1819-1891) autor de Moby Dick, foi um grande escritor apaixonado pelas histórias de marinheiros e do mar, às quais acrescentou uma dimensão metafísica e alegórica, fascinado pelo tema do mal e pelos aspectos mais sombrios da natureza humana. Bartleby, o Escrivão é a mais famosa das suas narrativas curtas onde se incluem outras títulos célebres como Billy Budd, Benito Cereno ou As Encantadas ou Ilhas Encantadas. Bartleby é um escrivão de Wall Street, ao serviço de um escritório de advogados, que se recusa a prestar qualquer tipo de trabalho com uma espécie de demente obstinação. O advogado e os outros escrivães aceitam com surpreendente passividade a sua estranha decisão. O escritor e poeta argentino Jorge Luís Borges dirigiu A Biblioteca de Babel, prestigiada coleção de obras fantásticas,  onde incluiu este conto que comparava com o romance Moby Dick, encontrando “semelhanças na loucura dos dois protagonistas e na incrível circunstância de uma tal loucura contagiar todos os que os rodeiam”. Guerra & Paz

Mário-Henrique Leiria

Obra Gráfica

Mário-Henrique Leiria (1923-1980), escritor experimentalista, distinguiu-se nos géneros de vanguarda da sua época como a ficção cientifica ou o policial psicológico que incorporou no surrealismo, movimento ao qual sempre se manteve próximo. Espírito inconformista de ironia contundente, escolheu como alvos principais da sua obra o capitalismo, a guerra, o estilo de vida da burguesia e todas as formas de violência e autoridade. A presente edição, com introdução, organização e notas de Tania Martuscelli, reúne a obra gráfica do autor, muito menos conhecida do que a sua obra literária. Particularmente relevante é a forma como através dela se adivinha a constância temática do seu universo e se percebem as interligações entre obra gráfica e literária a partir das suas múltiplas influências: os livros de aventuras, a banda desenhada, os domínios  alternativos da ficção científica, os primeiros contactos determinantes com o modernismo e o surrealismo. Um testemunho eloquente da originalidade de um dos nomes de culto da cultura portuguesa do século XX. E-primatur

Tiago Rebelo

A História do Bichinho-de-conta

Tiago Rebelo, autor de vários romances históricos, como Tempo dos amores perfeitos ou A maldição do Marquês, brinda-nos agora com A história do bichinho-de-conta. Baseada em acontecimentos verídicos, a narrativa remonta a 1768, altura em que Lisboa se tenta reerguer do Terramoto, e dá-nos a conhecer o caráter manipulador e interesseiro do conde de Oeiras e ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo. O ministro, que “tudo decidia com o beneplácito de um soberano fraco e contemporizador” e que ia liquidando os seus inimigos, fingindo que eram inimigos do rei, decide casar o seu segundo filho, José Francisco, de 14 anos, com Isabel Juliana, herdeira de uma grande fortuna. O que o ministro não esperava era que a menina de 14 anos ousasse desafiá-lo. Contra tudo e contra todos, mas consciente do caráter violento do conde de Oeiras, que já havia mandado matar os Távora, entre tantas outras famílias, Isabel Juliana viu-se obrigada a casar, mas nunca se rendeu ou consumou o casamento. Numa cidade demasiado pequena para se esconder segredos, o desprezo com que Isabel Juliana tratava o marido começou a ser comentado na corte, que destratava o ministro pelas costas e, naturalmente, se deliciava com este escândalo. ASA

Georges Vigarello (direção)

História da Virilidade III

A virilitas romana, da qual a palavra virilidade deriva, funde as qualidades sexuais (do marido possante, procriador) com as qualidades psicológicas (do homem ponderado, vigoroso, corajoso e comedido), num ideal de força e vontade, segurança e maturidade, certeza e dominação, autoridade física e moral. Esta obra monumental reflete sobre a transformação do ideal viril nas sociedades ocidentais segundo as culturas e os tempos: os universos sociais, as subculturas, o ambiente urbano ou rural, guerreiro ou letrado. Uma questão deu origem ao presente estudo: a virilidade está em crise nas sociedades contemporâneas? Será ela própria um ideal anacrónico, fechado no passado ou estará a passar por mais um processo de metamorfose em busca de novas identidades? O último de três volumes, dirigido por Georges Vigarello, diretor na École des Hautes Études en Sciences Sociales e autor de inúmeros trabalhos sobre as representações do corpo, questiona se o mito viril se encontra em crise e acompanha as suas variações durante o século XX e XXI. Orfeu Negro