À volta de ‘Mestres e Monstros’

Obras de Pedro Proença na Biblioteca Nacional

À volta de ‘Mestres e Monstros’

A Biblioteca Nacional de Portugal é o lugar perfeito para o artista Pedro Proença celebrar o vasto universo referencial e ficcional de uma obra artística fundada nos livros, nas bibliotecas e assente na prática delirante da heteronímia. Mestres e Monstros está patente até 29 de janeiro.

Pedro Proença encontra na Biblioteca Nacional de Portugal o lugar perfeito para celebrar o vasto universo referencial e ficcional de uma obra artística fundada nos livros, nas bibliotecas e assente na prática delirante da heteronímia. O resultado é uma espécie de “meta-mundo-artístico-literário” revelador da sua criatividade inesgotável, numa multiplicidade de domínios.

O artista acompanhou a Agenda Cultural de Lisboa na visita à exposição Mestres e Monstros e, com um humor contagiante, comentou alguns dos seus trabalhos.

Kasimir no Kashemir

Este é um dos signos do [heterónimo] Jorge Judas, mas têm a ver com uma coisa que já faço desde os anos 1985/86. Uma brincadeira com algumas marotices. Fundam-se em imagens abstratas ligadas à tradição do suprematismo de [Kasimir] Malevich e aos diagramas tântricos. Aliás, chama-se ‘Kasimir no Kashemir’ por causa do tantrismo de Caxemira e do mais filosófico dos grandes autores, Abhinava Gupta. É um trabalho um bocado clandestino na minha obra, mas que tenho vindo a desenvolver de vez em quando, às vezes de cinco em cinco anos, outras vezes mais continuamente ou com saltos maiores. São peças que funcionam como conjuntos e até gostava de as ter exposto em maior número. E são um bocadinho bombons, como uma criança lhes chamou, formas apetecíveis que criam empatia. Algumas são eróticas, mas isso é inevitável.

A Volta ao Mundo em 80 Amores

A Sandralexandra e a Sóniantónia são duas personagens intensas que surgiram como forma de trabalhar a minha vida amorosa interior e de a explorar literariamente. A certa altura tive que inventar obras para elas e surgiram os postais. A Sandralexandra faz uma espécie de “fake mail art” porque as coisas são todas ao contrário: escreve na parte da frente, onde não se deve escrever, está sempre a subverter as regras da comunicação e explora a obra de arte como paixão. A Sóniantónia também tem aqui umas frasezinhas, mas são coisas mais dolorosas. As pessoas divertem-se imenso a ler estes postais e eu a escrevê-los. E a ideia desta volta ao mundo, não em 80 dias mas em 80 amores, é uma ideia de universalidade amorosa.

Pan

O meu pai lia-me, aos seis, sete anos, os mitos. Aos nove anos sabia praticamente tudo sobre o assunto e ficou-me o gosto por estas histórias. Durante o confinamento peguei num texto sobre mitologia que comecei a desenvolver. Depois, na sequência duma exposição que fiz na Galeria Valbom, decidi ironicamente tornar-me num mestre da aguarela. Comecei a trabalhar imenso tendo os mitos como tema central. Fiz muitas naturezas-mortas na tradição dos meus desenhos, que no fundo são objetos que se juntam num palco a teatralizarem-se. Só que aqui aparece a cor e apeteceu-me transportar a escala na aguarela, que geralmente é uma coisa intimista, para algo maior. A cor, que habitualmente na aguarela é ténue, aqui surge quase explosiva e consegue formar os volumes. Os insetos derivam de tradição das naturezas-mortas barrocas, que quase desaparecem naqueles fundos muito cheios. Eu aumentei-os porque quis dar maior enfase à vida que está presente nesta relação entre plantas, objetos e coisas, como algo que faz cócegas. Porque a vida é uma grande coceira!