Os livros de dezembro

Oito livros para ler e partilhar

Os livros de dezembro

Com a chegada do inverno, recolhemos ao calor das nossas casas. Recolhimento que é propício à leitura. No mês do Natal, escolhemos oito livros para ler no canto preferido da sala, ou para oferecer. Aceite estas sugestões ou opte por outras; o mais importante é ler e partilhar bons livros.

José Gardeazabal

Viver feliz Lá Fora

No passado mês de março, José Gardeazabal publicou Quarentena – Uma História de Amor sobre um casal decidido a separar-se, condenando pela pandemia a um regime forçado de intimidade, analisando a sua vivência dentro das quatro paredes de um apartamento e a vida coletiva do “mundo de fora”. O tema da pandemia regressa na sua mais recente obra, um volume poético em cinco líricas (“anunciam-se óbitos em dominó”, “respiramos com medo de respirar”, “somos todos iguais / ninguém queria esta igualdade”). Também aqui explora o contraste entre “dentro” (a humanidade do lado de dentro/ de pé/ encostada a uma porta”), e “fora” (“vou lá fora viver um bocadinho / que aqui faz muito calor / vou a uma parte bonita da Suíça”). Paralelamente, reflete sobre o estado do mundo (“como uma ilha temos naufrágios por todo o lado), o presente (“a nossa civilização parada como Pompeia”) e o futuro (“o futuro a olhar para trás / e a sussurrar-nos / vês? nada”), o mito da eternidade (“a eternidade é uma fábula / só os bichos sobrevivem”) ou a fé na humanidade (“a fé na natureza humana inspirou guilhotinas / mas essa não é razão para não acreditar / acreditemos sem cabeça / alimentemos a fé de baixo”). Relógio D’Água

Henrik Brandão Jönsson

Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa

Henrik Brandão Jönsson, jornalista, correspondente sueco na América Latina, que  vive há 20 anos no Brasil, propõe-se dividir o mundo lusófono de acordo com os sete pecados capitais: “Em Goa, as drogas e a gula tinham uma posição segura. Em Macau, o dinheiro e a avareza dominavam. Na ilha paradisíaca de Timor-Leste, a soberba florescia e a na sensual Moçambique vivia-se a luxúria. Na temperamental Angola crescia a ira e no Brasil espalhava-se a preguiça. Entretanto, a pátria portuguesa sente a inveja de tudo o que criou no exterior mas não conseguiu conquistar em casa”. Num livro de leitura compulsiva, o autor alia os seus vastos conhecimentos da história colonial portuguesa às suas experiências pessoais nestes territórios e, através de vários episódios reveladores, tenta encontrar um fio condutor que, além da língua, ligue os países lusófonos caracterizando, justamente, aquilo que distingue a lusofonia. Uma obra fascinante que nos dá a ver o reverso da nossa identidade: a forma como os “outros” – ex-colonizados, emigrantes e estrangeiros – percecionam o nosso passado colonial e o momento presente. Objectiva   

Mário de Carvalho

De Maneira que é Claro

“Ainda hoje utilizo fórmulas breves que dispensam longos parágrafos, e associo palavras de acordo com os étimos, quer para descortinar, quer para criar sentidos. Também certas construções de frase me incomodam, perturbando uma cadência que trago no ouvido desde então”. Desta forma, Mário de Carvalho sustenta a necessidade do regresso do latim ao ensino secundário. Nestes textos breves com um limite de palavras que o autor se impôs, escritos “ao correr da pena”, surgem muitos outros temas que a memória quis abordar: a infância em Lisboa, as férias, o Liceu Camões, as amizades, o despertar da consciência politica, a faculdade, os movimentos associativos, a prisão ou o exílio. Contudo, estes textos tão evocativos não devem ser entendidos apenas como um profícuo exercício de memória, pois como confessa o autor: “Oxalá nos encontremos caro leitor. No fundo, no fundo – mesmo disfarçando -, é a si que eu busco”. E o encontro é perfeito porque, através da arte do escritor, estas vivências pessoais assumem ressonâncias coletivas. Porto Editora

Ray Bradbury

Crónicas Marcianas

A influência de Ray Bradbury (1920-2012) no universo da ficção científica, como qual é quase sempre identificado, foi profunda. Contudo, o autor transcende o género. A Morte É um Acto Solitário, por exemplo, é um belo romance policial inteiramente dominado pelo peso do passado. Crónicas Marcianas é, a par de Fahrenheit 451, a sua obra mais famosa. Ambas têm por tema o futuro da humanidade, numa perspetiva mais ou menos distópica. O livro é constituído por uma série de pequenas narrativas ordenadas cronologicamente que têm por tema a chegada do Homem a Marte, a sua conquista e colonização do planeta. Um impressivo relato sobre a natureza contraditória do Homem: o seu rasgo heroico e a sua tendência destruidora (“Nós os Homens da terra possuímos um talento especial para arruinar coisas grandes e belas”). Uma obra que adquire profundas repercussões, traçando um paralelo com a trágica história da colonização do continente americano. Por isso, escreve Ray Bradbury nestas Crónicas Marcianas: “A História jamais perdoará a Cortês.” Cavalo de Ferro

Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2021

O Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2013, que se encontrava esgotado, levou os editores a uma reflexão sobre a sua importância e a sua atualização, ultrapassado que ficou perante uma intensa construção na segunda década do século XXI e o acentuado crescimento da atividade turística na cidade e sua região. Assim, surge a segunda edição, revista e atualizada até ao ano de 2021. Seguindo o modelo da primeira edição, divide a cidade em 19 zonas específicas, delimitadas pela geografia, planeamento e fatores históricos que as congregam como tal. Às obras selecionadas para cada zona, aquando da primeira edição, juntam-se cerca de 50 novas entradas, construídas desde essa data até aos dias de hoje, e que espelham novos desafios e ideias a diferentes escalas para a capital. Esta escolha reflete a obra de Arquitetura na sua máxima variedade, desde os espaços exteriores aos interiores, dos espaços públicos aos privados. Para cada exemplo oferecido é fornecida uma informação base e um pequeno texto explicativo/crítico que facilita ao leitor a compreensão da obra. A+A Books

Ana Cássia Rebelo

Babilónia

Na capa do livro a imagem estilizada do Centro Comercial Babilónia, um dos shoppings mais antigos de Portugal, situado na Amadora. O livro de Cássia Rebelo não tem marcos toponímicos precisos, mas para quem viva em Portugal, e sobretudo os que tenham idade aproximada à da autora (n. 1972), apanharão algumas descrições de tipos físicos, ou citações culturais, e até mesmo impressões de uma vivência que sugere suburbanidade, que ajudam a pintar o quadro geral de relativa desolação que está em fundo nestas pequenas narrativas que não ultrapassam as três páginas. Mas o sentido de “babilónia” é mais amplo, e o livro sugere que o mesmo se refira às diferentes vozes de todas as protagonistas que se chamam invariavelmente Aninhas (como a escritora, Ana Cássia Rebelo). O jogo entre autobiografia e ficção é sugestivo; algumas destas Aninhas têm comportamentos que desafiam o conceito de escândalo, e nisso o livro parece procurar um sentido de rebelião que liberte estas mulheres dos condicionalismos do quotidiano. A literatura como reduto de liberdade que só conhece os limites da imaginação. Bookbuilders

Albert Hourani

História dos Povos Árabes

Albert Hourani (1915-1993) deixou uma obra considerável formada por mais de uma centena de ensaios e vários livros inovadores que culminaram na História dos Povos Árabes, publicada em 1991. Nas três décadas seguintes, a história dos árabes foi marcada por acontecimentos que nem ele poderia ter previsto, como os atentados de 11 de Setembro, a invasão americana do Iraque ou o fenómeno da “Primavera Árabe”. A presente edição surge, assim, atualizada por Malise Ruthven, académico, escritor e jornalista anglo-irlandês especializado em estudos religiosos, nomeadamente islâmicos, história cultural e extremismos religiosos, com uma vasta bibliografia publicada sobre o tema. Esta obra monumental tem por objeto a história das regiões de língua árabe do mundo islâmico, desde a ascensão do islão até meados da segunda década do século XX. A obra produz uma síntese magistral das estruturas sociais, económicas e culturais do mundo islâmico, bem como da forma como este evoluiu e se desenvolveu. Como escreve Malise Ruthven: “Os especialistas admirarão este livro pela profundidade da sua erudição, e o leitor comum por tornar tão acessível a história dos árabes.” Bookbuilders

Benji Davies

Floco de neve

Benji Davies, autor, ilustrador e realizador de animação, vive em Londres e estreou-se na literatura para crianças em 2014, com o livro A Baleia, pelo qual recebeu em 2014 o Prémio Oscar’s First Book. Os seus livros falam-nos de amizade, do amor pela natureza e da busca do nosso lugar especial no mundo. É um autor publicado internacionalmente e apreciado pelos leitores de todo o mundo. Floco de neve é uma das suas obras mais recentes, datada de 2020. Bem alto, nas nuvens, nasce um minúsculo floco de neve. Fofo, cristalino e branco, ele saltita e rodopia dentro da nuvem até que começa a cair… Este livro conta a história de uma menina, Noelle, e de um pequeno floco de neve – ambos ansiando por algo e em busca do seu lugar especial no mundo. Floco de neve é uma narrativa de Natal sobre a magia dos encontros inesperados, brilhantemente contada e ilustrada por Benji Davies, singular criador de álbuns ilustrados. Orfeu Negro