Mallu Magalhães

“Lisboa é uma cidade muito cosmopolita, com referências que influenciam as minhas ideias”

Mallu Magalhães

Em 2018, Mallu Magalhães deu o seu último concerto em Lisboa antes da pandemia, no Coliseu dos Recreios. Entretanto, o mundo ficou virado do avesso, e a artista brasileira, que tinha um novo disco para lançar, acabou por - como todos nós - ficar com a vida em suspenso. O álbum Esperança vai, finalmente, subir a palco dia 3 de dezembro, no Campo Pequeno.

Esperança é o sucessor de Vem (2017). Qual é a mensagem deste novo disco?

Este disco tem um conceito e um tom muito natural e calmo. Embora tenha canções mais intensas, é o retrato de uma nova maneira de conduzir as coisas. Tenho tentado levar as coisas de uma forma mais natural e tranquila e penso que este álbum reflete isso.

O título pretende ser uma mensagem para os tempos que vivemos?

Na verdade, o álbum ficou pronto no final de 2019 e era suposto ser lançado entre janeiro e fevereiro de 2020. Entretanto surgiu a pandemia e lançar o álbum deixou de fazer sentido, ainda mais com o título que tinha, Felicidade. É um disco muito solar, mesmo a capa original, dourada, não fazia sentido tendo em conta as circunstâncias. Passei o confinamento dedicada à rotina possível, enfrentando as perdas e a gerir uma criança, e percebi que não era a altura de lançar o disco. Depois de um ano e tal, decidi voltar a pensar sobre isso e percebi que o álbum já não era o que tinha pensado originalmente. Já tinha mudado, mesmo sem ter sido lançado. Senti que tinha uma energia muito forte de esperança–que acaba por ser uma energia irmã da felicidade – e que estava mais de acordo com o momento que estamos a viver. Dar-lhe este nome evoca e intensifica ainda mais o seu significado. Também se alterou a capa, é azul – cor da calma e também cor da vida, do mar, do céu…

O confinamento serviu para escrever novas canções?

Tenho uma criança pequena, que me consumia grande parte do tempo, e foi muito complexo ter de lidar com a rotina da escola online. Depois também tive de ir ao Brasil para lidar com algumas perdas de amigos e familiares. Foi um ano muito difícil, não houve tempo para compor, mas acho que a composição vai nascendo dentro da minha cabeça. O ato de compor é colher. Mesmo que eu não esteja a compor, a minha cabeça está. As plantinhas vão nascendo, e quando preciso tirar alguma coisa eu vejo o que é que tem lá dentro [risos].

O disco tem participação de Preta Gil (Deixa Menina) e Nelson Motta (Barcelona). Como surgiram estas parcerias?

Nunca tinha convidado ninguém para participar num disco meu. Desta vez, numa conversa com o Marcelo [Camelo –músico e marido de Mallu] comentei que, sempre que canto esta música [Deixa Menina], na minha cabeça é a Preta Gil que a canta. Admiro-a há muitos anos enquanto mulher, cantora e artista, e ouvia sempre a voz dela na minha cabeça a cantar esta canção. Então ele sugeriu que a convidasse para cantar comigo, nunca me tinha ocorrido tal coisa [risos]!Ela aceitou logo, fiquei toda orgulhosa. Depois, no estúdio, quando estava a gravar Barcelona, sobrou um momento instrumental. Imaginei logo o Nelson a narrar qualquer coisa daquele jeito muito particular dele. Desta vez, já tinha aprendido que é possível pedir à pessoa para colaborar [risos]. Curiosamente, quando lhe mandei mensagem a fazer o convite, ele respondeu a dizer que estava em Lisboa. Foi ao estúdio e fizemos o dueto, foi ótimo.

Abriu-se uma porta para futuras colaborações?

Sem dúvida, achei divertidíssimo!

“A minha filha dá-me referências que depois ficam nas canções, faz-me ter um tom mais alegre e mais construtivo”.

Deixa Menina fala sobre a sua filha. A maternidade alterou a sua forma de compor?

A presença de um filho muda completamente a nossa vida, passamos a ter outras prioridades. Por mais cansaço que sinta, também tenho mais energia e quero sempre mais do mundo e mais de mim. Ela é uma motivação muito grande. Dá-me referências que depois ficam nas canções, há uma série de vivências que surgem pela presença dela. Acho também que existe um tom mais alegre e construtivo. Faço o melhor por ser uma boa mãe e isso repercute-se positivamente noutras áreas da minha vida. Tê-la na minha vida fez com que a composição ficasse mais alegre, positiva, construtiva e dançante. A minha vida melhorou com ela, por isso as minhas músicas ficaram melhores.

O disco tem também canções em espanhol e inglês. De onde vem essa preferência?

Quando era criança, já adorava cantar e gostava muito de Johnny Cash e Bob Dylan. Aprendi as músicas e cantava para os adultos e reparei que, quando cantava em inglês, ficavam muito mais impressionados. Nas férias, quando tocava na rua, também percebi que as pessoas me davam muitas moedas se eu cantasse em inglês. Então comecei a cantar e a compor em inglês… Quando comecei a tocar profissionalmente fi-lo em português, para poder comunicar melhor com o público. O espanhol acho muito elegante, então comecei a cantar em espanhol só para ser chique [risos].

De que forma Lisboa influencia a sua musicalidade?

Lisboa é uma cidade muito cosmopolita. No Cais do Sodré, por exemplo, há escolas de design, o Mercado da Ribeira, restaurantes… tudo isso são referências que vêm de vários lugares do mundo. As pessoas vestem-se de forma inovadora, dizem coisas interessantes, há sempre música nova para descobrir. Estas novas referências influenciam totalmente as minhas ideias. O meu dia-a-dia é muito dinâmico aqui. Como vivo no centro da cidade, reclamo do movimento, mas gosto dele, e isso influencia a minha música. Gosto muito da calma, mas acho que prefiro o movimento.

Existe uma forte comunidade musical brasileira em Lisboa. Isso ajuda a matar as saudades do Brasil?

Sem dúvida. Tenho uma amiga que tem um bar na Voz do Operário, o Samambaia. Ir lá é como viajar até ao Brasil em cinco minutos. Há música brasileira, samba, forró, pão de queijo… há muita vida cultural brasileira em Lisboa, o que também me faz sentir em casa.

A saudade dos palcos é muita?

Quando dei o primeiro concerto da tournée, em Guimarães, a sensação que tive quando comecei a cantar foi de descontrolo. Nestes momentos a entrega tem de ser superior ao trabalho que faço no dia-a-dia. Tem de ser uma entrega emocional e intelectual. Nesse concerto, senti que havia uma força que não controlava. Como se eu estivesse ao serviço de uma entidade maior.

Já há material para um futuro disco?

Tenho muitas ideias para o próximo álbum, estou doida para começar. Neste momento estou muito ocupada com a tournée, por isso não me consigo dedicar já a esse projeto, mas assim que as coisas acalmarem, talvez no início do ano que vem eu consiga começar a compor e – quem sabe -lá para meio do ano que vem começo a gravar.