Três cidades a provar que somos humanos

Lisboa, Almada e Faro recebem a BoCA

Três cidades a provar que somos humanos

Na sua terceira edição, a Bienal de Artes Contemporâneas/Biennial of Contemporary Arts (BoCA) apresenta obras de dezenas de criadores nacionais e estrangeiros, onde se incluem nomes como Pedro Costa, Gus Van Sant, Mónica Calle, Grada Kilomba, Capicua, Romeo Castellucci ou Alice Ripoll. Sob o lema Prove You Are Human, o festival dirigido por John Romão começa a 3 de setembro e distribui a programação por Lisboa, Almada e Faro.

Criar “um lugar de amor” para reivindicar aquilo que é humano, num tempo de desumanização, ainda mais acelerada por uma pandemia. Este é o propósito da terceira edição da BoCA, que começa em Lisboa, Almada e Faro, no início de setembro, prolongando-se até 17 de outubro.

Mais do que um festival, neste ano de 2021, a BoCA procura, nas palavras do diretor artístico John Romão, manter “viva a sua missão no apoio a novas linguagens, privilegiando os espaços ‘entre’ – por exemplo, entre o performativo e o visual –, novas comissões a artistas portugueses e estrangeiros, no diálogo trans (por isso, transgénero em todas as suas significações) implementando projetos que propõem uma nova consciência e modelos entre práticas artísticas e sustentabilidade.”

Objetivo a concretizar através de projetos artísticos assinados por dezenas de criadores notáveis que procuram olhar o mundo e questionar narrativas estabelecidas. E, tendo em consideração “uma programação que combina diferentes ritmos de projetos e de relações com artistas e instituições, apoiando-se numa transição de processos de produção e de criação, integrados, plurais e sustentáveis”, a bienal reforça a presença de “projetos de curta duração que reforçam o compromisso artístico e ético com artistas e estruturas de produção, criações que se prolongam no tempo e no espaço por meio de maior compromisso face à curta efemeridade do teatral e do performativo, relações sustentáveis e a longo prazo com artistas e projetos, aprofundamento de reflexões e processos de longa duração que combinam performatividade, visualidade, ativismo e neurociência, um foco na relação direta e representatividade de comunidades locais, artísticas, associativas e de setores diversos, cuja participação ativa é implicada no desenvolvimento criativo de projetos para também iniciar um ecossistema inter-relacional entre arte, sustentabilidade e ciência através do projeto A Defesa da Natureza.”

Este último propósito será desenvolvido naquele que é um projeto a dez anos, o qual, numa primeira etapa, se propõe, até dezembro deste ano, a patrocinar a plantação de sete mil árvores de espécies autóctones, através da vontade de 7.000 artistas/cidadãos. Do ponto de vista artístico, este projeto inclui já nesta edição uma série de ações performativas em espaços naturais das três cidades de acolhimento intitulada Quero Ver as Minhas Montanhas. Com curadoria de Delfim Sardo e Sílvia Gomes, as diversas performances são protagonizadas por artistas como Sara Bichão, Diana Policarpo, Dayana Lucas, Gustavo Sumpta, Gustavo Ciríaco, Musa Paradisiaca e o coletivo Berru.

A programação lisboeta

Como vem sendo habitual, a BoCA não se fixa em Lisboa, e se nas edições anteriores se “descentralizou” a cidades do norte do país, este ano atravessa o Tejo, instala-se em Almada, e ruma a sul, até ao Algarve, à cidade de Faro.

A alemã Anne Imhof apresenta Untitled (Wave), na Capela das Albertas do Museu Nacional de Arte Antiga.

Pela capital, o arranque da bienal começa com a primeira instalação de grande escala de Grada Kilomba, que se estende junto ao rio por 32 metros de comprimento, na Praça do Carvão do MAAT. O Barco/The Boat propõe lançar “uma nova narrativa coletiva nesse mesmo espaço público, construída a partir da história da desumanização, da violência e do genocídio dos povos africanos e indígenas.”

Entretanto, no Museu Nacional de Arte Antiga, a artista alemã Anne Imhof apresenta a vídeo-instalação Untitled (Wave) na Capela das Albertas, local anteriormente habitado apenas por mulheres em reclusão; e no Palácio Pimenta, a rapper Capicua estreia-se enquanto autora de teatro e dirige o ator Tiago Barbosa em A Tralha, “uma dissertação emocional que parte da história de um homem que fica sozinho, nos longos meses de confinamento, rodeado de matéria inerte, entulho e recordações.”

A propósito de estreias no teatro, a BoCA trouxe para Lisboa o consagrado cineasta norte-americano Gus Van Sant, que apresenta, a partir de 23 de setembro, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, a sua primeira criação de palco com uma equipa artística totalmente portuguesa. Andy é um musical que “reconstrói o passado de um Andy Warhol em início de carreira, através de uma narrativa ficcional construída a partir de factos reais e de memórias, mas também da imaginação.”

O cineasta norte-americano Gus Van Sant estreia em Lisboa um musical sobre Andy Warhol ©Bruno Simão

Lisboa vai ainda ser “palco” de O Terceiro Reich, uma vídeo-instalação performativa daquele que é um dos maiores nomes do teatro europeu, o italiano Romeo Castellucci (Museu Nacional dos Coches, a 9 e 10 de setembro); da performance/instalação Overlapses, Riddles & Spells, de Andreia Santana (CCB, 9 a 12 de setembro); dos vídeos oníricos da polaca Agnieszka Polska presentes em The New Sun (Reserva da Patriarcal, de 13 de setembro a 17 de outubro) – ela que também estará na Casa da Cerca, em Almada com uma outra instalação vídeo, I Am the Mouth; ou de Passages, projeto nómada do coreógrafo Noé Soulier, que explora a relação entre o movimento dos corpos e dos lugares onde estes inscrevem as suas ações, sendo que, em Lisboa, acontece nas salas do Museu Nacional de Arte Antiga (17 e 18 de setembro), estabelecendo um diálogo entre os bailarinos e os objetos escultóricos.

Outro dos grandes destaques desta BoCA é o projeto assinado pelo cineasta Pedro Costa com os Músicos do Tejo. As Filhas do Fogo junta cinema, música e teatro para contar a saga de três jovens irmãs cabo-verdianas que, chegadas a um porto europeu, depois de mais uma erupção devastadora do vulcão do Fogo, vão deambulando, de mãos dadas, evocando os seus medos secretos através da música e do canto. Este ansiado espetáculo é apresentado no Capitólio, a 17 e 18 de setembro.

Na programação lisboeta refiram-se ainda projetos de duplas como António Poppe e La Familia Gitana, Tânia Carvalho e Matthieu Ehrlacher, Gabriel Ferrandini e Hugo Canoilas, Joana Castro e Maurícia Neves; as performances duracionais de Miles Greenberg ou de Carlos Azeredo Mesquita; e ainda dois filmes inéditos do nova-iorquino Khalik Allah. A programação integral para as três cidades BoCA pode ser consultada aqui.