Príncipe

"Não é suposto 'Lugares de Memória' ser um disco extremamente conceptual"

Príncipe

Príncipe é o nome artístico de Sebastião Macedo. Um autêntico one man band, que compõe, interpreta, produz e toca vários instrumentos. Em junho, o músico lançou o segundo disco, Lugares de Memória, que apresenta no Time Out Market (Mercado da Ribeira) a 22 de julho.

Entraste em contacto com a música muito cedo. Isso influenciou o teu percurso artístico?

Sempre tive essa queda para a música, mas também para outras áreas. Nunca assumi que poderia viver exclusivamente da música – embora o desejasse – mas, por alguma razão – talvez pelas pessoas que me rodeavam – sempre fui empurrado para outros caminhos, mas que, de alguma forma, funcionavam como alibis para poder continuar a trabalhar na música. Olhando para trás, a música sempre esteve muito presente na minha vida. Lembro-me que ia para aulas e estava sempre a pensar em música e a compor. Creio que sim, que o facto de ter tido contacto muito cedo com o universo musical influenciou esta minha vontade.

Porquê este nome artístico?

Um dia, um amigo meu sugeriu – devido ao meu ar nórdico – o nome Príncipe Sueco. Para além disso, eu tinha um grande fascínio pela lenda do D. Sebastião e por todo o mistério e teorias que a envolvem (de tal forma que comecei a investigar mais sobre esse assunto). Surgiu essa sugestão e acabei por optar por um nome mais simples – Príncipe. Mais tarde comecei a analisar a etimologia da palavra e pareceu-me interessante. ‘Príncipe’ vem da palavra ‘principio’, promessa…

Para além de dares voz às canções que escreves, tocas piano, flauta, trompete, percussões, baixo, entre outros instrumentos. Como é que se consegue gerir tudo isto?

Basicamente com muita persistência. Um deles – o trompete – até aprendi especificamente para este álbum. Tenho curiosidade por muita coisa. Tecnicamente, as músicas têm várias camadas. Penso logo em tudo, nas texturas que gostava que a música tivesse, mas depois vou por camadas: começo pela estrutura, pego no instrumento que acho que faz sentido e vou perceber onde é que ele se encaixa melhor e depois gravo. Depois faço o mesmo com os outros instrumentos, é uma questão de ir gerindo prioridades.

Há algum que gostes mais de tocar?

Gostava muito de dominar o trompete, mas comecei há pouco tempo. Só aprendi para poder incluir no disco e consegui aprender o suficiente para tocar aquilo que era necessário…  A bateria é talvez um instrumento mais livre, mas gosto muito de todos.

E qual é o conceito deste disco? O processo de trabalho foi diferente do primeiro?

Sim, foi diferente. Este disco tem muitos conceitos no seu interior. Não é suposto ser um disco extremamente conceptual. Comecei por uma coisa pequena, que era captar a sensação de que as coisas não são estáticas, estão sempre a mudar à nossa volta. Nós tentamos pôr contornos, mas na verdade as coisas estão todas fundidas e estão constantemente a chegar-se uma à frente, depois outra e depois outra ainda… Eu quis captar essa sensação de diálogo que não tem propriamente um corpo mas, ao mesmo tempo, está dentro de alguma coisa. Parti daí, dessa sensação de que está tudo a mover-se livremente (mas que ao mesmo tem um centro, um lado íntimo que não é fixo nem palpável). À medida que se vai tornando mais real, vai sendo necessário pôr sensações e projeções reais… daí parti para milhares de outros significados. Cada música tem o seu significado distinto.

“Gosto do desafio de me reduzir ao essencial e fazer com que as coisas funcionem”

 

O disco chama-se Lugares de Memória. Qual é a mensagem por trás deste título?

Estava a passear pelo interior-norte do país e vi uma placa com essa expressão. Pareceu-me um conceito interessante, por isso fui investigar. Descobri que havia ali um conceito histórico moderno, que surgiu nos anos 80 e que basicamente procurava registar os momentos históricos simplesmente simbólicos. Por exemplo, ‘um minuto de silêncio’ é um lugar de memória porque as pessoas habitam-no, estão num espaço físico, e estão a exercer alguma coisa que passa através do tempo. Este conceito pareceu-me que se identificava perfeitamente com a ideia que pretendia pôr em cada música: algo simbólico e universal, mas ao mesmo tempo coabitável e muito pessoal.

Como funciona o teu processo de composição, o que te inspira?

Acontece de formas muito diferentes, não há um método fixo. Raramente surge de forma forçada. Normalmente estou a tocar e surge-me uma ideia, ou vou a andar pela rua e lembro-me de alguma coisa interessante. Parte sempre de algo espontâneo. Às vezes, quando as coisas surgem, não sabemos bem por que razão surgem, ou para onde vão. Quando tenho uma ideia mais concreta do que quero explorar ou transmitir num tema, aí vou ao meu arquivo de ideias e percebo que comecei aquela música sem saber. Pego nessa ideia e tento fundi-la com a canção que estou a criar.

O disco conta com a participação do guitarrista Bernardo Couto. Como surgiu a ideia de ter a guitarra portuguesa neste disco?

Precisava de um elemento que tivesse o máximo de espectro possível, para não ter a presença de muitos instrumentos. Gosto de me reduzir ao essencial e fazer com que as coisas funcionem, gosto desse desafio. Precisava de um som que fosse próximo, mas ao mesmo tempo imprevisível, que deslizasse. A guitarra portuguesa pareceu-me o instrumento mais vivo, com todas estas características… além disso, tem uma sonoridade de que gosto bastante. Tem o seu peso histórico e não tem sido muito utilizada fora desse contexto.

Dia 22 apresentas este disco no Time Out Market. Como vai ser apresentar um disco em plena pandemia?

Vai ser um concerto mais de aquecimento, porque já não toco ao vivo há muito tempo e o espaço também não é propício a um grande concerto porque o som é muito difuso. Vai ser reduzido ao mínimo de elementos possível: piano e viola da terra [instrumento típico dos Açores]. Vamos tentar fazer isto resultar com uma base rítmica atípica, mas ainda estou a pensar nisso. À partida terá este carácter mais minimalista e intimista, mas será intenso na mesma.

Que efeito teve a pandemia no teu trabalho?

Quando a pandemia surgiu, eu tinha tido uns meses muito difíceis, porque estive doente, fui operado e não conseguia cantar. Estava a meio do processo de gravação quando tive este percalço. Nesse sentido foi bom, porque consegui acabar com calma tudo o que me faltava compor. No entanto, sempre que tinha de ir a estúdio era chato porque tornou-se mais difícil marcar e agendar datas, com muitos tempos de espera. É sempre um pouco castrador porque quando queremos criar novas coisas não temos aquela ignição de sair à rua e as coisas acontecerem espontaneamente, tem de ser tudo muito mais calculado, o que afeta automaticamente a criatividade e exige novos caminhos.