Catarina Sobral

"Os livros ditos para crianças são, na verdade, os únicos objetos artísticos para todos"

Catarina Sobral

Autora e ilustradora premiada, com incursões no cinema de animação, os seus trabalhos são presença regular em diversas edições. Apaixonada por desenvolver narrativas visuais, Catarina Sobral leva, a partir de 2 de maio, ao palco do LU.CA - Teatro Luís de Camões, o espetáculo Impossível.

Antes de mais, a pergunta que se impõe: como é trabalhar maioritariamente para o público mais novo? É preciso algum cuidado especial?

É preciso, antes de tudo, não o infantilizar. Digo muitas vezes que os livros/objetos ditos para crianças/jovens não são só para adultos. São, na verdade, os únicos objetos artísticos que são para todos. Se um livro ou um espetáculo não for bom para um adulto, for simplista ou estereotipado, também não o vamos oferecer a uma criança, pois não? Para mim é importante que os livros ou o espetáculo abram portas: que gerem perguntas, a descoberta de uma palavra nova, de uma referência a uma obra de arte, etc. Se esses objetos não acabarem quando se fecha a contracapa ou se sai do teatro, tanto melhor. Simultaneamente, desenhar e escrever para crianças (ou para todos) é, a meu ver, um processo de síntese: de eliminação do acessório, de redução ao fundamental. Não só porque o leitor ou espetador é mais selvagem e observa o objeto artístico a partir de um lugar de maior essência, mas também de maior liberdade. E ao ser sintética abro espaço à interpretação e à criatividade do leitor/espetador. É, por isso também, a criação de um lugar permeável, não prescritivo e que nasce, geralmente, das emoções.

Basta folhear os seus livros para perceber que usa muitas técnicas de ilustração diferentes. Qual a sua preferida e porquê?

Gosto mais de materiais riscadores: lápis, marcadores, lápis de cera. Prefiro o traço ao pincel, em geral, e quando uso tintas normalmente é para criar texturas dentro de formas definidas a tesoura (como no Vazio, por exemplo) ou a x-ato (como no livro O Meu Avô).

Qual a maior fonte de inspiração para o seu trabalho?

Outros objetos artísticos e outros autores. Normalmente, as interpretações da realidade ou as ficções inspiram-me mais do que a realidade. Normalmente, mas há exceções. O Impossível, por exemplo, é uma história verídica.

O que mudou no seu trabalho – e em si – com a atribuição do prémio da Feira de Bolonha em 2014?

Na verdade não sei. Se me deu mais confiança no meu trabalho e mais reconhecimento foi durante um período alargado. No livro que publiquei imediatamente depois (A Sereia e os Gigantes) senti muito medo de falhar, mais do que antes. Agora sinto que o métier é mais fácil, não tem tantos segredos e não é quase exclusivamente resultado da intuição. Mas se isso acabaria por surgir naturalmente com o tempo, nunca saberei.

Impossível, Orfeu Negro, 2018

 

Este mês, volta a apresentar no LU.CA o espetáculo Impossível, baseado num dos seus livros. Como descreve este livro?

O Impossível é um livro de não-ficção que conta, como se fosse uma narrativa de ficção, a história do Universo, desde o Big Bang até ao aparecimento do Homem. Por ser uma história muito improvável e fruto de um evento singular, de um desvio ou rutura com o pré-existente, não é muito diferente de outras histórias que já inventei (penso no Greve ou no Achimpa, por exemplo). Talvez por isso me tenha atraído tanto a ideia de tentar explicá-la. Embora seja astrofísica, é astrofísica para crianças e por isso serve-se de algumas metáforas e brincadeiras para que os factos científicos pareçam (ainda) mais divertidos.

Como se deu o salto das páginas para o palco?

Na verdade, o salto foi ao contrário. Primeiro, fui convidada a criar o espetáculo e mais tarde fiz a adaptação do Impossível para livro. Há poucas diferenças entre os dois objetos em termos de texto e figuração, mas são muito distintos nas cores e nos materiais que escolhi para ilustrar cada um. Acima de tudo, porque a técnica de projeção que utilizo no espetáculo implicou que trabalhasse com transparências e com figuras passíveis de serem recortadas (cada elemento das ilustrações é um objeto que entra e sai do plano de projeção). As formas são por isso mais planas e geométricas, sem texturas ou modelação nas ilustrações do Impossível de palco. No livro, por outro lado, falta a quarta dimensão, falta a música, a voz da Madalena, a relação que nós os três – eu, a Madalena e o Kent – estabelecemos no espaço cénico. E isso foi, de certa forma, colmatado com a utilização de formas, composições e cores mais livres, mais exuberantes, até mais rítmicas. O texto do livro também tem outra duração: podemos ficar o tempo que quisermos numa página do livro. Já em palco, o tempo é outro: a mesma frase que está escrita no livro é dita num período limitado. E essa diferença também teve de ser tida em conta na transposição do espetáculo para o formato do livro.

O que se pode esperar deste espetáculo?

Trinta minutos de astrofísica com recurso a crocodilos, aparas de lápis, uma lupa gigante e um jingle sobre o Big Bang, lá pelo meio. Espero que seja divertido antes de ser instrutivo. Aliás, espero que seja muitas coisas antes de ser instrutivo: intrigante, questionador, cómico. Se as crianças saírem do teatro contentes, a saber que existem partículas, a missão está cumprida.

Agora a pergunta ingrata: de todos os livros que escreveu e ilustrou, qual o seu preferido?

O Impossível, claro.

Que outro autor gostaria particularmente de ilustrar?

O Julio Cortázar. Gostava até de adaptar uma história dele para cinema de animação.