Mónica Calle continua a construir a utopia

"Carta" no palco do Teatro Nacional D. Maria II

Mónica Calle continua a construir a utopia

Uma antestreia dupla, a 12 e 13 de janeiro, como ato de resistência. Carta tinha estreia marcada para dia 14 mas, antecipando o encerramento quase certo das salas de espetáculos, Mónica Calle e a sua extensa equipa de atrizes e instrumentistas sobem ao palco da Sala Garrett, do Teatro Nacional D. Maria II, para apresentar a nova criação, que faz parte de um work in progress iniciado há sete anos, sucessora do aclamado Ensaio Para Uma Cartografia.

Como preâmbulo ao espetáculo, Mónica Calle, rodeada das mais de três dezenas de atrizes e instrumentistas que integram o elenco de Carta, dirige-se ao público para caracterizar o que se sucederá como um ato de “fraternidade, resistência, superação e fé”. Qualquer palavra proferida durante aqueles breves minutos soará, certamente, ainda mais à flor da pele, quando se percebe que estamos a dias de um novo confinamento e que as portas dos teatros voltarão a fechar-se ao público.

É uma antestreia dupla para um espetáculo que já se debateu com as circunstâncias do tempo que vivemos. Muitas pessoas, muito risco e ensaios perturbados por casos de Covid-19 que afetaram o desenrolar dos trabalhos, como confidencia a atriz e encenadora. Mas Carta, vai ter  direito a mostrar-se ao público em duas noites, enquanto não puder cumprir o número de récitas previstas pela temporada do Teatro Nacional D. Maria II. Acontecem a 12 e 13 de janeiro, às 19 horas, na Sala Garrett, naquela que é a primeira vez que uma criação de Mónica Calle pisa aquele histórico palco de Lisboa.

Carta é uma nova etapa de um processo iniciado há sete anos, ainda no Cais do Sodré, na sala da Casa Conveniente, na Rua Nova do Carvalho. Sucede a Ensaio para uma cartografia, um dos trabalhos mais aclamados da atriz e encenadora, que estreou há quase três anos na Sala Estúdio deste mesmo Teatro, e que, desde então, se apresentou em diversas salas do país e da Europa.

Agora, à “família” de atrizes que Calle reuniu ao longo dos anos, juntam-se 16 instrumentistas profissionais para dar continuidade a um ritual de teatro, música e dança clássica, onde o corpo se torna lugar de “questionamento perante as suas limitações e as suas capacidades de superação”. Atente-se que este “processo” se inicia com um conjunto de atrizes que, sem formação em música nem em dança clássica, se desafiam individual e coletivamente no movimento do bailado clássico e na execução de trechos de peças clássicas.

Por isso, como “sombra” de Calle no processo criativo de Carta está o maestro Martim Sousa Tavares, que considera este “trabalho como uma experiência única de aprendizagem incessante”. Cabe-lhe fazer a direção musical do espetáculo, “retirando do pedestal andamentos da Sétima Sinfonia de Beethoven e desconstruindo-os em trechos”, que ora são executados pelas instrumentistas, ora pelas atrizes, ou por todo o coletivo, nomeadamente com “a introdução de um novo instrumento”: a voz.

Tal como Ensaio, Carta é, como diz a encenadora, “um lugar de utopia e de afirmação onde só podemos existir enquanto indivíduos na ligação com os outros”. É este o combustível da cartografia que Mónica Calle vem construindo e que parece ganhar uma dimensão ainda mais esmagadora quando o espetáculo subir ao palco, a tão poucos dias de artistas e espectadores voltarem a estar separados. Outra vez.