Señoritas

'As saudades que eu não tenho' ao vivo

Señoritas

Mitó e Sandra Baptista não são propriamente novatas no mundo da música. Os seus caminhos cruzaram-se n’A Naifa, grupo que nasceu em 2004 e que partilhavam com João Aguardela, Luís Varatojo e Samuel Palitos. Há quatro anos, A Naifa dissolveu-se, mas a amizade continuou. Sem nada o fazer prever, as afinidades musicais de Sandra e Mitó levaram à criação das Señoritas. O segundo álbum foi lançado dia 5 de maio, e é apresentado ao vivo dia 24 deste mês, no Lux.

A Naifa terminou em 2014. Passados dois anos, nasceram as Señoritas. Era algo em que já tinham pensado?

Mitó: A ideia nunca surgiu, foi algo que aconteceu. A Naifa acabou, mas nós continuámos a ser amigas e a encontrar-nos em almoçaradas. Primeiro nem pegámos nos instrumentos, não estávamos numa de fazer música, mas depois veio o bom tempo e os dias ensolarados, e a piscina da Sandra fica perto do estúdio [risos]. Um dia, ela mostrou-me umA letra que tinha feito (eu nem sabia que ela escrevia) e eu disse: “Sandra, isto é uma música!”. Fomos então para o estúdio, e a coisa fluiu.

Sandra Baptista: Foi aí que surgiu o vício de, as duas, começarmos a criar. Começámos a sentir a adrenalina, porque isto nos surpreendeu, mas sempre sem intenção de nada. Depois, por culpa de amigos, que nos foram empurrando e encorajando, começámos a pensar em gravar as músicas que andávamos a fazer. Posteriormente veio a necessidade de as partilhar com o público. Quando A Naifa acabou, sentimos necessidade de fazer uma paragem, e nesse momento não imaginava que um dia voltaria à música. Tinha-me divorciado da música, como já tinha acontecido quando Os Sitiados acabaram. Entretanto o João (Aguardela) convidou-me para integrar Megafone, e depois aconteceu o mesmo processo até ir parar à Naifa… A minha relação com a música é de casamento/divórcio constante.

Mitó: Também aconteceu o mesmo comigo. Só voltei a fazer música porque isto que estou a fazer com a Sandra encaixou muito bem comigo. Usando um chavão, “é a minha cara”. Se de hoje para amanhã alguém me convidasse para integrar outro projeto, tenho a certeza que diria não. Não tenho tempo emocional para me dedicar a mais nada. Estou dedicada a isto porque é o que faz sentido para mim.

O processo de composição aqui é muito diferente d’A Naifa, com letras da autoria da Sandra. Como surgiu esta vontade de compor?

SB: Sempre fui instrumentista. Em Sitiados e Megafone compunha as ‘malhas’ de acordeão. N’A Naifa simplesmente traduzia o que o João criava com o baixo. Nunca tinha escrito, isto é um papel completamente novo para mim, daí ser o meu projeto mais íntimo. Mostra a nossa intimidade toda, estamos completamente despidas… As letras são apenas palavras que estão no papel. Depois há um passo importantíssimo, que é a vida que a Mitó lhes dá com a voz, dando corpo a essas palavras.

 

 

Não têm medo de estar a expor demasiado a vossa intimidade?

M: Não, porque as letras não são autobiográficas. Quem presta atenção às letras percebe que estamos a dizer coisas de grande profundidade, e com certeza que muitas pessoas encaixam uma série de problemáticas a que damos corpo e voz, mas não são necessariamente coisas pelas quais tenhamos passado. Nalguns casos passámos, mas como assistentes de pessoas próximas.

O facto de ser um projeto de duas mulheres dá-vos mais liberdade para fazer o que quiserem? Se houvesse um homem neste projeto, seria diferente?

SB: Acho que não, desde que sejamos nós a comandar o barco. Temos a liberdade de fazer o que nos der na real gana, e também de convidar quem quer que seja. Não é por ser uma banda chamada Señoritas que não pode haver um Señorito [risos].

M: O projeto parece feminino porque a Sandra é mulher e escreve no feminino, e porque é uma voz feminina a cantar as letras, mas, se atentarmos bem, as letras falam de problemáticas da humanidade. Não é nada muito específico do universo feminino. Talvez dê essa ideia pelo nome que escolhemos, Señoritas, roubado a uma música d’A Naifa.

Ao vivo estão as duas em palco, sem mais instrumentistas. Isso é um desafio?
SB: A ideia aqui é provocar ao público algum desconforto. A partir do momento em que tens apenas duas pessoas em cima do palco, as coisas são altamente intimistas, e não estamos a tocar para uma multidão, mas sim para aquela pessoa em específico, e tentamos chegar a cada uma. Há aqui uma voltinha desconfortável entre nós e o público que se traduz numa união muito específica. Naquela hora estamos todos ali, naquele ambiente. Há pessoas que conseguem entrar neste universo e outras que nem por isso. É para essas pessoas, as 3, 4 ou 5 que entram nesse universo tão imperfeitamente perfeito, que estamos a tocar.

Lançaram agora o segundo disco, As saudades que eu não tenho. Falem-me sobre este novo projeto. Vem na mesma linha do primeiro?
M: A inspiração é sempre a mesma: as pessoas e a vida.

SB: O método de criação foi o mesmo, mas a elaboração foi ligeiramente diferente. Enquanto que o outro disco funcionava como um todo, ou seja, as músicas faziam ligação direta umas com as outras, neste cada música é quase uma família, é uma casa diferente. O Enlouqueci é uma casa de loucos, há uma outra casa que fala do que a religião pode provocar nas pessoas, Bomba-Relógio, há ainda outra casa que fala da mulher só, ou seja, todas elas são muito distintas. Cada música funciona por ela própria. Mesmo a nível sonoro isso acontece. Por exemplo o Rato não tem nada a ver com nenhuma das outras músicas do disco.

Isso foi intencional?
SB: Sim foi, na medida em que nos quisemos dedicar inteiramente a cada uma das músicas.

M: Sem querer parecer pretensiosa, acho que as obras de arte são um bocadinho o espelho do artista naquele momento. Passaram dois anos desde o primeiro disco, por isso é natural que aquilo que mudámos enquanto ‘criadoras’ e mulheres se tenha espelhado no que criámos agora. Se estivermos estagnadas nos próximos dois anos e na altura lançarmos um álbum, então, se calhar, esse álbum será muito parecido com este.

Compõem, tocam produzem, realizam… Não sentem necessidade de incluir mais elementos no vosso projeto?
M: Quando houver essa necessidade então assim faremos. Por exemplo, este disco contou com a colaboração do Samuel [Palitos]… Ou seja, somos altamente flexíveis. No dia em que quisermos ter mais alguém, chamamos.

SB: Temos que nos surpreender. Acho que essa é a essência deste projeto. No momento em que isso deixar de acontecer, então podemos chamar mais alguém, podemos fazer essa experiência de explorar outros caminhos.

 

 

Este projeto teria sido possível há 10 anos ou, pelo contrário, requer uma certa maturidade e experiência de vida?
SB: Nem pensar nisso! Este projeto tem de ser com duas velhas [risos], duas mulheres nos quarentas, tem que existir essa maturidade, porque isto requer essa maturidade a nível de letra e de intenção. E tem de ter lata, também…

M: E despojo. Estamos aqui completamente despojadas de tudo. Não tenho nenhum problema em demonstrar, perante toda a gente, que não sou um génio na guitarra. Toco o suficiente para fazer isto, não ando a tentar disfarçar nada. A Sandra, desde que a conheço já lá vão muitos anos, nem sequer o Parabéns a você cantava. Aqui canta, faz vozes. Ou seja, nós despojamo-nos completamente de determinadas coisas. Se tivéssemos 20 ou 30 anos não seríamos capazes de o fazer. Estaríamos a tentar mostrar ao mundo que sabíamos muito.

SB: E não temos nada a perder, nem nada a provar. Temos isto para mostrar, para partilhar. Não é um projeto muito ambicioso, não queremos propriamente ir tocar ao Altice Arena. Temos noção do espaço que isto ocupa e que é fundamental, até para dar novas referências, novos modelos. A sociedade está tão formatada, as bandas tem que ser de determinada maneira… Se eu viver até aos 70 anos e me apetecer tocar flauta no metro, é isso que vou fazer. E fazer acontecer é muito importante, temos que fazer acontecer coisas, seja em que área for.

No dia 24 de maio dão um concerto no Lux. Qual a vossa expectativa em relação à reação do público a este novo trabalho?
M: Tento viver sem expectativas. Não crio expectativas em relação a concertos, mas posso falar em relação ao passado. Com o primeiro disco fiquei surpreendida com a receção aqui em Lisboa. Todos os concertos que fizemos cá correram muito bem, tocámos no Vodafone Mexefest, num arraial ao pé da Casa da Achada, que se chama Sardinhas Achadas, e tocámos no dia de natal no Sabotage, que foi um concerto épico, maravilhoso. Acho que não podia ter corrido melhor.

SB: Podemos avançar que vamos ter um artista connosco, um amigo convidado, que nos vai ajudar na logística do concerto.

Do contacto que têm tido com o público, conseguem perceber se quem vos segue era já fã da Naifa?
SB: É uma pergunta muito curiosa. Pelo que me vou apercebendo nas redes sociais, há uma fatia que já nos acompanha desde A Naifa, mas fomos buscar uma grande fatia de público a pessoas que não seguiam A Naifa, nem sequer conheciam.

M: E essa é a fatia maior, é muito curioso. É um público novo. Temos muitos seguidores na casa dos 20, mas claro que a nossa música toca de forma diferente a um quarentão.

[Fotografias de Nuno Carvalho]