Gil Teixeira Lopes

'Sopros de vida' no Pavilhão Preto

Gil Teixeira Lopes

O Pavilhão Preto do Museu da Cidade recebe a mais recente exposição de mestre Gil Teixeira Lopes. O artista fala-nos sobre a sua obra e antecipa o que se pode ver nesta mostra, patente até 6 de abril.

Sopros de Vida / GITELO77 é o título desta exposição. Quer explicá-lo?

Sopros de vida tem sido aquilo que eu tenho tido. Infelizmente a vida tem sido terrível no sentido da doença. Desde bastante jovem que vivi uma série de situações de risco de vida, com várias intervenções cirúrgicas, especialmente ao coração. Isso começou na altura do meu último concurso para professor catedrático da escola, portanto um pouco antes de 71 e terminou em 99 com um coração novo, com um transplante cardíaco. Uma pessoa transplantada é, como se costuma dizer, um bebé prematuro, tem que ter muitos cuidados porque é sempre muito frágil. Apesar deste currículo clínico, praticamente nunca parei. Houve sempre a tentativa de fazer coisas, porque tinha mesmo que ser. E é a esses diversos momentos que eu chamo sopros de vida. Porque quando tudo apontava para que eu não aparecesse mais, eu aparecia. Para mim, os sopros de vida são alentos que se vão tendo para ir dando azo aos sonhos que ainda não desapareceram.

Trata-se de uma exposição antológica? O que se pode ver nesta mostra?

Chamem-lhe antológica, chamem-lhe retrospetiva, tudo o que quiserem. O que eu entendo é que qualquer pessoa que tem um percurso bastante grande e que se dedica a muitas matérias tudo aquilo que apresenta é retrospetivo. Aliás, se posso classificar esta exposição é uma retroprospetiva, porque apresenta sempre coisas anteriores, como resultado de pesquisas prévias, mas está sempre a querer apresentar coisas novas e para isso é necessário o indivíduo estar atento ao que se vai fazendo e agitado de maneira a poder produzir.

O corpo feminino é uma constante na sua obra. Porquê?

Uma vez perguntaram-me o porquê da obsessão pelo corpo feminino. E eu disse: o corpo feminino encerra muita coisa. Há coisa mais entusiasmante que a curva e a contra curva? Ora o corpo feminino está pleno de curvas e contra curvas, está sempre em movimento de altos e baixos como a própria vida, num jogo de saliências e reentrâncias. Por outro lado, há recantos, lugares no corpo feminino que nunca conseguimos proferir totalmente. Há sempre um mistério. Daí que a figura feminina, quando eu a aplico, e tento nunca ser demasiado literal, encerra sempre um mistério, como a própria vida em si. Por isso é difícil existir um sentido de posse total; há sempre mundos e mundos na figura feminina. Por alguma razão o corpo feminino foi sempre o tema mais abordado nas outras civilizações e em várias outras épocas, é precisamente porque encerra virtudes que não existem noutros lados.

A sua obra pictórica não se filia diretamente em nenhuma corrente estética. Porém, será correto falar em expressionismo a propósito dela?

Expressionismo, entre outras. O expressionismo é importantíssimo porque é aquele que nos dá uma série de sentimentos e de reações; dá-nos toda a vivência da própria vida em si. E isso é fundamental em mim. É uma das características fortes do expressionismo: a reação àquilo que se vê e que nos pode tocar. E até vou mais longe: em determinados momentos da expressão, tem de haver um estado de graça para que o artista possa trabalhar. Eu sou contra os prazos, porque não se pinta por pintar, pinta-se por necessidade. Pinta-se porque algo nos tocou e sentimos uma necessidade de reação. Ora bem, o expressionismo é exatamente isso. É fundamental que o indivíduo tenha espaço para criar, que se encontre no que eu chamo estado de graça, para se poder expressar e valer a pena.

É habitual falar-se numa certa vertente social e política do seu trabalho. Quer comentar?

Tem que refletir sempre essas vertentes, até pela vida em si. A minha vida nunca foi de berço de ouro, foi uma vida subida a pulso, ainda hoje o é. Até para conseguir esta exposição. E depois não podemos esquecer que eu sou do período pós-guerra, onde havia toda a miséria. Ainda mais numa terra no interior, em Mirandela, na altura do racionamento e da vinda dos refugiados de Espanha. Portanto, a vida naquele tempo era rude, terrível. O frio, o quente, seis meses de inverno, seis meses de verão, tudo isso pesa e molda a pessoa.

A sua pintura assume-se também como um diálogo com os mestres do passado. Quais as suas maiores influências?

Quando entro numa exposição, a primeira coisa que eu faço é assimilar o ambiente e ver se há alguma coisa que me toca. Quantas vezes vou a uma exposição de que nem gosto tanto e depois volto lá segunda e terceira vez e acabo por gostar. Quando consegui uma bolsa da Academia de Belas Artes fui para Madrid e a primeira coisa que fiz quando lá cheguei foi ir direito ao Prado e à sala do Velasquez. Dei a volta à sala e perguntei: isto é que é o Velasquez?! E fui-me embora. Depois passei os vinte dias seguintes a ver os seus quadros. Era fantástico! Como é que um homem consegue transmitir aquilo que ele transmite? Por isso influências são muitas. De todas as épocas. Estou sempre aberto a poder encontrar. Aliás, já Picasso dizia isso: “eu não procuro, encontro”. E é verdade. É o encontrar que vai despoletar a faísca para haver necessidade de fazer. Isso pode acontecer no meio da rua, como já me aconteceu, quando encontro um pedaço de uma fotografia. Portanto, tudo é possível, tudo está à mão, é preciso é termos capacidade de ver. E ver é um ato crítico.

Nesta exposição apresenta também algumas peças de escultura. Há quem sugira uma associação das suas peças escultóricas ao existencialismo. Concorda?

Infelizmente poucas. Concordo com isso tudo e ainda mais alguma coisa. Eu estou sempre disponível a poder absorver tudo aquilo que me toca e a poder experimentar. A mim interessa-me, essencialmente, é experimentar, interessa-me é fazer.

A sua obra gráfica, tão reconhecida e premiada, está ausente desta exposição. Porquê?

Apesar de ter começado a minha obra gráfica ainda na Casa Pia, foi entre 71 e 81 que me dediquei inteiramente à gravura. Não só no âmbito da cadeira de gravura que lecionava na Faculdade de Belas-Artes como à gravura virada para o internacional. Foi aí que começaram a surgir os prémios nas principais bienais europeias, como a medalha de ouro na Bienal de Florença. Uma dessas gravuras está, inclusivamente, a representar Portugal na Biblioteca de Washington. A gravura que eu fazia era uma gravura diferente da que se fazia então. Era de grande dimensão e de grande colorido. Em 2002, fiz uma grande retrospetiva de gravura no Centro Cultural da Casa Pia e a partir daí nunca mais me dediquei à obra gráfica. A gravura nunca foi verdadeiramente reconhecida em Portugal.