Os dias de Marco Mendonça

As sugestões culturais do ator e encenador

Os dias de Marco Mendonça

Depois da estreia em Sintra e da passagem por Barcelos e Ílhavo, Reparations, Baby! chega ao Teatro Variedades na próxima semana. Marco Mendonça volta a criar um espetáculo sobre racismo estrutural e, aqui, recomenda-nos um filme, um livro, uma exposição e um podcast que contribuem para essa reflexão.

Imagine-se “um novo concurso de televisão que pretende revolucionar o prime time português, com segmentos de teoria antirracista, cultura pop luso-africana e trivia colonial”. Uma ideia concebida e executada por um homem branco, privilegiado, que se considera bastante woke e que quer denunciar o racismo. “O espetáculo é um exercício de imaginação sobre como um programa destes tem tudo para correr mal”, diz Marco Mendonça, responsável pelo texto e direção de Reparations, Baby!, peça que estará no Teatro Variedades de 9 a 27 de julho.

Em cena, Ana Tang, Bernardo de Lacerda, Danilo da Matta, June João, Márcia Mendonça, Stela e Vera Cruz dão corpo a esta história sobre a facilidade com que se cai na “instrumentalização das pessoas negras, que são marginalizadas e silenciadas constantemente”. “Existe uma hipocrisia institucional, porque se confunde dar visibilidade com dar voz. Aparecer na televisão não é sinónimo de ser dono das suas narrativas. O entretenimento esvazia os debates importantes e perpetua-se um discurso redutor sobre as pessoas negras”, sublinha o encenador.

Reparations, Baby! quer lançar esse desafio: “Está na hora de mudar o panorama das pessoas no lugar de decisão e no lugar da escrita. Será que a sociedade está mesmo interessada em mudar? A verdade é que o racismo estrutural consegue sobreviver mesmo dentro de espaços que dizem combatê-lo”, aponta.

Antes do espetáculo chegar ao Variedades, Marco Mendonça faz-nos quatro sugestões culturais que ajudam a descobrir caminhos nesta reflexão.

O Ancoradouro do Tempo, de Sol de Carvalho

Em exibição

Estreou-se na semana passada, um dia depois da data em que se celebra a independência de Moçambique. Apesar de ainda não ter visto o filme de Sol de Carvalho, Marco Mendonça faz desta a sua primeira sugestão. “Nasci em Moçambique e é sempre bom saber que existem criações moçambicanas a chegar às salas de cinema portuguesas.” O filme é uma adaptação do livro A Varanda do Frangipani, de Mia Couto, que o ator e encenador confessa também não ter lido ainda. Uma intriga policial, rodada na Fortaleza da Ilha de Moçambique, que conta a história de um jovem inspetor da polícia que, chamado a investigar um crime, se depara com a declaração de culpa de todas as personagens.

Tramas Coloniais

Podcast

Um podcast brasileiro, disponível online, que, em sete episódios, fala sobre a história do colonialismo em África. “São encontros e conversas com intelectuais, sociólogos e outros, que produzem discurso e conhecimento sobre o passado colonial e as cicatrizes que deixou, tentando propor caminhos possíveis para a reparação dos danos causados”, explica Marco Mendonça que já há mais tempo tinha ouvido um episódio mas que agora, para a pesquisa de Reparations, Baby!, mergulhou a fundo nas reflexões que ali se fazem. “Recomendo bastante.”

Coro em Rememória de um Voo, de Julianknxx

CAM – Centro de Arte Moderna da Fundação C. Gulbenkian
Até 30 junho

A exposição termina já nesta segunda-feira, dia 30, e Marco Mendonça sabe que esta é uma sugestão de última hora. “Pode ser que ainda haja pessoas que a consigam ver…” Incluindo o ator, que tem andado ocupado com a estreia do espetáculo e ainda não conseguiu ir. “Dizem-me muito bem e acredito que valha muito a pena.” A mostra resulta das colaborações criativas que Julianknxx desenvolveu em nove cidades europeias, onde recolheu “histórias não contadas da diáspora africana”. Associada à exposição, está a instalação sonora Síncopes, da investigadora e socióloga Cristina Roldão, da produtora, designer de som, compositora e cantora XEXA, e da encenadora e atriz Zia Soares – um trabalho inspirado em “mulheres negras que atravessaram a cidade de Lisboa no início do século XX”, que Marco quer muito ver.

Uma História Africana da África – Desde o início da humanidade até à independência, de Zeinab Badawi

Editorial Presença

É o livro que Marco Mendonça está a ler neste momento e recomenda-o. “Estou a gostar muito, a achar fascinante”, diz. “Dá uma perspetiva geral da história do continente, que quero depois aprofundar. Para mim, está a ser uma aprendizagem muito rica. Parece-me um livro importante, pensando na questão da reparação histórica”, afirma, sublinhando, desde logo, a provocação do título. “Recusa uma visão eurocêntrica do que foi a História de África nos séculos passados.”