Memórias encenadas

Percursos e performances pelos bairros da Ameixoeira, Galinheiras, Cruz Vermelha, Chelas e Rego

Memórias encenadas

Conhecer os bairros de Lisboa passa por conhecer as histórias de quem lá vive. É das suas memórias, para além dos edifícios, dos monumentos, dos espaços públicos, que se faz, todos os dias, a história da cidade. Percorrer as ruas e descobrir o que elas e os seus habitantes têm para contar é o propósito dos seis projetos criados por associações e companhias teatrais que apresentamos.

Da escuta e da investigação em bairros como a Ameixoeira, as Galinheiras, a Cruz Vermelha, Chelas e Rego nasceram percursos e performances onde moradores participam, com a sua história individual, na construção de uma memória coletiva. E, pelo caminho, revelam-se talentos.

Teatro do Vestido

Tozé Cunha, Joana Craveiro, Francisco Madureira, Tânia Guerreiro e Estêvão Antunes

O Teatro do Vestido, coletivo teatral fundado em 2001, sob direção artística de Joana Craveiro apresenta, no Bairro das Amendoeiras, uma visita que é guiada pelas memórias dos movimentos de moradores na freguesia de Marvila.

Sobre a criação do percurso poético Museu dos Moradores, Joana Craveiro afirma: “foi uma sorte ter, como guias no terreno, pessoas que, para além de nascerem e viverem em Marvila toda a vida, são também guardiãs de uma memória histórica, daquela que fica marcada no corpo e se transmite por via oral. Outra grande ajuda foi o acompanhamento que nos deu a historiadora Margarida Reis e Silva, conhecedora deste território, que nos conduziu numa visita imersiva.”

A história política que levou à fundação do bairro, a luta pelo direito à habitação, sobretudo no período de 1974 e 1975, foi o ponto de partida para este trabalho: “o movimento de moradores que reivindicaram casas ao invés das barracas em que viviam; a torrente de ocupações que acabou por configurar um dos momentos mais marcantes da luta pelo direito à habitação no início da revolução portuguesa, são a memória resgatada pelo percurso Museu dos Moradores inscrevendo-a no formato de ‘museu vivo’, que temos vindo a desenvolver no Teatro do Vestido nos últimos 15 anos.” Para o coletivo teatral esta é a única forma de se compreender o presente.

As visitas realizam-se no âmbito do programa O Meu Bairro a Pé nos dias 19 e 20 de julho.

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Kriativu

Nuno Varela

Nuno Varela cresceu em Chelas. O hip-hop foi a sua fonte de inspiração e a rampa de lançamento para a criatividade, para o empreendedorismo e para o sucesso. Viajou, conheceu outras realidades, sentiu-se grato, realizado e, como tal, quis partilhar e dar a outros a fórmula que o trouxe até aqui. Tirar jovens das ruas, pô-los a fazer coisas construtivas tem sido o intuito dos muitos projetos sociais em que está envolvido. Foi com este espírito que fundou a associação Rimas ao Minuto e o Kriativu, um espaço comunitário aberto a quem queira desenvolver o lado artístico.

A convite da Câmara Municipal de Lisboa, a associação aceitou pensar em diferentes percursos que dessem a conhecer a zona de Chelas, integrada na freguesia de Marvila. “A nossa associação está profundamente ligada à cultura urbana e ao movimento hip-hop. Gostaríamos que estas visitas refletissem essa ligação, destacando espaços com significado e impacto real para a comunidade.”

Todos os percursos, quer na curadoria artística, social ou gastronómica, contaram com ajuda dos moradores. Para Nuno, “é importante demonstrar tudo o que é feito neste território, daí serem três percursos em que participam artistas locais, grupos comunitários ligados à gastronomia e várias associações que fazem trabalho social na zona. Foi bastante fácil criar estes percursos porque há uma grande riqueza cultural e também social.”

Os percursos realizam-se no âmbito do programa O Meu Bairro a Pé nos dias 12 e 13 de julho; 21 e 28 de setembro e 11 e 12 de outubro

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Teatro Meia Volta e Depois à Esquerda Quando Eu Disser

Cláudia Gaiolas e Sara Duarte

Cláudia Gaiolas, Sara Duarte e Luís Godinho integram o Teatro Meia Volta e Depois à Esquerda Quando Eu Disser, uma associação cultural que tem como missão dinamizar atividades no âmbito das artes performativas. Vários meses antes da criação do espetáculo Entra-se para viver, visitaram todas as semanas o Centro de Dia do Centro Social da Musgueira. Foi neste local e com os utentes do centro que desenvolveram o projeto.

“Interessavam-nos as experiências de vida e o quotidiano do bairro. Estas pessoas frequentam o centro há 40 anos, a média de idades está entre os 85 e os 95 anos. Ouvimos as suas histórias sobre a vivência do bairro, o como e o porquê de terem vindo para aqui viver.” Por outro lado, “não nos queríamos focar só na memória, mas também construir uma ideia de futuro. Apesar da idade avançada há uma vontade de se continuar a viver, daí o título Entra-se para viver.”

O espetáculo tem a particularidade de ser construído através de melodias do cancioneiro tradicional português, adaptado com novas letras que refletem as memórias destas pessoas. “Procurámos uma ressignificação das vivências e uma contextualização do espaço que é hoje a Alta de Lisboa. O espetáculo tenta criar uma reflexão através destes utentes que construíram aqui as suas casas e mudaram para sempre a geografia da cidade.”

A performance foi apresentada no âmbito do programa O Meu Bairro a Pé  entre maio e junho

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Lobby Teatro

Joana Brito Silva, Eupremio Scarpa e Mariana Fonseca

Mariana Fonseca e Joana Brito Silva fundaram, em 2021, a Lobby Teatro, uma companhia de teatro profissional que promove um trabalho de cariz comunitário e social.

Desafiadas pela Câmara Municipal de Lisboa a criarem vários percursos na zona da Ameixoeira e da Charneca, juntaram-se a Eupremio Scarpa, educador italiano que vive em Portugal desde 2001 e que tem desenvolvido trabalho nos bairros sociais. Para a criação de um percurso encenado nas Galinheiras e dois itinerários de memórias pela Ameixoeira, Joana Brito Silva afirma que “o Lobby foi mais responsável por uma curadoria artística e o Eupremio pelo desenho do percurso em si.”

Para Eupremio, que já morou no bairro, “foi muito interessante contactar antigos vizinhos para contarem as suas histórias. Por outro lado, já tinha trabalhado com a Quinta Alegre em projetos similares, nas Galinheiras. Foi esta a base para a criação de três percursos por Galinheiras, Charneca e Ameixoeira Antiga. O objetivo era dar a conhecer não só a história e os moradores do bairro, mas revelar também o lado artístico das pessoas que ali vivem.” Ao longo dos vários percursos os moradores dão a conhecer as suas carreiras artísticas e é criada uma narrativa onde, em determinado momento, é apresentada a sua arte.

Os percursos foram apresentados no âmbito do programa O Meu Bairro a Pé  entre maio e novembro de 2024

 

Lugar Comum

Rafael Barreto

Ator, bailarino, coreógrafo e professor, Rafael Barreto cresceu naquele que é hoje o Bairro da Cruz Vermelha. É nesta zona do Lumiar que desenvolve trabalho comunitário no Centro de Artes e Formação (CAF) e também através da associação de artes performativas Lugar Comum, que fundou em 2017.

Quando recebeu o convite para criar um percurso encenado para o programa O Meu Bairro a Pé, da Câmara Municipal de Lisboa, foi buscar muita da informação que tinha recolhido junto da comunidade para uma trilogia de peças que realizou na época do realojamento dos moradores.

“Quando criei O segredo dos sacos e os seus caminhos! recuperei muitos dos textos e da pesquisa que tinha há alguns anos e fiz uma nova ligação, tão necessária, que diz respeito a um mundo feminino de mulheres cabo-verdianas, portuguesas, indianas, ciganas, que carregam famílias inteiras. Estas mulheres carregam sacos. Vêm do Lumiar a pé com sacos, todos os dias.” Foi esta a inspiração que juntou intérpretes profissionais e pessoas da comunidade para criar o percurso.

Para além do lado histórico do bairro quis também abordar a questão que mais o inquietava “a incapacidade de se viver em comunidade, em harmonia com a diferença. Empatia e tolerância: é sobre isto que é este trabalho. Mas é também sobre uma justiça artística, porque na peça as coisas resolvem-se e na vida real nem sempre é assim.”

O segredo dos sacos e os seus caminhos! foi apresentado no âmbito do programa O Meu Bairro a Pé  entre julho e outubro de 2024

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Trimagisto

Carlos Marques

O Bairro do Rego é palco para um espetáculo-percurso intitulado Vendedor de Recordações. O projeto, em colaboração com o Avenidas – Um Teatro em Cada Bairro, é uma produção da cooperativa cultural Trimagisto que, sob a direção artística de Carlos Marques, tem desenvolvido trabalho com enfoque na memória coletiva e no património imaterial.

Vendedor de Recordações percorre ruas, lojas fechadas ou abandonadas, revelando o lado afetivo do comércio tradicional. “Interessou-me pensar no comércio como artéria viva da cidade, onde as pessoas acabam por se conhecer e saber umas das outras. Essa forma de contacto na comunidade, através desse comércio, quase desapareceu”, afirma o ator e encenador. Com este projeto ambiciona-se dar visibilidade ao bairro e às histórias da comunidade. Através da recolha de testemunhos de antigos lojistas, de utentes do Centro de Dia e de conversas com anónimos na rua, construiu-se um espetáculo que “é todo ficcionado a partir de memórias verdadeiras, mas que amplia as histórias reais, enfatizando determinados aspetos para captar atenção.”
Este lado da efabulação da memória para contar uma história é um dos aspetos que fascinam Carlos Marques. “Como criador é para mim muito empolgante perceber como uma pessoa comum, e os idosos são peritos nesta fórmula, consegue tão bem ficcionar/embelezar a sua história para que prenda a atenção.”

O percurso realiza-se nos dias 4, 5, 6, 11, 12 e 13 de julho