Carlos Prado

"Temos de pensar a Companhia Nacional de Bailado independentemente da pandemia"

Carlos Prado

É desde setembro de 2021 o novo diretor da Companhia Nacional de Bailado (CNB). Antigo bailarino da Companhia e do Ballet Gulbenkian, viveu no estrangeiro cerca de duas décadas depois de ter pendurado as sapatilhas. A sua experiência a ensinar ou a remontar espetáculos é vasta e diversificada. Sempre gostou de pular de projeto em projeto, entre vários países da Europa e não só, mas ao fim de algum tempo o coração pedia-lhe que voltasse a Lisboa. No seu último regresso, a gozar da paragem imposta pela pandemia, Carlos Prado foi convidado para dirigir a CNB.

Gostaríamos de começar por lhe pedir que se apresentasse sucintamente aos leitores menos familiarizados com o universo da Dança.

Chamo-me Carlos Prado e tenho 59 anos. Nasci em Palmela. Comecei a estudar Dança anormalmente tarde (tinha 17 anos). Fiz a minha formação na Academia de Dança Contemporânea onde trabalhei com dois mestres maravilhosos, a quem devo tudo: a Maria Bessa e o António Rodrigues. Em 1984, fui convidado pelo Armando Jorge, então diretor da CNB a ingressar na Companhia, onde estive até 1990. Nesse ano, Jorge Salaviza, diretor do Ballet Gulbenkian (BG), convidou-me. Estive lá até à data da sua extinção, em 2005. Nesse ano deixei de dançar e fui convidado para ser professor e mestre de bailado numa companhia em Itália, dirigida pelo coreógrafo Mauro Bigonzetti. Estive lá sete anos. Voltei a Portugal porque tinha saudades e comecei a fazer trabalhos como freelancer. Dava aulas em várias companhias no mundo e remontava trabalhos do Mauro Bigonzetti. Um ano depois convidaram-me para ser assistente e mestre de bailado em Antuérpia, no Ballet Real da Flandres. Fiquei quatro anos e tive oportunidade de trabalhar com o Sidi Larbi Cherkaoui. O trabalho era maravilhoso, gostava bastante de estar em Antuérpia, mas tinha muitas saudades de Lisboa.

Em praticamente três meses no cargo teve tempo de delinear os principais eixos da sua nova função?

Tenho bastante definido o resto desta temporada e a próxima. Estão praticamente fechadas. E tenho também ideias para a terceira temporada. A CNB tem algumas obrigações, como a de fazer o repertório clássico. Tem que fazê-lo e tem de o fazer a um grande nível, o que significa que não pode fazer apenas uma produção clássica por ano, tem de fazer duas ou até mesmo três. Muito importante também é misturar repertório contemporâneo. É aquilo que todas as companhias da dimensão da CNB na Europa estão a fazer, desde a Ópera de Paris ao Royal Ballet. Todas essas companhias têm uma componente clássica e uma componente contemporânea. Os bailarinos devem ser, e são, versáteis. A escolha de repertório deve dar alimento para a sua evolução artística e técnica.

O que nos pode dizer acerca do programa de espetáculos a apresentar em 2022?

Em janeiro, vamos ao Porto com o programa Noite Branca [com coreografias de Luís Marrafa, Yannick Boquin, George Balanchine]. Em março estreamos um novo programa: uma obra de um coreógrafo emergente português (Miguel Ramalho, também bailarino da CNB), reposição de uma obra que ele fez já no período da pandemia [Symphony of Sorrows, com música de Henryk Górecki], e uma peça do Sidi Larbi Cherkaoui nunca vista em Portugal: Fall, com música de Arvo Pärt, que ele anuiu em remontar para nós. Em abril, no Dia Mundial da Dança, estreamos outra peça clássica, La Sylphide, com coreografia de August Bournonville e música de  Herman Löwenskjold. E para junho, como estamos em ano de centenário de José Saramago, convidei a Olga Roriz para fazer uma criação à volta do universo do escritor [Deste mundo e do outro]. Acabamos a temporada em julho, como é hábito no Festival ao Largo, com  a apresentação, uma vez mais, da Noite Branca.

“Não tenho preferência por clássico ou por contemporâneo. Tenho preferência por boa dança.”

Como é programar no contexto de instabilidade de uma pandemia feita de recuos e avanços?

Limita imenso, ou seja, pode limitar. O que penso é que se tem de programar, independentemente da pandemia. Depois, à medida que a situação se for alterando, vão-se fazendo os ajustes necessários. Todo este tempo decorrido, temos de ter uma visão de futuro e de abertura, e de programar sem restrições. Na eventualidade de vir a ser necessário, vamos ter de adaptar ou de adiar. Temos de pensar a CNB independentemente da pandemia. Claro que é um cenário muito presente e vamos ter que viver com isso. Mas não posso programar a pensar nesta situação, ou então não se faz nada.

Quais foram os principais ensinamentos que recolheu na sua experiência profissional no estrangeiro?

Um deles foi, sem dúvida, o contacto com muitos coreógrafos, muitos bailarinos, muitos diretores de vários teatros no mundo inteiro. Tive imensa sorte porque trabalhei em sítios onde se faz desde o mais contemporâneo ao mais clássico. Fui ao Bolshoi várias vezes remontar peças, fui assistente de um coreógrafo no New York City Ballet, estive em companhias mínimas. Em Itália, por exemplo, era uma companhia de tournée e fazia-se muita coisa fora do teatro, na rua, e outro tipo de projetos mais contemporâneos, mais vanguardistas. Ou seja, isto é a minha bagagem. Aquilo que posso utilizar agora resulta das diversas experiências que vivi nestes últimos 20 anos. Saber como é que funciona um teatro, como se faz uma produção, o que está envolvido nisso…

A sua preferência enquanto coreógrafo, entre o ballet clássico e o contemporâneo, vai refletir-se nas suas decisões de diretor?

Não tenho preferência por clássico ou por contemporâneo. Tenho preferência por boa dança. Boa dança quando é feita ao mais alto nível, seja clássico ou contemporâneo, seja moderno ou seja neoclássico… seja o que for. Quando é bem feito gosto de tudo. Além disso, acredito mesmo que, retirando da minha experiência como bailarino e de ter trabalhado diversos repertórios, foi o que me enriqueceu tanto tecnicamente como artisticamente, a capacidade de afrontar novas linguagens. Essa ductilidade de poder fazer isto e aquilo. Quanto mais se experimenta, mais fácil é dançar. O público espera ver não só clássico e não só contemporâneo. A CNB é uma grande companhia, tem muitos artistas (cerca de 60); um dos investimentos necessários é no repertório em que muitos bailarinos estejam envolvidos.

O que lhe ficou da disciplina requerida pelos seus tempos de bailarino, e o que faz ainda para se manter em forma?

Nesse aspeto tenho a sorte de nunca ter tido lesões. Mas, se de repente tenho um trabalho em que estou a ensinar alguma coisa e me mexo um bocado mais, fico uma desgraça. Essa já não é a minha função agora, já dancei o suficiente. A frequência de ginásios é algo que não me atrai. Deixo que o tempo faça agora o seu trabalho de escultor no meu corpo, e seja o que Deus quiser.