Pedro de Tróia

"As canções que escrevo para mim acabam por ser quase um desabafo, como se estivesse a escrever um diário"

Pedro de Tróia

Pedro de Tróia, conhecido como frontman dos Capitães da Areia, acaba de lançar o seu segundo disco a solo, Tinha de ser assim. O novo álbum conta com a participação de Rui Reininho, que estará presente no concerto de apresentação a 11 de novembro, no Capitólio. Entre vários assuntos que surgiram na conversa com o músico, quisemos saber mais sobre o novo álbum, mas também sobre o que é feito dos míticos Capitães da Areia.

Foste vocalista dos Capitães da Areia. Quando é que percebeste que querias ‘voar’ sozinho?

Bastante tarde [risos]. Foi no momento em que percebi que queria continuar a existir artisticamente, que precisava de escrever canções, que precisava do palco, mais num sentido anímico do que qualquer outro. Na banda, cada um tinha a sua profissão e a sua vida. Eu estava muito agarrado a essa vontade de estar em cima de um palco, os outros membros da banda tinham também outros interesses, e às tantas entrámos num processo de pausa. Eu estava disposto a esperar, e continuo. A questão é que esta pausa nos Capitães da Areia tanto poderia demorar um ano como seis (que é o tempo que já dura).

O disco de estreia foi lançado em 2020 e o segundo saiu em outubro de 2021. Pode dizer-se que, no teu caso, o confinamento foi bastante produtivo?

Faço sempre por ser produtivo. Não tenho problema em dizer que me fui muito abaixo nas primeiras semanas, mas depois pensei “pior não pode ficar”. Então, achei por bem arregaçar as mangas e reagir. O primeiro disco acaba por ser essa reação.

As tuas canções parecem revelar imenso sobre ti. São uma espécie de catarse?

Talvez essa seja a palavra que melhor exprime o que as canções são para mim. As canções que escrevo para outras pessoas são trabalhadas, pensadas. As que escrevo para mim acabam por ser quase um desabafo, como se estivesse a escrever um diário. Como sou eu que as vou cantar, e não me considero propriamente um intérprete, ou seja, não vejo em mim uma grande capacidade para cantar o que os outros escrevem, acabo por ficar refém daquilo que sinto. É-me mais natural cantar coisas que sinto ou senti, do que propriamente histórias imaginadas. Acaba por ser a solução, partindo de uma fraqueza (se é que lhe podemos chamar assim).

Essa exposição pode ser dolorosa?

Bastante, mas faz parte do processo. O palco é um território onde me sinto bem, mas claro que há o reverso da medalha. Já me aconteceu estar em cima do palco e não conseguir cantar determinados versos naquele momento específico, estando determinada pessoa na plateia a assistir. Como não sou ator, é muito difícil desligar o interruptor e fingir que me é tudo indiferente ou que são coisas que escrevi por acaso. Geralmente, os artistas não são pessoas emocionalmente muito estáveis, mas essa incapacidade de sentir frieza perante o que estou a cantar torna-se num grande desafio, que é o de estar sempre preparado não para interpretar, mas para abrir o coração e as coisas começarem a sair.

O que acaba por ser muito genuíno…

As pessoas reconhecem dessa forma. É quase como se eu estivesse dentro de casa. Na rua, ou noutros locais, estamos sempre um bocadinho mais de pé atrás ou protegemo-nos em determinadas situações. Em casa somos o que somos: se tivermos de chorar choramos, se tivermos de gritar gritamos. O palco acaba por ser uma segunda casa, tem é esse lado de as pessoas estarem ali perto de mim. Se de repente me distraio e me apercebo disso, fico muito envergonhado. É como se fosse um monólogo e a partir do momento em que as pessoas reagem às canções isso mexe comigo.

“Temos de merecer o ‘sim’ das pessoas, seja no trabalho, nas relações ou no mundo artístico.”

Continuas a contar com a participação do Tiago Brito [membro dos Capitães da Areia] nos teus discos. Para quando o regresso da banda?

Essa é uma conversa recorrente entre nós, mas é um assunto difícil, porque as vidas de cada um estão encaminhadas e os astros não estão alinhados [risos]. Às vezes é uma questão de timing. Quando parece que vai ser a altura certa, afinal não é. É uma incógnita. Acreditamos que esse regresso se irá concretizar, mas mais vale nem pensar muito nisso, quando tiver de ser será. É um cliché, mas é mesmo assim. A predisposição existe, estivemos muito tempo juntos, houve muitos momentos bons, o que nos traz uma certa nostalgia. Da mesma forma que as relações, por existirem, não têm de durar para sempre, uma banda também acaba por ser assim.

O primeiro disco chama-se Depois logo se vê, e o mais recente Tinha de ser assim. Há alguma mensagem por trás destes títulos?

Com o Depois logo se vê, eu tinha o título antes de ter as canções. Esse disco partiu de umas conversas que tive com o meu agente, ainda ele era apenas meu amigo, em que ele dizia que se calhar estava na altura de fazer um caminho a solo, porque podia ficar muito tempo à espera que os Capitães da Areia se voltassem a reunir. Nessas conversas, perguntava-lhe “e a que é que eu vou soar?”. Ele dizia “depois vê-se, isso depende de quem for o produtor. Avança e depois logo se trata disso”. Decidi então construir uma carreira a solo e depois, a todas as questões que me fizessem na altura, eu responderia com “depois logo se vê”. Pensei que fazia sentido dar esse nome ao disco, até para me lembrar bem do meu estado de espírito nessa altura. O Tinha de ser assim é exatamente o oposto. Tinha outros títulos para este disco, e outras ideias que acabaram por não se concretizar, só que, entretanto, as coisas começaram a alinhavar-se de determinada forma. O Tiago [Brito] reagiu imediatamente à chamada e disse que tínhamos de avançar e fazer o disco em tempo record. O disco foi feito num sprint, e na altura pensei que era porque “tinha de ser assim”. Acho importante que os títulos dos discos e dos filmes não sejam escolhidos ao acaso. Gosto que façam muito sentido.

Carrossel conta com a voz do Rui Reininho. Como surgiu esta parceria?

Cantar com o Rui Reininho já era um sonho muito antigo, daqueles que vamos reprimindo porque sabemos que é muito difícil e que, por isso mesmo, não vale a pena pensar neles. Desde miúdo que tinha esse desejo. Da mesma forma que sou sonhador compulsivo, também tenho noção de que tenho de estar preparado para a realidade. Não basta enviar um email, ou encontrar a pessoa na rua e dizer-lhe que gostava de trabalhar com ela. Temos de merecer o ‘sim’ das pessoas, seja no trabalho, nas relações ou no mundo artístico. Escrevi esta canção de madrugada e na manhã seguinte mostrei a canção e disseram-me que a devia enviar ao Rui Reininho porque talvez ele gostasse. Achei curioso dizerem-me isso. Decidi então arriscar e enviei-lhe um email a perguntar se gostava da canção e a dizer-lhe o que ele representava para mim. A resposta foi muito simpática, com imenso tato e muito divertida. Perguntou-me se eu queria que ele viesse a Lisboa gravar ou se ia eu ter com ele ao Porto. Tratei de tudo para ir ter com ele ao Porto para gravarmos a canção e foi mais fácil do que alguma vez imaginei. Houve um momento em que, sorrateiramente, dei um beliscão no meu braço para ter a certeza de que aquilo estava mesmo a acontecer. Foi um momento que dificilmente esquecerei, mesmo que comece a ficar com a memória turva daqui a muitos anos [risos].

O concerto de 11 de novembro, no Capitólio, marca o teu regresso aos palcos lisboetas. Tens saudades de dar concertos?

Não é só saudade, é uma ressaca muito forte. É algo que me faz muita falta, só espero é estar à altura. O último concerto que dei foi precisamente há um ano, o que é muito tempo.

És muito proativo e rápido a produzir novas canções. Isso quer dizer que já há material para um novo disco?

Material já há, não sei é se é esse que vai ser usado. Quando lanço um disco, sinto sempre um certo alívio, no sentido de “agora já não é comigo”, é um assunto que já está trancado. A partir do momento em que isso está resolvido, começo a pensar no que vem a seguir. Este, de facto, demorou pouco tempo, mas há discos que demoram quatro, cinco anos a fazer. Certamente não irei demorar esse tempo, mas sim, já estou a pensar na continuidade destes dois discos, mas isso também vai depender do que a vida nos vai trazer. Se me mandar para casa, privado de concertos, provavelmente esse disco vai acabar por ser um reflexo disso. Neste momento, sinto que as coisas estão um bocado em suspenso, acho que está tudo em aberto, mas dentro de dois anos conto ter outro disco lançado.