sugestão
Os livros de novembro
Oito sugestões de leitura

São muitas as novidades editoriais que marcam a entrada no mês de novembro. A Agenda Cultural de Lisboa apresenta oito sugestões de diferentes géneros – romance e antirromance, entrevista, crónica, poesia, história e infantojuvenil – para ler neste outono.
Maria Teresa Horta
Paixão
O mais recente volume de poemas de Maria Teresa Horta é marcado pelos temas da paixão e do luto. No final de 2019, a escritora perdeu o seu marido (“Foste sempre o desacato / dia após dia após dia / ao longo da minha vida”), a quem a presente obra é dedicada: “Para Ti, Luís, numa revolvida e eterna paixão”. A reprodução, na capa, da pintura O Ferolho, de Fragonard, indicia que a autora não abandonou a dimensão feminina e erótica da sua poesia, com ênfase particular no desejo. De facto, o livro subordina-se aos seguintes temas: Paixão (“Sempre misturámos / os corpos um do outro // prazer desejo / e paixão // Avidez arrebatada / numa pressa singular /onde a vida sequiosa / sempre e sempre // se inventava”), Desejo, Sobressalto e Solidão (“Está sempre vazia / agora / a nossa cama // meu amor… // Mesmo se nela / me deito / já tarde de madrugada // tento fechar os olhos / para não ver / o seu nada”). Uma belíssima despedida com os olhos postos na eternidade: “”Será ainda possível / meu amor /trocar a vida por ti… // trazer-te devagar / ao coração? // Entregar-me ao teu / secreto abraço / e só então…// abrirmos as asas / devagar / a voar a eternidade //…até ser não”. Dom Quixote
André Gide
Paludes
André Gide (1869/1951), Prémio Nobel da Literatura de 1947, foi uma das grandes mentes literárias do século XX. Romancista, dramaturgo, memorialista, crítico e editor, representou, segundo Thomas Mann, “o ponto extremo da curiosidade do espírito”. A sua ficção divide-se em dois géneros principais: o seu único romance, Os Moedeiros Falsos, texto eminentemente moderno que questiona a própria natureza do romance e uma série de narrativas (récits) de profundo teor confessional e admirável recorte clássico. Paludes é a primeira das três sotias que escreveu, palavra arcaica das farsas satíricas medievais francesas. Relata as adversidades da composição de um romance (Paludes) que o autor/narrador nunca chega a aceitar como satisfatório e que satiriza a mediocridade dos salões literários parisienses do final do século XIX. Paludes é, nas palavras de Aníbal Fernandes, tradutor da obra e autor do seu prefácio, um “não-romance”, “um estranho cometimento literário, exterior a tudo o que se conhecia na literatura francesa”. “É um verdadeiro novo-romance (…) construído sobre nada, com sensações extremamente vivas, a forma de Gide é de uma elegância extrema”, declarou Nathalie Sarraute. Sistema Solar
Uma Ultima Pergunta
Entrevistas Com Mário Césariny
António Duarte, que entrevistou Mário Cesariny em 1979, dá uma definição da experiência, num par de linhas: “Mário Cesariny pinta poemas a falar. Sugere viagens descontroladas pelo imaginário deslumbrante da Grande Loucura.” É pela loucura que vamos, a loucura saudável que deixa vazios os hospitais (palavras do poeta). As entrevistas reunidas neste volume por Laura Mateus Fonseca, estendem-se de 1952 a 2006. “Num assomo de irreverência e confronto, o Cesariny poeta, pintor e surrealista, sem perder de vista o seu passado, comenta diferentes tempos de Portugal.” O livro faz acompanhar as conversas de fotos de arquivo das principais figuras do surrealismo em Portugal, e consoante a relevância documental mostra ainda alguns recortes de jornais. O prefácio é da autoria de Bernardo Pinto de Almeida, e a anteceder a indicação da origem de cada entrevista e do índice remissivo, Perfecto E. Cuadrado assina o posfácio. Cesariny leva as palavras para um território onde só ele é dono e senhor. Este livro, uma vez fechado, deixará sempre várias leituras em aberto. Documenta
Naguib Mahfouz
Entre os Dois Palácios
Naguib Mahfouz (1911/2006) é o mais importante escritor de língua árabe do século XX e o único galardoado com o Prémio Nobel da Literatura (1988). Entre Dois Palácios constitui o primeiro volume da celebrada Trilogia do Cairo. Narra a história de uma família em três gerações, durante a ocupação britânica do Egipto. O patriarca oprime a mulher e enclausura as filhas, enquanto à noite se entrega aos prazeres do Cairo. Os três filhos lutam para se libertar do seu domínio, enquanto o mundo que os rodeia se abre às correntes da modernidade. Os dramas desta família espelham os do seu país, no período entre as duas guerras mundiais, à medida que as mudanças se fazem sentir numa sociedade que há séculos lhes resiste. A arte de Mahfouz reside na capacidade de criar uma galeria de personagens cujas circunstâncias de vida estão profundamente distantes das nossas e, no entanto, possuem as mesmas aspirações. Através delas, o mundo que descreve – a realidade do Egipto colonial, as suas gentes e os seus conceitos – deixa de nos parecer estranho. Traduzir a realidade local à escala da humanidade é o mérito da grande literatura. E-Primatur
Margarida Almeida Bastos
António José de Barros Veloso – Uma Vida, Vários Mundos
A presente biografia, em forma de entrevista, presta tributo uma figura relevante da medicina, da música (em especial do Jazz, no qual se destacou como pianista), da azulejaria, da História da Ciência e do panorama geral da cultura nacional. Aos noventa anos de idade, estas entrevistas constituem, segundo Margarida Almeida Bastos, autora da obra, “uma reflexão sobre o passado, mas também sobre o presente, que Barros Veloso analisa de forma original nas suas múltiplas vertentes, antecipando por vezes o futuro, com uma enorme lucidez e um profundo sentido critico”. Na cerimónia do seu doutoramento honoris causa, na Reitoria da universidade Nova de Lisboa, Barros Veloso destacou o papel da cultura: “Cultura é outra palavra-chave. Sem ela é difícil perceber o que a medicina tem de mais profundo e humano. Não é por acaso que entre os médicos se inscrevem os nomes de algumas das maiores figuras da literatura portuguesa.” Uma vida rica e improvável, num diálogo sempre estimulante. By the Book
António Lobo Antunes
As Crónicas
Numa escrita mais intimista e num estilo mais acessível do que os dos seus romances, as crónicas de António Lobo Antunes abordam uma vastíssima variedade temática que incluem não só a infância, a família, as mulheres, os amigos, os amores e os desamores, a vida e a morte, mas também relatos sobre pessoas anónimas encontradas ocasionalmente, apontamentos de viagem ou sobre pequenos restaurantes de bairro e, como não podia faltar, algumas notas sobre a escrita e os livros. As crónicas reunidas neste volume resultam de uma seleção feita a partir de mais de quatrocentos textos publicados pelas Publicações Dom Quixote em cinco volumes independentes entre 1998 e 2013. Inclui também uma seleção de crónicas inéditas em livro. Salienta Marcelo Rebelo de Sousa, no prefácio à presente obra: “Convidado a escrever umas linhas, li ou reli, as crónicas. Horas sem parar. E, nelas encontrei – mais do que seria óbvio ou inevitável – um impressivo retrato de António Lobo Antunes.” Dom Quixote
Vital Moreira e José Domingues
No Bicentenário da Revolução Liberal – Vol. III
Vida e Obra Política de José Ferreira Borges
Segundo os autores, José Ferreira Borges (1786-1838) foi o “principal estratego operacional da sublevação de 24 de Agosto e uma das mentes mais acutilantes da geração heroica de 1820”. Face à convicção de que “apesar do seu nome integrar, com toda a justiça, a toponímia de muitas cidades, a começar pelo seu Porto natal”, não ser generalizado o conhecimento publico “sobre o eu contributo decisivo para o êxito da Revolução [Liberal de 1820], os seus textos de combate, no exílio, contra a usurpação miguelista, (1828-1832), o seu pensamento político-constitucional (…) e, por fim, a sua independência e coragem pessoal, intelectual e política”, é objetivo do presente livro colmatar essa lacuna historiográfica. Havendo vários estudos sobre aspetos marcantes da sua vida e da sua carreira profissional – sobretudo como jurisconsulto, economista e comercialista –, faltava um estudo especialmente dedicado ao seu percurso político e às suas ideias político-constitucionais. Esta obra percorre o pensamento político-constitucional de Ferreira Borges, coligindo e analisando os seus escritos políticos. Porto Editora
João Pedro Mésseder e Rachel Caiano
Coisas que Gostam de Coisas
Coisas que Gostam de Coisas insere-se num conjunto de livros que têm a palavra “coisas” no título. Este, em particular, é um livro de pequenos poemas onde, em cada um deles, se pode encontrar a palavra gostar. Segundo João Pedro Mésseder “é através da palavra gostar que, de certa forma, se mostra que existe um equilíbrio no Universo, que relaciona as coisas umas com as outras”. “Com os elementos cósmicos sempre presentes, como a água, a lua e o sol, esta obra mostra uma certa comoção com o esplendor do mundo”, avança o autor, parafraseando Sophia de Mello Breyner Andresen. “Porque o mundo é um lugar realmente esplendoroso e pode continuar a sê-lo, se fizermos por isso”. A ilustradora Rachel Caiano escolheu usar carvão vegetal nas ilustrações para sublinhar um carácter e um traço nem muito limpo, nem muito acabado, recorrendo ao esboço. “Por vezes, o esboço dá-nos mais que as imagens demasiado acabadas. Os esboços retêm mais vestígios do pensamento e eu quis explorar um pouco essa linguagem”, esclarece. Porque a vida não seria boa se não gostássemos de tantas coisas! [texto de Ana Rita Vaz] Caminho