sugestão
Os livros do verão
Oito sugestões de leitura para férias
A chegada das férias de verão permite-nos pôr as leituras em dia. Eis oito sugestões, entre as edições mais recentes, para todos os gostos: do teatro ao conto, do romance ao jornalismo, da arte à arquitetura.
Bernardo Santareno
Teatro I
O médico e escritor António Martinho do Rosário (com o pseudónimo literário de Bernardo Santareno) integrou em 1957, a equipa de médicos da frota bacalhoeira portuguesa, primeiro no arrastão David Melgueiro, depois no navio-motor de pesca à linha Senhora do Mar e, por fim, no navio-hospital Gil Eannes. Experiência que serviria de material para Nos Mares do Fim do Mundo, obra singular, misto de diário, livro de viagens, reportagem, narrativa poética e aventura, e para O Lugre ou A Promessa, duas peças fundamentais do maior dramaturgo português do século XX. Para além desses dois títulos, complementam o primeiro volume dedicado ao teatro de Santareno, as seguintes peças: O Bailarino, A Excomungada, O Crime da Aldeia Velha e António Marinheiro (O Édipo de Alfama), textos que o consagram como poeta de teatro. Escreve Ana Paula Medeiros na introdução à presente edição: “Poeta da sombra lutando com a luz, procurando o seu destino e sua força. Poeta da vida como mistério, que, indizível, toca o eu e o outro e os empurra para a redenção na palavra e no silêncio, na transfusão libertadora que é o teatro para Bernardo Santareno.” E-Primatur
Luísa Costa Gomes
Afastar-se
Numa dos contos deste livro que dá titulo à coletânea, Luísa Costa Gomes relembra-nos que o poeta Lord Byron foi o fundador da natação competitiva em mar aberto. Completada a travessia do Helesponto, Byron escreveu à mãe: Tenho mais orgulho nesta proeza do que em qualquer outra glória, poética, política ou retórica”. Giulia, a jovem protagonista da narrativa, revê-se nas proezas do poeta que “desde criança se lançava a charcos, lagos, rios, canais, estreitos e a toda a água que se lhe atravessasse no caminho”. Luísa Costa Gomes colecionou ao longo de mais de cinco anos contos que de uma maneira ou de outra tem a água como tema central ou inspiração. “Ela está sempre presente, doce, clorada, salgada, mais larga ou mais discreta, no oceano aberto onde se experimenta o abandono e a sobrevivência, no duche redentor que muda em narrativa irónica uma experiência de quase morte, na saliva que prepara a cinza, na piscina adorada que é meio de transmutação alquímica”. 13 belíssimos contos onde “na vida da água que nos faz sonhar [só de olhar] reconhecemos a nossa própria sobrevida.” Dom Quixote
Marc Jimenez
A Querela da Arte Contemporânea
As vanguardas do século XX parecem ter inviabilizado as convencionais categorias estéticas e o grande público reage frequentemente com alguma perplexidade, e até aversão, perante obras que não compreende. Marc Jimenez, filósofo e germanista, professor de Estética na Universidade de Paris I, procura responder a uma questão essencial: como julgar a qualidade artística de objetos e de práticas quando já não existem critérios nem normas de referência? Esta obra traz a lume o controverso tema da “decadência da arte”, identificando os debates e polémicas que opõem defensores e detratores da criação artística contemporânea. A questão que se levanta, segundo o autor, já não é tanto a dos limites estabelecidos para a criação, mas a da inadequação dos conceitos tradicionais — arte, obra, artista, etc. — a realidades que aparentemente já não lhes correspondem. O verdadeiro interesse destas querelas vai depender, de acordo com Marc Jimenez, “da vontade que os diferentes atores do mundo da arte ocidental revelem para se oporem a que a criação artística se reduza a ser apenas o eco fiel do que a sociedade espera dela.” Orfeu Negro
Julian Barnes
O Homem do Casaco Vermelho
No mês de Julho de 1885, chegam a Inglaterra três franceses que, como escreveria mais tarde Henry James, seu companheiro durante dois dias, “ansiavam por ver o esteticismo londrino”. Eram eles: o Príncipe Edmond de Polignac, o Conde Robert de Montesquiou- Fesensac e Samuel Pozzi, plebeu, médico da melhor sociedade, ginecologista pioneiro, que alguns anos antes, fora retratado numa das mais brilhantes telas de John Singer Sargent, em casa, com um impressivo roupão escarlate (o homem do casaco vermelho). Este livro inclassificável é, em parte romance, em parte biografia dos três amigos e, por fim, um veemente retrato da Belle Époque através das suas figuras modelares. Época cosmopolita repleta de glamour, com um clima cultural e artístico marcado por um profundo hedonismo, mas que revela também um lado negro, “um tempo de neurose, mesmo de ansiedade nacional histérica, carregado de instabilidade politica, crises e escândalos”, sem esquecer as intensas manifestações de racismo (o célebre “caso Dreyfus”). Simultaneamente, detém-se num dos tipos característicos desta era, o dandy, “aquele que persegue a perfeição do gosto.” Quetzal
José Silva Carvalho
A Ermida Que Há Dentro Deste Lugar de Carnide
Esta obra centra-se na história de um edifício demolido há mais de 160 anos e a sua importância no contexto de Carnide. Segundo o seu autor, o arquiteto José Silva Carvalho, terá sido porventura a construção da Ermida de Carnide e do seu antigo rocio, a estar na base da formação e continuada existência deste núcleo nos subúrbios da antiga Lisboa. Para além da história da Ermida, o autor debruça-se sobre o seu espólio, bem como sobre alguns outros edifícios circundantes como o pequeno hospital/gafaria e o suposto antigo paço. Outros usos existentes neste rossio, designadamente os ligados à taberna ao vinho e à festa, contribuíram para as dinâmicas que durante séculos se desenvolveram na envolvente da ermida e do seu pequeno cemitério. Trata-se de um exercício de reflexão que pretende contribuir para o conhecimento do núcleo antigo de Carnide, particularmente na área do património edificado, tendo a Ermida do espírito Santo como referência principal de análise. Ed. Caleidoscópio
Paulo Dentinho
Sair da Estrada
“Livro de descobertas”, como lhe chamou Mário Zambujal, composto por 13 histórias que se leem de um fôlego, com uma escrita rápida, direta e eficaz, própria do jornalismo, Paulo Dentinho revela os acontecimentos que testemunhou a partir dos bastidores das reportagens. Enviado especial, repórter de guerra, correspondente em Maputo, Díli e Paris, entrevistou personalidades de relevo internacional como Ytzhak Rabin, Muammar Kadhafi, Emmanuel Macron ou Lula da Silva, entre outras. Mas foi sobretudo na reportagem que se destacou. Das ruas mais modestas aos palácios reais e presidenciais, cruzou-se com histórias simples de gente anónima e com as dos grandes decisores políticos do mundo contemporâneo. Testemunhou dor, morte, revolta e resignação. E conta neste livro o que viu. São reportagens “com pessoas reais lá dentro”, como escreve Teresa de Sousa no prefácio à presente edição: “Cada história tem pessoas de carne e osso, que estiveram lá, que vivem lá, que sofrem as consequências ou alimentam as esperanças. (…) É a partir dessas histórias que nos leva de novo às notícias de que já nem nos lembramos. (…) Para que a memória mão se apague e as tragédias não sejam esquecidas.” Caminho
Alan Hollinghurst
A Biblioteca da Piscina
Alan Hollinghurst, romancista inglês nascido em 1954, alcança o Booker Prize de 2004 e a fama internacional com a A Linha da Beleza, retrato impiedoso da plutocracia da era Thatcher e dos seus efeitos sociomorais, e uma fina análise da complexidade das relações humanas numa época marcada pelo aparecimento da SIDA. A Biblioteca da Piscina (1988), a sua primeira obra, centra-se igualmente num relacionamento homossexual. Durante um engate numa casa de banho pública, um jovem salva a vida de um homem muito mais velho, um Lord suficientemente colunável para aparecer nos diários de Evelyn Waugh. O aristocrata encarrega o jovem de escrever a sua biografia e entrega-lhe os diários em que confiou os pormenores da sua vida, valioso documento sobre o universo e a cultura gay inglesas. Mas este romance é muito mais do que isso. Os livros de Hollinghurst constituem, invariavelmente, uma experiência estética inesquecível: o romancista escreve com requintada erudição sobre pintura, arquitetura, design, decoração e antiguidades, música e literatura. Toda a sua obra remete para uma certa tradição literária inglesa: A Linha da Beleza para Henry James; A Biblioteca da Piscina para E. M. Forster. Dom Quixote
João Palma e Rodrigo de Matos
Sem Rei, Nem Roque
Todos sabemos que “cair no conto do vigário” significa sermos enganados ou burlados, mas a origem desta expressão popular é bem menos conhecida. Também o significado de expressões como “uma questão de lana-caprina”, “encanar a perna à rã”, “dar com os burros na água”, “vai para o maneta!”, “rés-vés Campo de Ourique” ou “fazer uma vaquinha”, se perde no tempo. Sem Rei, Nem Roque tem como autores João Palma, que entre 1990 e 2006 foi jornalista do Público e que, em simultâneo, escreveu diversas peças, em especial na área do desporto (atletismo, corridas de estrada), bem como pequenas crónicas e artigos ocasionais, e Rodrigo de Matos, cartunista do semanário Expresso, com o qual colabora desde 2006, assinando atualmente a coluna Capital de Risco no caderno “Economia”. Juntos embarcaram nesta viagem às origens das expressões populares mais usadas pelos portugueses. Um livro útil para miúdos e graúdos, com ilustrações divertidas, que conta tudo “tintim por tintim”, que não é “de borla”, mas também não “custa os olhos da cara.” Oficina do Livro