Que suba o pano

O teatro está de volta às salas

Que suba o pano

O mês de junho marca o regresso dos espetáculos de teatro ao contacto direto com o público. Depois de mais de dois longos meses de teatros fechados, chegou a hora de voltar à plateia e deixar-nos seduzir nessa relação única que se cria entre a sala e a cena. Do Teatro Nacional D. Maria II ao Festival de Almada, esta é uma pequena viagem sobre os palcos onde “sobe o pano” nas próximas semanas.

No maravilhoso All About Eve, filme de Joseph L.Mankiewicz, um encenador explica a uma ambiciosa atriz que o teatro acontece desde que haja “magia, fingimento e público”. Audience, no original, o público, ingrediente determinante para que o teatro aconteça. E ele, o teatro, está mesmo a acontecer desde o início deste mês, em Lisboa, com A Barraca a evocar Federico Garcia Lorca, no recital Espanha no Coração, ou o Teatro Armando Cortez a repor os populares Monólogos da Vagina, de Eve Esler.

Esta noite (e amanhã, também) o teatro regressa ao D. Maria II, a mais nobre casa de teatro de Lisboa, com Tiago Rodrigues a levar a cena uma das suas mais aclamadas criações: By Heart. Curiosamente, e por ser um espetáculo que exige sempre alguma interação com o público, nada mais apropriado (tomadas e asseguradas todas as precauções) do que ver espectadores subirem ao palco para, também eles, serem parte do espetáculo.

‘Febres de Lisboa’ de João Garcia Miguel

Já na próxima semana, há mais um teatro da capital a abrir portas, e logo com uma estreia absoluta. No Teatro Ibérico, João Garcia Miguel apresenta a sua visão das Prosas Bárbaras, de Eça de Queiroz, num espetáculo marcado pela atualidade da pandemia que mudou o mundo. Febres de Lisboa reúne um elenco de jovens atores que participaram num workshop realizado pelo autor e encenador durante a fase de confinamento e é uma homenagem à “força de transformação coletiva e social para enfrentar a separação e o isolamento.”

A 1 de julho, as gargalhadas vão voltar a fazer-se ouvir no Auditório dos Oceanos. Depois da estreia em fevereiro passado, a comédia A Peça Que Dá para o Torto regressa ao Casino de Lisboa para uma nova temporada. Escrita por Henry Lewis, Jonathan Sayer e Henry Shields, esta frenética “peça dentro de peça” é um dos maiores sucessos internacionais da última década, sendo que a versão portuguesa, com tradução e adaptação de Nuno Markl, replica a encenação do espetáculo original estreado em Londres, em 2013.

‘O Mundo é redondo’ de Gertrud Stein, encenado por António Pires

Companhias de Lisboa com forte presença no Festival de Almada

Depois de muitas dúvidas, e com o forte impulso da vontade do público, como garante o seu diretor artístico Rodrigo Francisco, o Festival de Almada vai mesmo acontecer e arranca a 3 de julho. Adaptado à situação que vivemos, a mais importante mostra de teatro do país, alarga o calendário (decorre até 26 de julho) de modo a garantir o maior número de sessões para cada espetáculo, uma vez que as lotações das salas serão reduzidas a metade.

Embora mantenha a sua vocação internacional, com a apresentação de dois espetáculos vindos de Espanha (Rebota, rebota y en tu cara explota, da dupla catalã Agnès Mateus e Quim Tarrida, e Future Lovers, da companhia La Tristura) e um de Itália (Johan Padan à descoberta das Américas, de Dario Fo e Franca Rame, com encenação do próprio Fo e interpretado por Mario Pirovano), esta é, sobretudo, uma edição para “tomar o pulso ao teatro português.”

Em quatro semanas, seis palcos de Almada (este ano não há espetáculos ao ar livre) e apenas um em Lisboa acolhem 14 produções portuguesas, com especial destaque para a presença de várias companhias da capital, como a Comuna (em estreia As Artimanhas de Scapin, de Moliére, com encenação de João Mota), a Culturproject (A criada Zerlina, de Hermann Broch, com encenação de João Botelho),  os Artistas Unidos (Uma solidão demasiado ruidosa, de Bohumil Hrabal, encenado e interpretado por António Simão), a Ar de Filmes/Teatro do Bairro (O Mundo é Redondo, de Gertrud Stein, com encenação de António Pires), a Barba Azul (Turma de 95, de e com Raquel Castro), o Teatro Nacional D. Maria II (By heart, de e com Tiago Rodrigues) e a Um Marido Ideal (O Criado, de Robin Maugham, com adaptação, encenação e interpretação de André Murraças).

A passagem do Festival por Lisboa acontece no Centro Cultural de Belém que recebe uma das mais recentes produções da Companhia de Teatro de Almada, Viagem de Inverno. A peça de Elfriede Jelinek, encenada por Nuno Carinhas, “transporta uma memória significativamente histórica (na qual se destaca a sobrevivência da mentalidade fascista), mas também autobiográfica”. As interpretações estão a cargo de três grandes atrizes do teatro português: Teresa Gafeira, Ana Cris e Flávia Gusmão.

Sem esquecer a máscara e respeitando as normas de etiqueta respiratória, seja bem-vindo, de novo, aos teatros. O espetáculo nunca é o mesmo sem o seu aplauso.