Os livros de abril

Oito livros para ler em casa

Os livros de abril

Num momento tão triste e difícil em que, por razões de saúde pública, deve ficar em casa, os livros continuam a cumprir a sua função de companheiros estimulantes. Além disso, são seguros. Deixamos-lhe oito sugestões de obras recentes e diversificadas que pode encomendar online: do epistolário de Miguel Torga à literatura juvenil, passando pela novela, pela poesia, pela investigação jornalística e pelo ensaio. Não saia de casa e leia. Ler pode ser o melhor remédio.

Cartas para Miguel Torga

“A sua sensibilidade é de tipo igual à do José Régio – é confundida, em si mesma, com a inteligência, O que em si é ainda por aperfeiçoar é o modo de fazer uso dessa sensibilidade.” Este é um excerto de uma carta de Fernando Pessoa datada de 6 de Junho de 1930 enviada a Adolfo Rocha (Miguel Torga) agradecendo o envio de Rampa, o seu segundo volume de poesia. A comparação com Régio não terá sido bem acolhida pelo jovem poeta, numa fase de afirmação, provocando uma resposta a Fernando Pessoa “de tom agreste”. Este notável conjunto de cartas recebidas por Miguel Torga abarca um período de sessenta e quatro anos (de 1930 a 1994) e reúne um extraordinário número de correspondentes. Bastará citar alguns deles – Teixeira de Pascoaes, Óscar Lopes, Adolfo Casais Monteiro, Vitorino Nemésio, Sophia de Mello Breyner Andresen, Jorge de Sena, Eduardo Lourenço, Ruben A., Urbano Tavares Rodrigues, Jack Lang ou Gonzalo Torrente Ballester – para avaliarmos a importância deste epistolário para o conhecimento da história literária, cultural e política do século XX português. Organização e prefácio de Carlos Mendes de Sousa.

Dom Quixote

Ana Teresa Pereira

O Atelier de Noite

O Atelier de Noite tem por base um acontecimento na biografia de Agatha Cristie: o seu desaparecimento durante onze dias. Esta circunstância já havia dado origem, em 1979, ao filme Agatha, de Michael Apted, com a grande atriz Vanessa Redgrave no papel da escritora. A temática singular de Ana Teresa Pereira sempre se aproximou das narrativas policiais, mantendo o elemento do mistério marcado pelas referências literárias, cinematográficas e pictóricas. Na sua obra mais recente a autora cria um relato fragmentário que não pode ser reconduzido ao domínio da autobiografia e que em vez de esclarecer o enigma, o adensa (“Não nascemos para ser explicados”, “Para mim também, o mistério ficou sempre por resolver”). Narrado, ora na primeira, ora na terceira pessoa do singular, a protagonista Agatha parece desdobrar-se em múltiplas vozes, entre narradora e personagem da sua própria narrativa (“E quando me fazem perguntas sobre ela, sobre mim, sobre os onze dias de mistério, eu digo que ela estava a dançar num hotel em ruínas”).

Relógio D’Água

Poemas Eróticos dos Cancioneiros Medievais Galego-portugueses

Os textos dos cancioneiros galego-portugueses são composições em verso, de caracter profano, na sua maioria poemas interpretados nos saraus das cortes régias e nos salões dos senhores feudais, para entretenimento e divertimento. Foram escritos entre os séculos XII e XIV, em Portugal, Galiza, Leão e Castela, em galaico-português pois embora em cada uma dessas regiões o povo falasse a sua língua, esta era a forma de expressão culta utilizada pelos poetas trovadores. Historicamente, dividem-se em cantigas de amigo, cantigas de amor e cantigas de escárnio e maldizer. Porque o tema da presente recolha é o erotismo, Vitor Correia, organizador, tradutor e prefaciador da obra, não selecciona apenas cantigas satíricas, mas também cantigas de amigo e de amor nas quais a sexualidade surge de forma mais ou menos implícita, mais ou menos subtil. Belíssima antologia que organiza, pela primeira vez, estes poemas dispersos e os apresenta traduzidos para português contemporâneo, tornado acessível a todos uma herança cultural extremamente rica do nosso património literário.

Guerra & Paz

António Pigafetta

A Primeira Viagem em Redor do Mundo

Na biografia que escreveu sobre Fernão de Magalhães, Stefan Zweig descreve António Pigafetta como “um singular idealista que se lança ao perigo, não por causa da glória ou do dinheiro, mas por genuína paixão de aventuras, diletante na mais bela aceção da palavra, põe a vida em perigo pela alegria de ver, de aprender e de admirar”. Em agosto de 1519, Fernão de Magalhães içou âncoras do porto de Sevilha na primeira viagem de circum-navegação do globo. Embarcado como representante da corte de Veneza, estava Antonio Pigafetta, um dos 18 sobreviventes da expedição, que foi o cronista da grande aventura, num livro publicado pela primeira vez em Veneza, em 1536, traduzido em várias línguas. Este relato vigoroso e preciso de uma das mais importantes expedições dos descobrimentos é agora publicado em português. Voltando a citar Stefan Zweig: “Nunca o feito histórico está completo quando realizado, mas quando é transmitido à posteridade. Os vultos históricos são sombras e as acções diluem-se no incomensurável mar dos acontecimentos, sem o cronista que as esculpe, quando as narra.”

Oficina do Livro

Saul Friedländer

Pio XII e o Terceiro Reich

Saul Friedländer, Professor na Universidade da Califórnia, é mundialmente reconhecido como um dos maiores especialistas do Nazismo e do genocídio dos judeus, assunto a que consagrou numerosos livros, nomeadamente a monumental obra em dois volumes A Alemanha Nazi e os Judeus. Foi galardoado com o Prémio Pulitzer, em 2008. Segundo o autor, o Papa Pio XII “sentia uma predilecção pela Alemanha que a natureza do regime nazi não parece ter atenuado” (…) e por outro lado “recava acima de tudo uma bolchevização da Europa”. A partir destes dois elementos, Friedländer analisa o silêncio da Papa perante o extermínio dos judeus. No momento da sua publicação, em 1964, a obra suscitou uma forte polémica, impondo-se depois como um livro de referência. Quase meio século mais tarde, em 2009, quando o Vaticano tinha já posto em marcha o processo de beatificação e canonização de Pio XII, o autor reinterpretou todo este material à luz de novos dados, dando origem ao presente livro que investiga a atitude do Sumo Pontífice perante a questão polaca, a derrota da França, o ataque alemão contra a União Soviética, a entrada dos EUA na guerra e os crimes nazis, nomeadamente a exterminação dos judeus.

Sextante Editora

Alain Corbin (Direcção)

História da Virilidade II

A virilitas romana, da qual a palavra virilidade deriva, funde as qualidades sexuais (do marido possante, procriador) com as qualidades psicológicas (do homem ponderado, vigoroso, corajoso e comedido), num ideal de força e vontade, segurança e maturidade, certeza e dominação, autoridade física e moral. Esta obra monumental reflete sobre a transformação do ideal viril nas sociedades ocidentais segundo as culturas e os tempos: os universos sociais, as subculturas, o ambiente urbano ou rural, guerreiro ou letrado. Uma questão deu origem ao presente estudo: a virilidade está em crise nas sociedades contemporâneas? Será ela própria um ideal anacrónico, fechado no passado ou estará a passar por mais um processo de metamorfose em busca de novas identidades? O primeiro de três volumes descreveu a formação do ideal viril na Grécia e na Roma Antiga e acompanhou as suas variações durante a época medieval e a Renascença. O segundo volume centra-se no século XIX, período em que o sistema de representações, de valores e normas que constitui a virilidade se impõe com força máxima, sobretudo através da expansão colonial e industrial.

Orfeu Negro

Rainer Maria Rilke

O Livro de Horas

Poeta austríaco (1875/1926), autor das Elegias de Duíno, Rainer Maria Rilke expressava um conceito da arte como vocação quase religiosa. Definia o seu processo de escrita como uma “reversão” através da qual os poemas lhe eram ditados por uma suposta “consciência universal”. Os seus temas são o amor, a morte, os terrores da infância, a angústia existencial e a questão de “Deus”, que via mais como uma “tendência do coração” do que como um ser supremo identificável. O presente volume, dividido em três livros,  está na base da fama de Rilke enquanto poeta. Os Livros de Horas eram breviários (livro de orações usado pelos sacerdotes) difundidos do século XII ao XVI e destinados a leigos, contendo orações para determinados momentos do dia, como é notório no primeiro livro deste volume. Os outros dois livros apontam para a vida como peregrinação, enfrentando adversidades como a pobreza e a morte. Jorge de Sena sublinhou a “magnificente imaginação metafórica” desta obra que descreveu como “poéticas meditações religiosas, embebidas do vocabulário do misticismo e do ritual católico, que o simbolismo francês pusera em moda”. Maria Teresa Furtado Dias, tradutora e apresentadora da obra, pela primeira vez publicada na íntegra em Portugal, propõe uma sua aproximação à estética da Arte Nova.

Assírio & Alvim

Chimamanda Ngozi Adiche

Todos devemos ser feministas

Esta edição adaptada aos mais jovens e ilustrada por Leire Salaberria parte de um famoso e influente ensaio pessoal onde Chimamanda Ngozi Adichie apresenta uma definição única do feminismo no século XXI. Nesta exploração sobre o que significa ser mulher nos dias que correm, a escritora parte da sua experiência pessoal e defende a inclusão, a igualdade e os direitos humanos, desafiando todos a sonhar e a planearem um mundo diferente. Chimamanda Ngozi Adiche, uma das escritoras mais importantes na actualidade, nasceu na Nigéria, em 1977, tendo ido estudar para os Estados Unidos aos dezanove anos. A sua obra está traduzida para mais de trinta línguas. É autora dos romances A Cor do Hibisco, Meio Sol Amarelo e Americanah; da coletânea de contos A Coisa À Volta do Teu Pescoço; e dos ensaios Todos Devemos ser Feministas e Querida Ijeawele. A sua obra foi já distinguida com diversos prémios, dos quais se destacam o National Book Critics Circle Award, o Orange Prize, o Commonwealth Writers’ Prize e o PEN Pinter 2018.

D. Quixote

 

Estes e outros livros estão presentes no novo podcast da Agenda Cultural de Lisboa, Livros em Agenda aqui