Os livros de março

Sete livros para ler com o advento da primavera

Os livros de março

O início da primavera convida à leitura ao ar livre: na esplanada, nos belos jardins de Lisboa ou à beira rio. Se não tiver à mão um bom livro, aceite uma das nossas sete sugestões: um conjunto de textos sobre o poder das imagens; as míticas narrativas de Xerazade; um estudo sobre a psicologia das multidões; um belíssimo poema de Peter Handke, Prémio Nobel de Literatura 2019; o testamento literário de Italo Calvino; um clássico da literatura portuguesa do século XIX ou uma obra singular, com belíssimas ilustrações, dedicada aos mais jovens.

António Mega Ferreira

Mais que Mil Imagens

“Uma imagem vale mais que mil palavras” é uma expressão popular de autoria do filósofo chinês Confúcio, utilizada para transmitir a ideia do poder da comunicação através das imagens. Contudo, para um escritor a emoção estética visual provoca frequentemente o desejo da escrita. A presente obra decorre, justamente, da vontade de dizer por palavras as razões pelas quais certas imagens foram tão importantes para o seu autor: António Mega Ferreira. É, justamente, nas suas palavras, um livro que resulta “de impulsos literários desencadeados por estímulos visuais”. O escritor submete ao seu escrutínio exigente, entre outras, uma pintura de Jan van Eyck, de Rafael de Fragonard ou de Picasso, uma fotografia de Edward Weston ou de Cindy Sherman, uma obra cinematográfica de Bergman ou uma peça de arquitectura de Oscar Niemeyer. A todas elas traz novas formas de percepção e de análise, numa valorosa tentativa de “transpor o abismo entre o que o criador diz e o que o espectador vê.”

Sextante

As Mil e uma Noites

2.º Volume

A labiríntica narração de Xerazade tem seduzido gerações de leitores conduzidos por um mundo lendário, mágico e alegórico, povoado de reis, califas, tapetes voadores, misteriosas princesas, enganos, e trágicos amores, em que exotismo e sensualidade se confundem. Porém, As Mil e uma Noites, é, simultaneamente, uma obra que faz parte do imaginário popular e uma das mais desconhecidas da literatura universal. As suas histórias, as mais antigas remontam ao século XIV, foram sucessivamente alteradas, aumentadas ou encurtadas e, até, inventadas por tradutores menos escrupulosos. As traduções portuguesas d’As Mil e uma Noites, começaram a circular no início do século XIX com base na tradução francesa de Antoine Galland, cheia de erros, de adaptações ao gosto europeu e, sobretudo, de acrescentos de histórias que dela nunca fizeram parte. Pela primeira vez em Portugal, Hugo Maia traduz este conjunto de textos a partir do árabe, com a preocupação de seguir o mais literalmente possível os originais. Eis, finalmente, as histórias de maravilhar de Xerazade reconstituídas com total autenticidade e esplendor.

E-Primatur

Gustave Le Bon

Psicologia das Multidões

“A alma de uma raça é constituída pelo conjunto de caracteres comuns que a hereditariedade imprime a todos os indivíduos dessa raça. Sempre que um certo número desses indivíduos se encontram reunidos em multidão para agirem, a observação demonstra que do próprio facto da sua aproximação resultam determinados caracteres psíquicos novos, que se sobrepõem aos caracteres da raça e, por vezes, deles profundamente diferem”. O presente ensaio de Gustave Le Bon sobre as funções que as multidões organizadas têm desempenhado na vida dos povos foi, na sua época, desprezado pela Academia. Le Bon incorporava Darwin e Haeckel nos seus conceitos de hereditariedade e da natureza humana e reflectia sobre o ambientalismo ou sobre o ensino igualitário. Exerceu, porém, uma reconhecida influência em personalidades tão distintas como Freud, Hitler, Ortega Y Gasset, Lenine ou Roosevelt. Num mundo em plena globalização este ensaio continua a ser uma das mais compreensivas análises sobre como os seres humanos se comportam em sociedade e em grupo.

Bookbuilders

Peter Handke

Poema à Duração

O filósofo Henry Bergson, opôs-se ao positivismo e ao materialismo desenvolvendo uma análise crítica do conhecimento fundamentada nos conceitos de memória, duração e intuição. Ao adoptar a biologia, a fisiologia e a psicologia como bases do seu pensamento influenciou várias áreas da criação artística como o cinema e a literatura (Marcel Proust incluiu na sua obra Em Busca do Tempo Perdido conceções de Bergson sobre a memória). Também Peter Handke, Prémio Nobel de Literatura 2019, se baseou em Bergson, neste caso no conceito de duração, para compor este extenso e belíssimo poema, longe do estilo provocatório das suas obras mais icónicas. Para Handke, a duração “exige a poesia” (“O impulso da duração / já começa por si a entoar um poema”). Neste “poema de amor não carnal”, evoca o tempo como sensação de continuidade, os lugares que permitem sentir a duração e a comunhão consigo próprio que ela representa. Define a duração como “o mais fugidio de todos os sentimentos”, “um brando acorde feito de silêncio, / que leva à união e à perfeita sintonia de todas as dissonâncias”.

Assírio & Alvim


Italo Calvino

Palomar

Último livro publicado em vida por Italo Calvino, Palomar é uma narrativa fascinante sobre a vertigem do homem diante dos implacáveis mistérios do universo. Considerado o testamento literário do grande escritor italiano nascido em Cuba, nos arredores de Havana em 1923, conduz o leitor através de um inquérito de resultados surpreendentes: o senhor Palomar é sem dúvida um alter-ego autor, mas não só. São todos os seus leitores. Será possível encontrarmos um sentido nas coisas, no mundo à nossa volta? E dentro de nós próprios? O senhor Palomar está muito longe de ter alguma certeza quanto a tudo isso. Todavia, continua à procura. Homem excêntrico em busca de conhecimento, visionário num mundo sublime e ridículo, Palomar é um observador nato. «Só depois de ter conhecido a superfície das coisas», acredita ele, «nos podemos aventurar a procurar o que está por baixo.» Seja contemplando um seio nu, uma loja de queijos em Paris, a barriga de uma osga ou os céus de Roma invadidos por estorninhos, o senhor Palomar oferece-nos uma visão do mundo familiar, mas fragmentada pela perceção individual.

Dom Quixote

Júlio Dinis

Uma Família Inglesa

Revelado um ano antes em folhetins, no Jornal do Porto, o romance Uma Família Inglesa seria publicado em volume em 1868, afirmando a singularidade de Júlio Dinis na literatura portuguesa. Os dias de Carlos Whitestone, jovem herdeiro de um lucrativo negócio de exportações, são passados em pleno devaneio boémio nas ruas, nos cafés e na noite da cidade do Porto. Por alturas do Carnaval, num baile de máscaras, Carlos apaixona-se por uma rapariga belíssima, cuja identidade desconhece, mas que irá descobrir tratar-se de Cecília, filha do modesto e obediente guarda-livros que trabalha para o seu pai. É a história deste casal aquela que se narra em Uma Família Inglesa: a força do seu encontro e a mudança a que ele os obrigará, denunciando os dois grandes temas da obra – a família e o trabalho. A reedição deste belo romance vem possibilitar o acesso de novos leitores à obra de um dos escritores determinantes na literatura portuguesa do século XIX.

Livros do Brasil

Rémi Courgeon

Endireita-te

Toda a sua vida, Adjoa levou à cabeça baldes, milho, gasolina, cabaças, desgostos, feijão, bananas, segredos difíceis de guardar… sempre de cabeça erguida e dentes cerrados, tal como lhe ensinaram. Até porque onde Adjoa vive, em Djougou, para que uma menina cresça, põe-lhe coisas na cabeça. De um jeito poético e inusitado, através de belíssimas imagens repletas de cor local, este livro singular mostra como se podem transformar objetos de dor em atos de amor. Rémi Courgeon é um autor de literatura para a infância, ilustrador e pintor francês. Realizou, igualmente, uma série de cadernos de viagem e reportagens desenhada: sobre os Dogons no Mali em 2002 para a revista Geo, sobre a sida no Quénia para os Médicos sem fronteiras em 2006 e sobre a reconstrução após o sismo de 2010 no Haiti para os médicos do Mundo. Realistou várias exposições de pintura nos Estados Unidos da América e em França.

Orfeu Negro