Olhar para a vida a partir da morte

"A Morte de Raquel" no Teatro São Luiz

Olhar para a vida a partir da morte

Raquel Castro antevê a sua morte aos 99 anos, correrá o ano da graça de 2080. Para isso, a atriz preparou o próprio funeral, deixando nas mãos de três colegas a responsabilidade de conduzir uma cerimónia que, mais do que fúnebre, vai ser uma festa de exaltação da vida passada e de uma imaginada vida futura. A Morte de Raquel estreia a 26 de fevereiro, na Sala Estúdio do Teatro São Luiz.

“Fosse como fosse, eu gostava de ser lembrada”, cantam, à memória de Raquel Castro, os atores Joana Bárcia, Nuno Nunes e Rita Morais num dos momentos deste exercício de “autoficção” onde a atriz e autora encena o próprio funeral. Tudo se passa num palco de teatro, em redor de um caixão onde Raquel jaz após ter cumprido 99 anos de vida.

Nascida em 1981, Raquel preparou a sua cerimónia fúnebre ao pormenor. Durante o tempo em que decorre, e de forma não diacrónica, os cicerones percorrem o legado de uma mulher que foi atriz, da infância à morte passando pelas memórias de infância, pelas aventuras de adolescência, pela revelação do teatro, pelos amores e pela maternidade, pelas conquistas e pelas frustrações do quotidiano.

Para conceber esta “autoficção” (termo que a autora diz ser o mais adequado para caracterizar o espetáculo), Raquel Castro percorreu a sua biografia até 2020 e combinou-a com um futuro imaginado que atravessa as décadas que faltam até 2080, ano da morte. “A peça é construída como se fosse um livro de memórias, da vida de uma pessoa que sou eu mesma”, salienta a autora. “E tudo isso é biográfico, até colidir num tempo futuro, onde se cria um outro espaço de vida.”

Sem querer que o espetáculo assuma uma qualquer propensão lúgubre, Raquel Castro confessa ter-se embrenhado “naquele que foi um processo solitário e íntimo” de escrita e criação como resposta ao “medo da morte”. “Quando fui mãe pela primeira vez percecionei esse medo. Sim, hoje, tenho mais medo de morrer, por isso, este foi muitas vezes um trabalho doloroso.”

Apesar desse medo e de tudo o que significa partir da morte (mesmo que fictícia) para olhar a vida, A Morte de Raquel é um espetáculo festivo, uma celebração do tempo, dos lugares e dos momentos de uma personagem, real ou imaginada, que, como todas, na vida e no teatro, “gostava de ser lembrada.”

Em cena, até 11 de março.