Dois escritores unidos pelo mar

No bicentenário de Melville e Whitman

Dois escritores unidos pelo mar

Um conjunto de eventos promovidos pelo Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa celebram, até meados de julho, o bicentenário do nascimento dos autores norte-americanos Walt Whitman (1819-1892) e Herman Melville (1819-1891).

Herman Melville apaixonado pelas histórias de marinheiros e do mar, às quais acrescenta uma dimensão metafísica e alegórica, fascinado pelo tema do mal e pelos aspectos mais sombrios da natureza humana. Jorge Luís Borges comparou as suas duas obras mais famosas, o monumental romance Moby Dick e o conto Bartleby, o Escrivão, encontrando “semelhanças na loucura dos dois protagonistas e na incrível circunstância de uma tal loucura contagiar todos os que os rodeiam”.

O poeta visionário Walt Whitman, através do seu idealismo democrático e do seu forte individualismo, ajudou a cunhar a identidade moderna dos Estados Unidos da América (EUA). A sua obra-prima em verso livre, Folhas de Erva, foi publicada em 1855 e continuamente ampliada até 1891. Pouco apreciado pelos seus contemporâneos, que consideravam as suas alusões ao corpo masculino e a dimensão sensual da sua poesia inapropriada, veio a exercer grande influencia nas novas gerações de poetas. Escreveu nas Folhas de Erva: “Na cabine dos navios em pleno mar” (…) “entre marinheiros jovens e velhos serei eu, uma reminiscência da terra, lido, /em plena harmonia, afinal”.

Uma série de eventos promovidos pelo Centro de Estudos Anglísticos da Universidade de Lisboa celebram o bicentenário do nascimento dos dois vultos maiores da Literatura dos EUA. Uma exposição na Biblioteca Nacional (31 de maio a 30 de agosto), contará na abertura com uma tertúlia com académicos, poetas e público em geral, assim como um concerto de canções spoken word com projecção de vídeo no âmbito de uma colaboração entre Bernardo Palmeirim, membro da banda NOZ, e jovens músicos ligados à Faculdade de Letras da ULisboa.

Um congresso internacional na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (3 a 5 de julho) explorará a estética associada aos oceanos assim como as dinâmicas literárias transnacionais que Melville, Whitman e vários escritores de ambos os lados do Atlântico forjaram, reunindo especialistas de todo o mundo, nomeadamente Dana Luciano (Rutgers University) e Mary Bercaw Edwards (University of Connecticut).

Por fim, o ciclo de cinema intitulado Melville and Whitman on the Screen decorrerá na Cinemateca Portuguesa de 1 a 15 julho. Recorde-se que entre as adaptações à sétima arte de obras de Melville se contam Moby Dick (1956), de John Huston, com Gregory Peck e Orson Welles, Billy Bud (1962), de e com Peter Ustinov, e As Ilhas Encantadas (1965), de Carlos Villardebó, que deu a Amália Rodrigues o seu mais intenso papel dramático no cinema.

Com as celebrações, pretende-se dar visibilidade à obra dos dois autores, colocar em destaque a relação atlântica EUA-Europa, bem como explorar o tema do mar nos estudos intercultuais e nas humanidades ambientais.

Algumas publicações

A Relógio D’Água editou, em 2005, Moby Dick com tradução de Alfredo Margarido e Daniel Gonçalves. O capitão Ahab impõe à sua tripulação a concretização do seu maior desejo: destruir a grande baleia branca. Para Ahab, o monstro que destruiu o seu corpo não é uma criatura, mas sim o símbolo de algo desconhecido que precisa dominar.

A E-Primatur editou, este ano, a ficção curta completa de Herman Melville. Numa tradução de Virgílio Tenreiro Viseu, o volume inclui contos tão famosos como Billy Budd, Marinheiro, Benito Cereno ou As Encantadas ou Ilhas Encantadas.

Com chancela da Relógio D’Água, Folhas de Erva foi publicada numa tradução de Maria de Lourdes Guimarães distinguida com o Grande Prémio Internacioanl de Tradução Literária 2002. Whitman reescreveu incessantemente a sua obra-prima, assumindo sempre que “os cantos mais belos e profundos ainda estão à espera de ser cantados.”

A editora Guerra & Paz publicou em 2017 Canto de Mim Mesmo conjuntamente com Saudação a Walt Whitman de Fernando Pessoa, poeta que, segundo Harold Bloom , era o maior herdeiro português de Whitman. A edição inclui uma apresentação de Jerónimo Pizarro.