Ao encontro libertador das pulsões

'A Importância de Ser Georges Bataille' de Miguel Bonneville

Ao encontro libertador das pulsões

Miguel Bonneville não gosta de explicar o seu trabalho. Não gosta de apresentar uma grelha de leitura. Prefere que seja o espectador a estabelecer um entendimento com base na sua experiência e nas sensações despertadas. Seremos cúmplices de Bonneville e não faremos qualquer interpretação definitiva com base no ensaio de imprensa a que assistimos. Apenas a descrição do que tínhamos pela frente. Um espaço quase vazio e na penumbra, monocromático, o negro e o cinzento do chão e paredes, um corpo fálico insuflável que preenchia quase toda a parede do fundo, os intérpretes ainda não trajando os figurinos definitivos, mas vestidos igualmente de cinza e negro. O espaço sugere uma caverna futurista, quiçá pós-apocalíptica, quiçá num outro planeta. Um cenário da saga Alien também é possível de ali ver sugerido, e as figuras deste espectáculo também as podemos olhar enquanto corpos algures entre o humano, o pós-humano e o alienígena.

Não existe uma narrativa apreensível. Miguel Bonneville fez disso ponto de honra. A ideia para o espectáculo teve origem numa residência artística em França e a inspiração primeira veio do cinema: o Week End (1967) de Jean-Luc Godard e Ma mère (2004) de Christophe Honoré. Bataille era uma referência em ambos e Miguel Bonneville até pensou inicialmente em fazer um filme, projeto posto de parte face às óbvias dificuldades (custos) de tal produção. As ideias do guião que chegou a existir mudaram-se para o palco e os intérpretes escolhidos (Afonso Santos, Vanda Cerejo, Catarina Feijão e Francisco Rolo) para entrar num método de descoberta partilhada, tiveram autonomia para criar o seu próprio movimento, com abertura ao improviso.

Os gestos de cada um, primeiramente rígidos ou ao ralenti, parecem indicar que estão condenados a uma repetição de que não se conseguem libertar. Soltam-se mais tarde, por uma progressiva sexualização da “coreografia”, e por intermédio de um processo que os fará a todos interagir e, de certa forma, chegarem a fundir-se uns com os outros (a sugestão de uma possível orgia fica no ar). Poderá ver-se aqui uma ideia de utopia, da liberdade do sentido até ao encontro libertador das pulsões. Fica à consideração de cada espectador. Final em aberto, com música eletrónica dançante.

A Importância de Ser Georges Bataille estreia a 14 de maio, na Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz.