Da margem de lá do Mediterrâneo

'Retrato de Mulher Árabe que Olha o Mar’ estreia no Teatro da Politécnica

Da margem de lá do Mediterrâneo

Depois de João Pedro Mamede ter dirigido Sweet Home Europa, o teatro do dramaturgo italiano Davide Carnevali regressa a Lisboa com Retrato de Mulher Árabe que Olha o Mar. Jorge Silva Melo encena esta “história típica do ‘orientalismo’, injetada com tantos dos nossos dramas de agora.”

Numa cidade costeira do norte de África, um homem europeu seduz uma jovem mulher local. Ele promete levá-la para lá de todo o mar que se lhes depara; ela deseja percorrer com ele tudo o que fica para além daquele mar. No entanto, como numa tempestade que subitamente emerge, algo de trágico estará preste a acontecer.

Pela primeira vez, a peça Retrato de Mulher Árabe que Olha o Mar do autor italiano Davide Carnevali é representada no estrangeiro, numa produção dos Artistas Unidos, encenada por Jorge Silva Melo. Para o encenador, o texto, do qual assume gostar particularmente, é “uma versão de Madame Butterfly e das odaliscas de Matisse”, “uma história típica do ‘orientalismo’” (com Eduard Said bem presente), onde o autor introduz “tantos dos nossos dramas de agora”, nomeadamente o medo do outro e a relação entre culturas distintas.

Jogando com subtilezas e pontuais ambiguidades para caracterizar os seus protagonistas, Carnevali recusa apresentar uma visão estereotipada da mulher “árabe” (ela insurge-se recorrentemente contra ser assim considerada, denunciando mesmo a ignorância dos estrangeiros) e, ao mesmo tempo, do próprio homem europeu. Ela rejeita, precisamente, o padrão da “mulher árabe”, afirmando-se “livre” e “vinda de uma família de visões amplas”; ele é, como indica Silva Melo, “um homem dividido, frágil, inseguro”, independentemente de sustentar “o fantasma sexual da odalisca”, que lhe induz uma certa virilidade eurocêntrica e, consequentemente, colonialista, de superioridade sobre os locais.

Esta história de paixão e vingança contada em dez cenas é, também, uma reflexão sobre a incomunicabilidade. Como refere a tradutora da peça para francês, Caroline Michele, “a questão da língua, omnipresente [Carnevali, no texto original, aponta que os personagens “falam línguas diferentes, que não conhecemos, não conseguimos distinguir”], é consequentemente colocada, desenvolvida, e com ela a da tradução, dos seus pontos fortes e das suas limitações: porque todas as personagens lutam e jogam com a arma que é a sua língua, o seu dialeto, à vez aproximando-se e afastando-se do outro.”

Para além de Inês Pereira e João Meireles nos papéis principais, Retrato de Mulher Árabe a Olhar o Mar conta ainda com interpretações de Nuno Gonçalo Rodrigues e Margarida Correia. E, para acentuar o mar que separa as margens, Jorge Silva Melo decidiu introduzir várias telas do pintor Pedro Chorão, pois “se há alguém que fale das águas transparentes do sul, é ele.”