Do Bairro da Encarnação a Olivais Antigo

Itinerários de Lisboa

Do Bairro da Encarnação a Olivais Antigo

Nos limites de Lisboa, zona de quintas e campos, surgiu uma nova cidade. Impulsionada pelo Estado Novo, inclui bairros e áreas residenciais bem diferenciadas e organizadas, onde abundam os espaços verdes. Fomos conhecer esta urbanização harmoniosa e espaçosa que convive com zonas mais antigas que ainda preservam marcas de ruralidade. Ao longo do percurso é-nos revelada a arquitetura, história e algumas curiosidades dos Olivais Norte, do Bairro da Encarnação, e dos Olivais Velho.

A Rua General Silva Freire, que tem início nos Olivais Norte e termina na Encarnação, na Rua dos Logistas, serve de ponto de partida a este itinerário. Mais concretamente no resquício do Aqueduto da antiga Quinta de São João da Panasqueira, antigo local de azinhagas e quintas. A política de Obras Públicas do Estado Novo trouxe grandes transformações a este local. Na época, Oliveira Salazar pretendia expandir a cidade, edificando a “casa portuguesa” para vários grupos sociais: funcionários públicos, comerciantes, entre outros. Duarte Pacheco foi o ministro que levou a cabo o programa Novos Bairro que dá origem ao Bairro Social da Encarnação, entre 1940 e 1946. Nos anos de 1960, o Gabinete Técnico de Habitação da Câmara Municipal de Lisboa inicia o primeiro projeto de habitação social nos Olivais-Norte. Numa área de 40 hectares a construção é dividida em células, que seguiam os pressupostos urbanísticos contemporâneos para a época, provenientes da Carta de Atenas.

Seguimos caminho até à Escola Primária, nº 175, da autoria de Joaquim Bento de Almeida e Victor Palla. Construída ao abrigo do Plano dos Centenários, programa de construção em larga escala, promovido pelo Estado Novo com o objetivo de criar uma rede escolar de abrangência nacional, é exemplo de uma viragem na arquitetura moderna. Sem monumentalidade, apresenta uma visão humanizada e funcional do edifício. Atualmente este espaço alberga a escola básica do 1.º ciclo e jardim-de-infância de Santa Maria dos olivais.

Um pouco mais adiante, ainda na R. General Silva Freire, ergue-se o edifício de habitação 55-55 A, Prémio Valmor, em 1967, projetado pelos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e António Pinto Freitas para a Sociedade Cooperativa O Lar Familiar. Pela primeira vez um edifício de tipologia social é digno deste reconhecimento, no entanto a distinção gerou alguma polémica, uma vez que já existiam outros cinco edifícios de traça igual. A torre, mais alta do que os edifícios circundantes, correspondia à conceção inovadora do espaço que se pretendia para a zona – delimitações específicas para peões e veículos, abundância de áreas verdes e boa exposição solar. Cada uma das torres tem 8 pisos, sendo os apartamentos construídos em torno de uma zona de escadas, ascensor e patamar excecionalmente ampla. O objetivo era favorecer a permanência e sociabilização entre os moradores. Um tratamento escultórico na área das escadas e exterior pretendia oferecer uma certa dignidade ao ambiente das edificações económicas.

A marcha prossegue e chegamos à Rua dos Lojistas, uma das mais emblemáticas do Bairro da Encarnação. Da autoria do arquiteto Paulino Montez, o Bairro da Encarnação é inaugurado em 1946. Reproduzia o modelo de aldeia portuguesa e apresenta a forma de uma borboleta, podendo ser admirado através de vista aérea. As casas da Encarnação são unifamiliares, com três tipologias e rodeadas por um jardim próprio, daí a denominação de Bairro Jardim. Na Praça Norte do bairro, frente ao Mercado, somos surpreendidos pela estátua A Varina. Em bronze, com dois metros de altura, foi executada pelo escultor José Laranjeira Santos, em 1965 e ali colocada numa alusão ao local onde funciona, hoje, o Mercado da Encarnação Norte.

Chegamos ao cimo da Alameda da Encarnação onde se ergue a Igreja da Encarnação, também conhecida como Igreja de Santo Eugénio. Da autoria do arquiteto Fernando Peres é uma igreja de linhas simples que apresenta diversos elementos que remetem para a relação papal. O nome evoca Stº Eugénio de Toledo, numa homenagem ao nome de batismo do Papa Pio XII (Eugénio Pacelli). Destaque para o fresco de Lino António que cobre o fundo da capela-mor e que apresenta várias cenas relativas a Pio XII, entre elas a ordenação episcopal a 13 de maio de 1917 e a aparição de Nossa Senhora de Fátima aos pastorinhos. O próprio Papa oferece para adornar o altar-mor, a imagem em bronze de Santo Eugénio.

No extremo norte da Alameda da Encarnação é de notar a estátua do General Ferreira do Amaral. Militar e político português da primeira metade do séc. XIX, João Ferreira do Amaral (1801-1849) foi governador de Macau e ficou para a história por ter conseguido conquistar a autonomia do território face à China. Os chineses mataram-no, insatisfeitos com as políticas que defendia a favor de Portugal. A estátua em bronze que agora se encontra na Encarnação é da autoria de Maximiliano Alves, e data de 1940. Enviada de Macau para Portugal quando é feita a transição do território macaense para a China, é inaugurada em Lisboa, em 1999. Consta que muitos habitantes do bairro foram surpreendidos por esta obra, que lhes apareceu à porta de um dia para o outro.

Passamos pelo Mercado da Encarnação Sul e seguimos em direção à Avenida de Berlim conhecida em tempos como a avenida de ligação entre aeroportos (o Aeroporto da Portela e o Aeroporto Marítimo de Cabo Ruivo, onde até meados dos anos 1940 amaravam hidroaviões) que divide os Olivais Norte e Sul. Na confluência desta avenida com a Av. Dr. Francisco Luís Gomes é possível vislumbrar uma obra em sucata de aço, chapa metálica e ferro, com 3 toneladas de peso que pretende ser uma alegoria à Reconstrução do Homem. Intitulada Recriação, é da autoria de Lúcio Bittencourt. A caminho dos Olivais Sul passamos pela Piscina Municipal dos Olivais, construída em terrenos cedidos pela Viscondessa de Valdemouro. Projetada pelos arquitetos Aníbal Barros da Fonseca e Eduardo Paiva Lopes abriu portas em 1967 e foi a primeira a existir na cidade com características olímpicas.

Um pouco mais à frente situa-se a SFUCO – Sociedade Filarmónica União e Capricho Olivalense, coletividade da freguesia de Santa Maria dos Olivais fundada em 1886. A importância da instituição não provém apenas dos seus 132 anos de história, que fazem da coletividade a mais antiga da freguesia, mas também da relevância cultural que tem. A sua atividade desenvolve-se, quase exclusivamente, no campo da cultura musical, através da Centenária Banda e Escola de Música de onde saem os executantes que a compõem. A banda tem apresentado concertos em diversos pontos de Portugal e Espanha e é dirigida desde 2012, pelo Maestro Luís Filipe Henriques Ferreira.

A caminho da Quinta da Fonte do Anjo, nos Olivais Sul, é-nos dado a conhecer um pouco da história do Convento de São Cornélio que, em 1674, acolhia uma comunidade de frades arrábidos. No terreno onde se erguia o convento encontramos hoje o Cemitério dos Olivais. Estacamos frente ao portão da Quinta da Fonte do Anjo, da qual existem registos que remontam a 1384. A construção pombalina está inserida num complexo rústico. Em 1762 é construída a capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, revestida com azulejos historiados que representam a vida da Virgem. Em 1834 o primeiro Duque de Palmela compra a quinta e oferece-a à Duquesa, sua mulher, como forma de recompensa pelas joias que esta vendeu e que lhes permitiu subsistir durante as Lutas Liberais. Com a expansão urbana e a expropriação de terrenos levadas a cabo por Duarte Pacheco, na década de 1940, a área da Quinta foi diminuindo. Hoje, ainda é habitada pela família do Visconde de Valdemouro.

Quase a finalizar o percurso chegamos à Igreja Matriz de Santa Maria dos Olivais, situada na zona conhecida como Olivais Velho. Reza a lenda que a imagem da padroeira terá aparecido numa oliveira, acontecimento que levou à construção da igreja neste local. A primeira referência à igreja remonta ao século XIV, mas é no século XVI que esta zona dos Olivais se começa a definir, com a construção de casas em redor da matriz. A traça da atual igreja data do século XVII. Com o Terramoto de 1755 o edifício fica muito danificado, mas foi prontamente reconstruído. Perto da igreja há um edifício com uma inscrição que faz referência a F. A. Gouveia. As iniciais são de Francisco Alves Gouveia, industrial que em 1874 funda a Estamparia Alves Gouveia. Cerca de 20 anos antes nascia o caminho-de-ferro (1856) que fazia a ligação entre Lisboa e o Carregado. Os Olivais tinham uma estação própria o que facilitava o escoamento de produtos e como consequência a fixação de várias indústrias no local. Foi o caso da atividade deste empresário que edificou parte das casas da zona para albergar os seus funcionários.

Terminamos o percurso na chamada Praça da Viscondessa, situada na zona posterior à Igreja Matriz. O Rossio – mais tarde Pç. da Viscondessa –começa a desenhar-se depois do terramoto. Surgem assim os primeiros arruamentos, como a Calçadinha dos Olivais, a Rua Nova ou a Rua das Casas Novas. A praça é definida por uma série de edifícios construídos entre os séculos XVII e XIX, e dos quais se destacam o antigo asilo-escola da Viscondessa, a Casa dos Almadas, a Quinta de Santo António da Boiça e a Quinta dos Buracos. Entre 1891 a 1896, foi erguido um chafariz, um urinol público em ferro e um coreto, onde a Filarmónica Capricho Olivalense atuava, e que é também símbolo dos ideais revolucionários e republicanos. A prová-lo uma referência subtil que se encontra na sua base: uma pedra em forma de barrete frígio, símbolo da liberdade adotado pelos republicanos.