Os Palácios da Junqueira

Itinerários de Lisboa

Os Palácios da Junqueira

Percorre-se a Rua da Junqueira entre a surpresa e o encantamento. Ao longo da estrada larga que conduz a Belém alinham-se velhas casas senhoriais, algumas fechadas e entregues à vegetação selvagem.  Para os apreciadores de cenários românticos e de histórias de aristocratas, este é o sítio para conhecer em Lisboa, tal a profusão de nomes e títulos nobiliárquicos que por aqui passaram em pouco mais de três séculos. Chega-se ao fim da rua com uma sensação de grandeza e imponência, conquistada e perdida. Conquistada a terrenos pantanosos desde o século XVIII, numa zona designada por juncal. Perdida, a partir de finais do século XIX, quando o crescimento urbano afasta os palácios do rio e retalha as quintas com arruamentos.

Os juncos acumulados junto à foz do Rio Seco, que aqui desaguava e que corre ainda no subsolo,  estão na origem do nome Junqueira. Usado pela primeira vez num documento oficial do reinado de D. Dinis, no qual o monarca doa os terrenos deste sítio à Abadessa do Mosteiro de Odivelas, D. Urraca Pais, viria a fixar-se na toponímia da cidade no século XVIII.  Durante este século assiste-se a uma corrida à zona por parte de famílias nobres que aqui ergueram quintas de veraneio com sumptuosos palácios onde o rio chegava.

O percurso pela memória aristocrática da Junqueira começa no Palácio dos Condes da Ribeira Grande, cujo brasão ornamenta  a fachada. Mais conhecido por aqui ter funcionado o Liceu Rainha D. Amélia, foi construído no início do século XVIII  por Francisco Baltasar da Gama, marquês de Nisa e descendente de Vasco da Gama. Comprado mais tarde pelo conde da Ribeira Grande foi pouco afectado pelo Terramoto de 1755. Nele viveu o único filho do conde, D. Gonçalves Zarco da Câmara, o primeiro nomeado português ao Prémio Nobel da Literatura. Apesar de bastante alterado depois da adaptação a estabelecimento de ensino na década de 1920, conservou os  traços originais na fachada, nos jardins e na capela dedicada a Nossa Senhora do Carmo.  Aguarda o início das obras que o transformarão num hotel e museu.

Passando a travessa dos Condes da Ribeira, encontra-se o Palácio Burnay, um dos mais imponentes edifícios desta rua. Classificado como Imóvel de Interesse Público é, na sua feição actual, uma construção do século XIX, mas a sua origem remonta ao início do século XVIII quando o irmão do conde de Sabugosa aqui ergueu uma casa. A seguir ao terramoto de 1755 foi comprado pelo Patriarca de Lisboa, D. Francisco de Saldanha, para residência de verão, sendo conhecido a partir de então, e durante quase um século, por Palácio dos Patriarcas. Na primeira metade do século XIX, muda novamente de mãos, sendo adquirido pelo financeiro brasileiro Manuel António da Fonseca, alcunhado de Monte Cristo, que o remodela ao gosto burguês oitocentista. Poucos anos depois, este homem excêntrico de quem se dizia que bebia chá por taças de ouro, vende o Palácio a D. Sebastião de Bourbon, infante de Espanha e neto do rei de Portugal, D. João VI. Alienado pelos seus herdeiros, foi comprado num leilão em 1879 pelo conde de Burnay que realizou obras profundas, nas quais participaram artistas como Rodrigues Pita, Ordoñes,  Malhoa e os italianos Carlo Grossi  e Paolo Sozzi. Depois da morte do conde, o Palácio foi comprado pelo Estado à sua viúva, tendo sido aí instalados diversos serviços . Nos anos mais recentes acolheu o Instituto de Investigação Científica Tropical.

Ao lado ergue-se o Palácio dos Condes da Ponte que aqui habitaram até finais do segundo quartel do século XVIII. Os registos dizem que depois disso pertenceu  a um membro da família Posser de Andrade e que aqui terá ficado hospedado o núncio apostólico Acciaioli, expulso de Portugal no tempo do Marquês de Pombal. Em 1945 foi adquirido pela Administração do Porto de Lisboa e sofreu várias alterações.  No exterior, o seu jardim e cerca foram parcialmente ocupados aquando da construção do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e de alguns pavilhões do Hospital Egas Moniz.


O Palácio Pessanha Valada, o próximo da correnteza, deve o nome a dois dos seus proprietários:  D. João da Silva Pessanha, responsável pela sua construção depois do terramoto de 1755, e o 2º marquês de Valada, D. José de Meneses da Silveira e Castro, Par do Reino do Conselho de D. Luís e oficial-mor da Casa Real, homem conhecido pela sua inteligência e erudição. Em frente a esta casa existiu um antigo forte convertido em prisão no reinado de D. José, onde estiveram presos o Marquês de Alorna e o padre Malagrida. Foi demolida em 1939 aquando das obras da Exposição do Mundo Português.

Passando o Hospital Egas Moniz, o caminho é interrompido pelo início da Calçada da Boa Hora onde se situa o Palácio da Ega, cuja história se encontra ligada ao apogeu e decadência da família Saldanha. O primitivo edifício, datado do século XVI, foi alvo de uma profunda campanha de obras no século XVIII, era então proprietário o 2º conde da Ega, Aires José Maria de Saldanha. É desta época o faustoso Salão Pompeia, revestido com painéis de azulejos holandeses representando vistas de portos europeus, que se encontra classificado como Imóvel de Interesse Público. Na época das Invasões Francesas, esta casa conheceu dias de glória pelas festas promovidas pelo conde, nas quais era convidado assíduo o general Junot. A amizade com os invasores levou a família ao exílio e o Palácio serviu primeiro como hospital e depois  como quartel-general do marechal Beresford a quem acabou por ser doado por D. João VI, em 1820. Três anos depois a família Saldanha é reabilitada e requer a propriedade que, contudo, não consegue manter. É vendida e passa por vários proprietários até ser adquirida pelo Estado em 1919 que aqui instalou o Arquivo Histórico Colonial (hoje Arquivo Histórico Ultramarino).

Um extenso muro bordejado por árvores acompanha o regresso à Rua da Junqueira. O muro delimita a Quinta das Águias, o magnífico conjunto do século XVIII hoje votado ao abandono, apesar de classificado como Imóvel de Interesse Público. A origem desta quinta remonta a 1713 quando um advogado da Casa da Suplicação aqui construiu um palácio. A propriedade foi vendida em 1731 a Diogo de Mendonça Corte-Real, Secretário de Estado no reinado de João V,  que nela empreendeu grandes obras, julga-se que sob a responsabilidade de Carlos Mardel, de quem era próximo. Diogo Corte-Real viria a ser condenado ao degredo pelo Marquês de Pombal e nunca mais regressou à Junqueira. Após a sua morte, em 1771, uma longa disputa entre os seus herdeiros e a Santa Casa da Misericórdia, a quem o ex-secretário legara  seus bens, conduz ao abandono e ruína da quinta. Em 1841 foi comprada em hasta pública pelo empresário José Dias Leite Sampaio que a recupera, presume-se que com projecto do italiano Fortunato Lodi. Depois da sua morte a Quinta das Águias, que deve o seu nome às duas grandes águias de pedra que ladeavam o portão, passou por vários proprietários, entre os quais o Dr. Fausto Lopo Patrício de Carvalho, que entre 1933 e 1937 realiza obras profundas com a ajuda dos arquitectos Vasco Regaleira e Jorge Segurado. Atualmente, o Palácio que foi várias vezes roubado e vandalizado, encontra-se à venda.

Uns passos adiante, numa reentrância da rua, o colorido do Chafariz da Junqueira impõe uma paragem. Construído em 1821 sob o traçado do arquitecto Honorato Macedo e Sá, entrou em funcionamento no ano seguinte. Inicialmente alimentado por uma mina de água localizada no Alto de Santo Amaro, passou a ser servido, a partir de 1838, por uma nova fonte próxima do Rio Seco. O arranjo actual é da autoria de Raul Lino que mandou colocar reproduções de azulejos rococó. Em frente, erguem-se as traseiras da Cordoaria Nacional, edifício que se estende por cerca de 400 metros e que foi um dos primeiros pólos industriais da Junqueira. Criada no século XVIII por decreto do Marquês de Pombal, produzia cabos, velas, tecidos e bandeiras.

Algumas portas acima, surge um dos mais notáveis edifícios da Junqueira, a Casa de Lázaro Leitão Aranha onde hoje se encontra instalada a Universidade Lusíada. Edificada em 1734 por esta importante figura do reinado de D. João V, que entregou a obra a Carlos Mardel, esta casa acolheu inquilinos ilustres como o príncipe Carlos Mecklemburgo, cunhado do rei de Inglaterra. Foi também palco de escândalos como o rapto de D. Eugenia José de Meneses, levado a cabo em 1803 pelo médico da corte, João Francisco de Oliveira, com a suspeita de ter sido um serviço prestado ao príncipe D. João, o verdadeiro sedutor. O Palácio foi passando por vários proprietários que efectuaram obras a cargo de arquitectos como Korrodi, Bigaglia, Francisco Vilaça e Raul Lino. Numa dessas campanhas, a capela de 1740 dedicada a Nossa Senhora da Conceição foi convertida em cocheira, tendo os azulejos originais sido tapados por paredes de alvenaria.

A caminho do último ponto do percurso podem observar-se, à esquerda, duas moradias Arte Nova  com fachadas embelezadas com arcos decorativos e varandas de ferro forjado. Frente ao Palácio do Marquês de Angeja, no Largo com o mesmo nome, regressamos ao século XVIII.  Depois de ver a sua casa destruída no Terramoto de 1755, o marquês, D. Pedro António de Noronha e Albuquerque, recebeu da coroa os terrenos na Junqueira onde antes existira um forte,  para construção de nova habitação. Diz-se que aqui se terá refugiado D. José I depois do atentado de que foi alvo em 1758. O Palácio manteve-se na posse da família Angeja até 1910, data em que foi comprado pelo comerciante José Alves Diniz que o transformou em prédio de rendimento, tendo tido como inquilinos figuras ilustres como Bernardino Machado e Almeida Garrett. Na ala poente do Palácio, onde funcionou uma escola, encontra-se instalada desde 1965 a Biblioteca Municipal de Belém.