A mulher que coleciona pessoas

'Coleção de Colecionadores' e 'Coleção de Amantes', de Raquel André, no TNDM II

A mulher que coleciona pessoas

Num dos trabalhos artísticos mais originais do momento, Raquel André propõe-se colecionar o impossível. A artista faz uma “coleção de pessoas”, que se iniciou com Coleção de Amantes, e agora com uma Coleção de Colecionadores. O resultado atual da primeira terá nova versão em cena em meados deste mês de novembro. A Coleção de Colecionadores chega agora a Lisboa, também ela revista e aumentada, depois de estreada, há um ano, no Teatro Rivoli, no Porto.

Poderá parecer insólito, mas há uma mulher que coleciona pessoas. E, com elas, afetos, emoções, gestos e memórias. Ela que, confessa, nunca ter sido uma colecionadora de objetos. Mas, como é que Raquel André se propõe colecionar aquilo que é impossível guardar?

“A ideia surgiu quando fui viver para o Rio de Janeiro e me vi enquanto imigrante, mulher e artista. Comecei a questionar de que modo se consegue entrar na casa do outro; e como é que, por vezes, surge uma intimidade súbita com alguém que nos é, até aí, estranho e, com outras pessoas, que fazem parte do nosso dia-a-dia, não conseguimos sequer estabelecer um mínimo de cumplicidade.”

Assim que se iniciou a Coleção de Amantes, um exercício sobre afetos e partilhas a dois, partindo de encontros da artista com pessoas de várias nacionalidades, géneros e idades, onde uma intimidade ficcionada surge registada em fotografia. Na versão que Raquel apresenta, a partir de 15 de novembro, na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, a coleção terá por base 137 amantes (muitos mais do que a versão apresentada naquele mesmo espaço, em 2015). Em cena, Raquel detalha o conteúdo desses relacionamentos, onde a memória é ampliada por imagens fugazes, frames do momento que “criam narrativas e relacionam mundos e universos entre pessoas.”

Longe de estar fechada a de Amantes (a artista aponta para um trabalho a desenvolver ao longo de 10 anos), Raquel começou a sua Coleção de Colecionadores no Minho, mas já juntou pessoas que colecionam objetos, dos Açores a Berlim. Se, uma vez mais, aqui se procura “guardar o outro”, é através do objeto colecionado que se conta a história. Enquanto na Coleção de Amantes, a fotografia é o registo primordial, na de colecionadores são os registos em vídeo, decorrentes das entrevistas que Raquel conduziu, a sustentar a narrativa para, “através das coleções de discos, livros, cartas ou moedas, chegarmos ao outro.”

Em diálogo uma com a outra, as coleções de Raquel André oferecem uma experiência singular, na qual o espetador (também ele, juntamente com artistas, “objeto impossível” de futuras coleções) “se identifica, quer por via da memória e dos afetos, quer pela relação que constrói com o mundo”. É ficção? É realidade? Ambas, certamente. Teatro, sobretudo.