teatro
Sabemos que vais falar
‘Pedro e o Capitão' no Teatro São Luiz
Escrito em finais da década de 1970, em plena ditadura uruguaia, Pedro e o Capitão, uma das raras incursões pela escrita dramática do poeta Mario Benedetti, é revisitado por Marta Carreiras e Romeu Costa. Em cena, Pedro Gil e Ivo Canelas encetam um duelo assombroso entre prisioneiro e carcereiro, com o público a partilhar, através de um dispositivo cénico de proximidade e com o auxílio do video, uma sensação limite de violência. A ver, no Teatro São Luiz, a partir de 23 de junho.
Mais do que expor o tema da tortura, Marta Carreiras e Romeu Costa quiseram, através de um trabalho aturado que envolveu uma série de iniciativas preparatórias (como um ciclo de conferências no Museu do Aljube) e muita investigação e consulta a especialistas, produzir uma reflexão tenebrosa sobre os efeitos da violência. Se por um lado, Pedro e o Capitão é, como diz Romeu Costa, “uma história uruguaia que, também poderia ser portuguesa (afinal, o 25 de Abril só aconteceu há 44 anos)”, por outro, e perante aquilo que se vai descortinando sobre as práticas do poder um pouco por todo o mundo, “esta é uma história universal”. E, tragicamente, atual, ou não houvessem por ai estados de exceção à mercê dos mais democráticos governos, proto-ditaduras e outras de facto, ou seres humanos morrendo diariamente nas águas do Mediterrâneo.
A plateia é colocada em três frentes, uma central e duas laterais, em ferradura, perante uma passadeira que representa o espaço de clausura e isolamento que é a sala de interrogatório. Ao longo de quatro momentos, Pedro, (ou Rómulo?), um suposto militante comunista é interrogado por um oficial da polícia política conhecido pela patente de Capitão. Sabe-se que, entre as sessões em que se dá o recontro entre os dois homens, Pedro é barbaramente torturado. Ao Capitão, que se define como “o intervalo em que respiras”, cabe manipular o preso para que fale, para que denuncie os seus camaradas, sem que o uso físico da violência seja a regra.
Perante a resistência de Pedro e uma estratégia desesperada de superação da dor e do terror, acaba por acontecer um extraordinário equilíbrio de forças, revelador também das vulnerabilidades do opressor. Afinal, como sublinha Marta Carreiras, “o que é fascinante neste texto é, precisamente, colocar frente-a-frente dois homens que não têm de ser necessariamente bons ou maus, e até fazer-nos pensar como as circunstâncias da vida podem definir as escolhas que fazemos.”
Pedro e o Capitão é interpretado por Ivo Canelas e Pedro Gil, e estará em cena na Sala Mário Viegas, até 2 de julho, inserido na programação de Lisboa 2017 – Capital ibero-americana de Cultura.