entrevista
Janita Salomé
"O cante revela o caráter e a maneira de ser do alentejano"

Cantor, compositor e promotor do cante alentejano, Janita Salomé está de regresso aos palcos com um concerto dia 20 de junho, no Teatro Armando Cortez. No ano passado, o músico lançou o disco Pássaro Azul, onde canta textos de autores como Natália Correia, Manuel Alegre ou Hélia Correia. Um trabalho que contou com a colaboração de nomes de peso da música portuguesa, como nos conta nesta entrevista.
Nasceu numa família com uma forte tradição musical. Como teria sido a sua vida sem essa influência?
Essa influência acabou por acelerar a descoberta dos talentos musicais na família. O ambiente foi propício a isso, mas posso dizer que seria a mesma coisa… mais cedo ou mais tarde, acabaria por acontecer, com o gosto que tenho pela música. Não consigo imaginar-me sem uma família como a minha, sempre a estimular-me: os meus irmãos mais velhos, os meus pais, os meus tios… O estímulo veio de músicos para músicos e isso acabou por ter uma grande influência e estimular-nos ainda mais.
Fundou, em 1977, com os seus irmãos, o Grupo de Cantadores de Redondo, que se dedica a perpetuar a tradição do cante alentejano. Como definiria o cante alentejano?
O cante alentejano é um cante de convívio, de solidariedade. Revela tudo aquilo que o alentejano é. Fala de tudo o que é mais importante na vida e mostra o caráter e a maneira de ser do alentejano: generoso, ingénuo, contemplativo, solidário. E o cante é isso mesmo.
Acompanhou Zeca Afonso pelos palcos. Qual foi a coisa mais importante que aprendeu com ele?
A estar em palco sem aquele autoritarismo que muitas vezes acaba por atingir os cantores. Procuro fundir-me com o público cantando, mas sem sair do palco.
Chegou a compor para peças de teatro e a participar enquanto ator. Não ficou com esse bichinho?
Não fiquei porque o da música é mais forte. Mas foi uma bela experiência com a Maria do Céu Guerra e outros atores que conheci. Foi uma experiência que me enriqueceu muito.
No ano passado lançou Pássaro Azul, um disco que inclui textos de autores como Natália Correia, Manuel Alegre ou Hélia Correia. Como foi feita esta escolha de textos?
São temas de outros discos, que fui buscar lá atrás, não são inéditos. Resolvi revisitá-los fazendo-me acompanhar de grandes cantores que só vieram enriquecer-me e dar-me uma experiência nova. Ganhei mais amigos e ganhei outra vez os temas que estavam esquecidos. Foi uma forma de ressurgir porque estive desativado durante algum tempo, devido a problemas pessoais que me afetaram e que me tiraram a energia.

Chamou ao disco Pássaro Azul. Porquê?
O nome está relacionado com dois livros que li há muito tempo e cujo final culmina num naufrágio. Também num naufrágio andei eu durante o tempo em que estive afastado da música. O náufrago vem arrastado pelas ondas, é levado para a areia e fica de braços abertos. Morto ou vivo, não se sabe. Entretanto, pousa-lhe um pássaro azul em cima. E esse pássaro azul é a alma, a vida. Tal como eu, que estou aqui outra vez.
O disco conta com muitas participações: Ana Bacalhau, Camané, Filipa Pais, Fogo Fogo, José Cid, Lúcia Moniz, Maria João, Marisa Liz, Rão Kyao, Vitorino. Porquê estes nomes?
Sabia quem queria ter a cantar comigo naquelas canções específicas, conhecendo a versatilidade e a qualidade dos cantores. Por outro lado, quis ter a experiência de cantar com cantores que admiro, de quem gosto, foi um grande prazer tê-los comigo. Se alguns ainda não eram meus amigos passaram a ser, se outros já eram passaram a ser ainda mais. Foi ganhar amigos, ganhar experiência e fazer coisas diferentes neste meu percurso.
Os Fogo Fogo participam no tema Palestina. Que emoção quis passar com esta canção?
O sofrimento do povo palestiniano e esta teimosia do Netanyahu em chaciná-lo. O que se está a passar é uma limpeza étnica, um genocídio. Esse tema foi composto nos anos 80. Tenho vindo sempre a acompanhar o percurso dos palestinianos, tenho estado sempre atento.
Os músicos têm o dever de chamar a atenção para estes temas?
Enquanto cidadãos têm o poder de o fazer.
Ao longo da sua carreira, têm sido muitas as colaborações que tem feito. É sempre especial cantar com o seu irmão Vitorino?
É sempre, porque cantamos os dois bem e gostamos de nos ouvir. Gostamos do que fazemos e do que o outro faz. Sempre que há oportunidade, cantamos juntos.
No dia 20 apresenta este disco no Teatro Armando Cortez. Como vai ser este concerto?
Levo comigo os músicos que atualmente me acompanham: Mário Delgado, Miguel Amaro, Carlos Miguel e Ruben Alves. São excelentes músicos, excelentes amigos. Além disso, existe entre nós uma cumplicidade muito grande.
Já está a pensar no próximo disco?
Já tenho temas para o próximo disco, ainda não sei exatamente como vai ser, mas têm vindo a surgir ideias.