Os livros de junho

Oito novas proposta de leitura

Os livros de junho

Na sua mais recente obra de ficção, O Problema Final, Arturo Pérez-Reverte narra a história de um ator maduro que, confrontado com um complexo enigma, usa a vasta experiência adquirida através das artes (literatura e cinema) para o decifrar (“para iluminar a realidade”, nas palavras do escritor espanhol). Para o mês de junho propomos oito edições recentes de grande qualidade. Oito leituras que ajudam a “iluminar a realidade”.

Arturo Pérez-Reverte

O Problema Final

“Reivindicar a investigação criminal inteligente perante a moda imposta pelo cinema americano e o romance negro” é a intenção do mais recente romance de Arturo Pérez-Reverte. Em junho de 1960, Hopalong Basil, um refinado ator do cinema clássico famoso por interpretar a figura de Sherlock Holmes (uma homenagem a Basil Rathbone), hospedado num hotel de uma pequena ilha paradisíaca ao largo de Corfu, rodeado de oito hospedes, três empregados e uma proprietária, vê-se temporariamente isolado do mundo, devido ao mau tempo. Quando uma série de crimes se sucedem, decide usar as capacidades dedutivas que adquiriu nas inúmeras leituras da obra de Conan Doyle e nos filmes que protagonizou para desvendar o mistério. O Problema Final é uma obra escrita com o engenho de quem sabe que “o duelo num romance policial não é entre o assassino e o detetive, mas sim entre o autor e o leitor” e que “a verdadeira arte do narrador policial (…) não consiste em contar uma história, mas sim em fazer com que o leitor, enganado ou não, a conte a si mesmo”. É também uma fascinante reflexão sobre a relação entre o real e o imaginário, na qual o protagonista “aplica a ficção para iluminar a realidade”. LAE ASA

Fernanda Melchor

Isto não é Miami

Uma criança observa um objeto brilhante na noite escura e julga tratar-se de um OVNI, porém, é apenas mais uma avioneta com carregamento de cocaína. Um grupo de clandestinos desesperados aportam em Veracruz, pensando tratar-se da almejada Miami. Um jovem estudante destaca-se no curso de Direito, mas não tem influências que lhe possibilitem arranjar um trabalho adequado. Aliciadas pelo dinheiro, uma idosa e a sua neta servem de figurantes num filme, mas não lhes pagam sequer metade do prometido. Todas as personagens deste livro veem os seus sonhos consumidos pela dureza da realidade. Estes 12 textos, que a autora recusa qualificar como ficção (“A única ficção que estou disposta a reconhecer nestes relatos é aquela que permeia toda a construção da linguagem humana, desde a poesia às notas de rodapé: a sua forma, a sua estrutura narrativa”), favorecem o “testemunho”, o “relato dramático e oral”. Histórias profundamente ancoradas na realidade, que “só puderam nascer neste sítio” (Veracruz, local de nascimento da autora), que compõem o relato de uma sociedade confrontada com a violência e a brutalidade do mal: a corrupção, o narcotráfico, o assassínio, a miséria, a desumanização. Que evocam, literalmente, a velha canção do filme de Pedro Infante: La vida no vale nada. LAE Elsinore

 

Victor Correia

História da Homossexualidade em Portugal

O objetivo deste livro inédito de um autor que não é historiador – Victor Correia, é licenciado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e doutorado em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Sorbonne de Paris – é o de escrever “uma história” da homossexualidade que, por um lado, apresente os temas mais importantes, e por outro, os apresente “não de forma minuciosa, mas sim com aquilo que consideramos ser mais significativo”. Trata-se, ainda assim, de uma obra de grande fôlego que apresenta uma visão temporal e temática muito abrangente, estruturada em duas partes: a abordagem da homossexualidade no nosso país ao longo de oito séculos de história, e por um conjunto de anexos, constituídos por documentos antigos. Alguns desses exemplos testemunham a perseguição e condenação de homossexuais em períodos como a Inquisição e o Estado Novo (“Papelada imunda, que impestava a cidade”: assim se refere Marcelo Caetano às obras de Raúl Leal, de António Botto e da “desavergonhada” Judith Teixeira). Um trabalho relevante que procura “tornar visível o que ficou escondido, ignorado, esquecido, posto de parte na historiografia portuguesa”. LAE Âncora Editora

Chimamanda Ngozi Adichie

Inventário de sonhos

Foram precisos 10 anos para que Chimamanda Ngozi Adichie apresentasse Inventário de sonhos, o seu livro mais introspetivo. O que significa ser humano? É em torno desta questão que o romance se desenrola. Ao longo de quase 600 páginas, a autora dá-nos a conhecer a história de quatro mulheres africanas que partem para os EUA em busca do “sonho americano”. Chiamaka, uma escritora nigeriana que, com as suas permanentes incertezas, sempre ansiou atingir a fama. Zikora, uma advogada de sucesso e melhor amiga da Chiamaka, abandonada pelo namorado quando lhe revela que está grávida. Omelogor, prima de Chia, figura importante no mundo da alta finança na Nigéria, dona de um humor nem sempre compreendido, tem um site chamado Só para homens, onde pede aos homens que lhe enviem os seus problemas e depois lhes dá conselhos. Por fim, Kadiatou, a governanta de Chia que, depois de ultrapassar vários dissabores, como a morte do pai, da irmã e do próprio marido, se vê a braços com uma filha bebé, que educa com perseverança, e envolvida numa complexa e dramática situação que pode colocar em causa tudo o que conquistou até então. Quatro mulheres em busca de um significado para as suas vidas, num livro que aborda o tema da migração, maternidade, desejo e necessidade de ser amado, quando o mundo atravessa uma pandemia. “Será a felicidade alcançável, ou é apenas um estado efémero?” SS Dom Quixote

Alexandra Lucas Coelho

Gaza está em toda a parte

Desde 2002, altura da Segunda Intifada, que Alexandra Lucas Coelho iniciou, enquanto repórter, a cobertura regular da zona do Médio Oriente onde se situa Israel e a Palestina. Neste volume, a jornalista compila, essencialmente, um conjunto extenso de crónicas dadas à estampa após o 7 de outubro de 2023, todas (à exceção de uma) publicadas no jornal Público. Como introdução, republica-se a reportagem Gaza à beira de explodir, publicada na Visão História, em julho de 2017, resultado da última visita de Lucas Coelho à Faixa de Gaza, esse território com “apenas 40 quilómetros por 6 a 10 de largura, com dois milhões de palestinianos lá dentro”, porque, como sublinha a autora, “do título à última linha, parecia a véspera do 7 de outubro”. Para além das crónicas, Gaza está em toda a parte inclui as reportagens feitas entre o final de 2023 e o início de 2024 na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental e em Israel, e mais de três centenas de fotografias que Lucas Coelho captou tanto em Gaza, nessa última visita, como no contexto das reportagens pós-7 de outubro. Para além do testemunho histórico, este livro, cujo título vem de um conjunto de textos do filosofo judeu Günther Anders intitulado Hiroxima está em toda a parte, é uma reflexão inquietante sobre esta grande tragédia do nosso tempo. FB Caminho

Hugo Gonçalves

Filho do pai

“O pai que salva também é o pai que condena. Qual deles iria encontrar, mais de quarenta anos passados, os dois últimos sem falar com ele, ao chegar à casa onde cresci?”. Depois de Filho da mãe, Hugo Gonçalves encerra o díptico do luto com Filho do pai. Um relato honesto e sentido sobre a relação entre um pai e um filho, onde o autor nos conduz numa viagem desde a sua infância, marcada pela morte da mãe, passando pela cúmplice adolescência com o irmão e a constituição de uma nova família com o segundo casamento do pai. O relato acompanha a sua idade adulta, altura em que Hugo se prepara para ser pai pela primeira vez e toma consciência de que não será pai e filho ao mesmo tempo. “Uma família é um ser vivo em constante mutação e, quando somos pequenos, não percebemos que os nossos pais, aos quarenta anos, são pessoas distintas do que eram aos trinta. Fui criado por um homem que era muitos homens, e ninguém, como ele, foi tão decisivo na formação da minha personalidade, pela sua presença dominante, pela sua ausência continuada, porque imitei quem ele era, porque recusei quem ele era.” Um livro comovente, mas também desconfortante, que questiona os modelos tradicionais de masculinidade. SS Companhia das Letras

Noam Chomsky

Sobre o Anarquismo

O linguista, filósofo, e ativista político Noam Chomsky aborda, neste seu ensaio, o anarquismo como uma tradição intelectual séria e uma possibilidade real explorando as suas raízes e a sua continua vitalidade como teoria política e socioeconómica. O autor concebe o anarquismo como sinónimo de liberdade e questionamento constante das estruturas de poder, assente na ação coletiva. De Proudhon e Bakunine ao movimento Occupy, um testemunho vivo e em evolução, uma alternativa real, cujo legado analisa. Nathan Schneider, jornalista, autor e professor da Universidade de Colorado Boulder, nos Estados Unidos, escreve no prefácio desta edição: “Noam Chomsky desempenha o papel de embaixador de um tipo de anarquismo de que era suposto termo-nos esquecido – aquele que tem uma história e que a conhece, que já demonstrou que outro mundo é possível. (…) representa um tempo em que os anarquistas eram verdadeiramente temíveis – não por estarem dispostos a atirar uma pedra à montra do Starbucks, mas por terem descoberto como se organizar numa sociedade funcional, igualitária e suficientemente produtiva.” LAE Antígona

J. D. Salinger

Carpinteiros, Levantai Alto a Cumeeira e Seymour: Uma Introdução

Salinger conquistou a fama com a publicação da sua única novela, The Catcher in the Rye, em 1951. O relato da deambulação de Holden Caufield pela cidade de Nova Iorque, escrito numa linguagem coloquial plena de frescura, recorrendo ao calão, tornou-se num marco da literatura do pós-guerra. Estes seus dois contos, menos conhecidos, descrevem acontecimentos importantes na vida dos sete irmãos da família Glass. Ambas as histórias são narradas por Buddy, o segundo mais velho. Carpinteiros, Levantai Alto a Cumeeira relata um incidente ocorrido no dia do casamento de Seymour, no interior de um táxi, entre a madrinha e o seu marido, que revela a forma como as pessoas comuns percecionam a família Glass e a excentricidade do irmão mais velho. Seymour: Uma Introdução é uma pungente oração fúnebre. Evocando a morte de Seymour, lança um olhar melancólico sobre a forma impiedosa como os seres diferentes e inadaptados são tratados numa sociedade rígida e conformista. Estas duas narrativas são publicadas na nova tradução de José Lima. LAE Relógio D’Água