teatro
As tampas perdidas dos tupperwares
“As Castro”, peça de Raquel Castro, chega a Lisboa, à Sala Estúdio Valentim de Barros

A partir da pesquisa da árvore genealógica, uma mulher olha para a sua herança familiar, procurando descobrir-se a si própria. Em As Castro, a atriz e encenadora Raquel Castro cria um espetáculo que é uma reflexão sobre a condição feminina ao longo dos anos e sobre as relações entre mães e filhas. E também um espelho de nós e dos nossos dias.
Quem nunca teve vontade de arrumar as meias na gaveta sem as dobrar? Quem nunca se esqueceu de devolver o tupperware que trouxe de casa da mãe ou nunca lhe perdeu a tampa? É destes e de outros pormenores que se faz o quotidiano familiar de todos nós – e também da atriz e encenadora Raquel Castro, que os põe agora em palco.
Depois da estreia em 2023, em Tomar, e de ter estado já em vários concelhos do país no âmbito da Odisseia Nacional do Teatro Nacional D. Maria II, o espetáculo As Castro chega à nova Sala Estúdio Valentim de Barros, nos Jardins do Bombarda, onde fica de 8 a 18 de maio. A partir da pesquisa da sua árvore genealógica, Raquel volta a criar uma peça de autoficção, em que, falando de si, fala connosco e, também, de nós.
“Quando decidi fazer a minha árvore genealógica, tive a intuição de que me podia dar pistas para alguma coisa”, começa por dizer. Esse foi o ponto de partida deste espetáculo, em que, na companhia dos atores Sara Inês Gigante, Sara de Castro, Tânia Alves e Tónan Quito, desenrola uma enorme folha de papel com mais de 200 nomes dos seus antepassados. “Queria perceber se o que sou hoje é o reflexo das pessoas que vieram antes de mim e rapidamente entendi que sou mais fruto da minha mãe e da minha avó do que propriamente dos pentavós que tenho”, conta Raquel.
Uma história maior
Em As Castro recua a uma tetravó que se casou com um tio e a uma bisavó que enviuvou e ficou responsável pela Latoaria Ferrão, em Lisboa, olhando a condição feminina das mulheres que vieram antes de si. Mas é sobretudo da relação com as duas ascendentes mais diretas que Raquel fala em palco. Do envelhecimento da avó e dos cuidados que isso implica ao envelhecimento da mãe e àquilo que as afasta e aproxima – tal como dá por si a repetir à filha o que ouviu da mãe ou a discordar dela por terem diferentes formas de encarar a vida (será mesmo preciso dobrar as meias antes de as pôr na gaveta…?). O que se herda, o que se quer mudar, aquilo em que nos revemos ou que recusamos, disso tudo se faz este olhar para trás. “É uma personagem à procura de si própria, enquanto vai desenterrando o passado”, comenta a atriz e encenadora. Um passado feito de algumas surpresas, boas descobertas, algumas feridas e muitas dúvidas.
Recorda Raquel Castro que esta criação acabou por ser atravessada pela realidade dos constrangimentos da pandemia e pela doença da avó. Não foram momentos fáceis, reconhece, mas fazer o espetáculo ajudou-a a geri-los – “escrever este texto apazigua-me”, revela em cena. “Ao mesmo tempo que este trabalho serviu como desculpa para me afastar dessa realidade, foi uma forma de refletir sobre ela e de, na verdade, estar mais próxima dela”, explica.
As Castro constrói pontes entre várias gerações – sejam elas passadas ou futuras. Raquel é bisneta, neta e filha, mas também mãe e, um dia, muito provavelmente, avó, bisavó, trisavó… “Através de histórias muito pessoais, quis que este espetáculo contasse, de alguma forma, uma história maior”, afirma. Em palco, estão as Castro, sim, mas estamos também todas nós e todas as nossas. Com outros apelidos, as Castro somos nós.