Três realizadoras portuguesas

Curtas-metragens de Sofia Bost, Mariana Gaivão e Leonor Teles nos cinemas

Três realizadoras portuguesas

Dia de Festa, Ruby e Cães que Ladram aos Pássaros são três curtas-metragens portuguesas que chegam em conjunto ao Cinema Ideal, a 9 de julho. Sofia Bost, Mariana Gaivão e Leonor Teles realizam estas obras que revelam três visões no feminino sobre o futuro e a juventude.

A maioria das salas de cinema da capital reabre este mês. O cinema português está, também, de regresso, com a estreia de um programa de três filmes dirigidos por jovens realizadoras portuguesas. Conversámos com as três cineastas para saber mais sobre as obras que criaram, mas também sobre as circunstâncias de estrear filmes depois de um longo período com cinemas de portas fechadas. Sofia Bost, Mariana Gaivão e Leonor Teles são unânimes: é fundamental que os filmes regressem às salas de cinema!

Desafiar o estereótipo da maternidade

O programa abre com Dia de Festa, filme de estreia de Sofia Bost. A ideia inicial partiu “de uma mãe incapaz de se sentir feliz no dia de anos da filha. Quem é esta mulher e o que a levou a esta situação?” As personagens da história são todas femininas, algo que aconteceu naturalmente, segundo a realizadora. A protagonista é uma mulher forte que “desafia o estereótipo da maternidade. A filha não é suficiente para a preencher, pelo contrário.”

Para Sofia Bost a temática das relações familiares, em particular a relação entre pais e filhos, sempre a interessou: “Os papéis que desempenhamos dentro da estrutura familiar, as consequências a longo prazo de padrões relacionais que conhecemos na infância, o efeito de uma ausência ou falha de um pai ou de uma mãe, o facto de uma ligação de sangue não corresponder necessariamente a uma ligação afetiva…”

Juventude em autodescoberta

A sessão continua com o filme de Mariana Gaivão, Ruby, uma obra inspirada na infância da realizadora e nos verões que passava na Serra da Lousã. “Os grandes incêndios, as noites de tempestade, a proteção e intimidade da casa contra o que está lá fora, além da vista” marcaram-na para sempre.

São estas memórias que servem de alicerce à história: o retrato de uma juventude em autodescoberta, que acompanha a jovem Ruby nos dias antes de a sua melhor amiga, Millie, regressar a Inglaterra.

A violência da gentrificação

Leonor Teles fecha a sessão com Cães Que Ladram aos Pássaros, um filme que acompanha os dias de verão de Vicente e da sua família, obrigados a sair de casa no centro do Porto por força da especulação imobiliária.

A obra surgiu quando a cineasta conheceu Vicente, o protagonista. Para Leonor Teles “questões relacionadas com a gentrificação são prementes”, são fatores que condicionam a vida das cidades e particularmente dos mais carenciados. “As pessoas são forçadas a sair de casa, não por uma escolha ou decisão individual, mas por pressões externas e implacáveis. Como é que a brutalidade desse acontecimento pode arrasar uma família ou um indivíduo? É aqui que entra o Vicente, um jovem que devia estar a gozar as férias de Verão, mas que se apercebe como as desigualdades são violentas e como isso afeta as perspetivas que ele possa ter em relação ao futuro.”

Para os produtores Filipa Reis e João Miller Guerra “estas estreias são um ato de resistência e uma celebração do cinema português no feminino. Passados quatro meses sobre o início do período de confinamento, é importante voltar a ter prazer, regressar ao coletivo e afastar o medo. Desfrutar a juventude.” Também as realizadoras afirmam a diferença e a importância de ver cinema em sala.

O cinema vê-se nas salas

Para Sofia Bost, esta era uma oportunidade que não se podia deixar passar: “O VoD e o online são ótimos meios mas continuo a acreditar no cinema que se vê em sala, que é uma experiência completamente diferente. Há poucos filmes a estrear neste momento e espero que todos os que têm saudades de ver cinema, venham a esta sessão.” Mariana Gaivão considera que “vivemos nestes últimos tempos um apagamento da presença do outro na nossa experiência. Por entre as necessárias adaptações, houve também uma perversão eficiente do que são as nossas experiências coletivas: uma higienização dos espaços comuns, dos nossos corpos, numa obrigação redutora da nossa presença física na sociedade à mais elementar produtividade. Talvez o cinema, por si só, não nos possa restituir a crença no mundo, mas a experiência coletiva a que nos chama, uma sala escura onde a luz nos é devolvida, lado a lado com a amplificadora presença do outro, continua a ser um lugar único para juntos o sentirmos e repensarmos.”

Leonor Teles afirma que a experiência do cinema é fundamental, “disponibilizarmo-nos numa sala própria para o efeito e ver e ouvir um filme projetado, é termos esse tempo e estarmos ali a viver aquele momento sem mais distrações, de forma coletiva também. Não é comparável a imersão que sentimos no cinema com aquela que sentimos em casa. É importante lutarmos por isso, porque fazemos filmes para serem experienciados nessas condições – no cinema.”