Mimi Froes

“Quando gravo sinto falta do público e quando estou em palco sinto falta da intimidade do estúdio”

Mimi Froes

Depois de E a cantar (2021) e Contornos (2023), Mimi Froes lançou recentemente o terceiro disco, Mimi Froes (ao vivo no Estúdio Vale de Lobos), com a participação de uma das suas grandes referências musicais, Rui Veloso. A jovem cantautora apresenta-se no dia 29 de maio com o seu quarteto no palco do Teatro Tivoli.

Quando percebeste que querias seguir uma carreira musical?

Por acaso sei precisar esse momento. Foi num concerto do Bruno Mars no MEO Arena, quando tinha 16 anos. Lembro-me perfeitamente da forma transparente com que ele conseguiu transmitir aquilo que estava a sentir com a música que estava a fazer, e a forma como o público aderiu a esse mesmo sentimento… tornou-se uma coisa partilhada entre todos que ali estavam. Foi a primeira vez que me lembro de olhar para o palco e pensar “é ali que eu quero estar”.

Quais dirias que são as tuas principais referências musicais?

A minha grande referência é sempre o Stevie Wonder, há de ser a referência que me acompanha até ao final da vida. Depois tenho várias pequenas referências. Em Portugal são os irmãos Sobral, o Manel Cruz, o Samuel Úria, a Maro… depois tenho muitas referências do Brasil; adoro a música brasileira: o Jobim, o Edu, o Dori Valle, o Dori e a Nana Caymmi.

Como funciona o teu processo de escrita?

Há alturas em que a emoção é tanta que me apetece escrever e preciso de “vomitar” pensamentos para dentro de uma guitarra, mas é necessário ter alguma disciplina de escrita de canções. Não deixa de ser um músculo que trabalhamos, que treinamos, às vezes até a ler um livro ou a ler poesia. Isso também é trabalhar para a escrita… Acho que é daí que vem a disciplina e é daí que, muitas vezes, vem a inspiração e o brio. Amiúde sento-me para tentar escrever porque sei que pode acontecer a alegria de sair alguma coisa maravilhosa, mas também vivo bem com a alegria de sair uma coisa muito má, mas que me fez chegar a um sítio novo.

Fizeste um curso de escrita de canções com a Luísa Sobral. Que ferramentas te deu?

Foi exatamente essa questão da disciplina. Lembro-me da Milhanas dizer, sobre estas aulas, que também teve, que a Luísa nos ensinou que a inspiração não vem da manhã nebulosa de onde desapareceu D. Sebastião, ou daquela madrugada luminosa onde o sol se ergueu. Percebemos que a inspiração vem, muitas vezes, desta procura, desta disciplina, e que não é por nos obrigarmos a sentar e a escrever que as canções vão ser más. Muitas vezes, é a forma como nos conectamos com aquilo que estamos a pensar e a sentir.

Lançaste recentemente o teu terceiro disco, gravado ao vivo no estúdio de Vale de Lobos. Como surgiu a vontade de gravar um disco ao vivo?

Penso que foi um bocadinho pela sensação de falta. Quando gravo um disco sinto falta do público e quando estou em palco sinto falta da intimidade do estúdio. Portanto, unindo as duas coisas, podíamos ter o melhor dos dois mundos, que era esta ideia de estarmos todos dentro de um estúdio – que é um lugar tão bonito e tão íntimo – a gravar, mas, ao mesmo tempo, sentir o poder que tem a energia do público e sermos contagiados por isso. Muitas das vezes respondemos quase fisicamente àquilo que está a ser pedido pela energia do público e isso é uma coisa que queria muito gravar e captar. Isto faz-se muito noutros países. Há imensos showcases deste género e nós ainda não temos assim tanto disto. Foi uma experiência maravilhosa, é para repetir.

Neste disco contaste com a participação especial de Rui Veloso, um dos teus ídolos de infância. Como foi trabalhar com ele?

O Rui Veloso é uma grande referência, crescemos todos a ouvi-lo. Em pequena adorava a música do Rui, ainda hoje adoro. Ouvia, cantava… lembro-me que, quando fazia covers em bares, era sempre das canções dele. Foi sempre uma referência, que achava que era tão alta que era impossível lá chegar. Ao longo da vida tenho sido muito abençoada e, a dada altura, tive a oportunidade de o conhecer e de ele ouvir a minha música. Depois foi uma coisa muito bonita e orgânica. Ele é uma daquelas pessoas muito generosas que quando gosta diz a toda a gente. Cada vez que o encontrava, deixava-me sempre um elogio e dizia às pessoas do lado “ela faz coisas bonitas”. Isso foi de tal forma reconfortante que eu ia sempre para casa nesta segurança a pensar “seja o que quer que estou a fazer, já tenho aqui uma das minhas grandes referências a dizer que estou no caminho certo”. E isso é uma confiança que às vezes é muito difícil de ter, porque o caminho do artista é mais de nãos do que de sins. E com estes sins decidi arriscar num “sim” ou um “não” mais absoluto: “participas, vens cantar comigo?” e depois tive a sorte de me responder afirmativamente.

“[Gravar este disco ao vivo] foi uma experiência maravilhosa, é para repetir”

Optaste por gravar com o Rui uma versão de Vai Ruir, que fazia parte do teu segundo disco, Contornos (2023). Porque escolheste esse tema?

Curiosamente, foi ele que escolheu. E faz algum sentido, é um bocadinho mais blues, estamos a falar do rei do rock. Acho que a canção o chamou por causa da batida, da ideia blues que está toda por trás. Caiu-lhe que nem uma luva.

Nesse disco, Contornos, tens outras participações com nomes como Luísa Sobral ou Ricardo Ribeiro. Para ti é importante trabalhar com nomes consagrados?

Sim, acima de tudo é algo que me dá muita confiança. Tenho sido muito sortuda com os sins que tenho recebido. Por outro lado, faz-me querer mais. O ser humano é insatisfeito por natureza; quando já temos os sins de pessoas que admiramos muito, achamos que o céu é o limite. Tive muita sorte com as pessoas que quiseram trabalhar comigo, que me ensinaram muitíssimo. Isso é a coisa mais importante: deram-me um “sim”, mas também me deram a mão para me ajudar e guiar. Sou um bocado esponja, apesar de ter 26 anos não deixo de ser nova, portanto estou numa fase em que tenho muito a aprender.

Voltando ao novo disco, tens também uma versão de um tema de Manel Cruz, O navio dela. Por que é que esta canção te diz tanto?

A nível lírico é uma canção muito especial porque vem de um lado real para um lado lúdico, para um lado etéreo e depois volta para o real, e é maravilhosa. E depois, por causa desta ideia, muito desprendida de “a minha mulher não é minha, é da cabeça dela”. É um lema que temos de levar connosco, acho que é lindo e ao mesmo tempo sentimos a liberdade da canção. Do quanto nos leva para todo lado. Adoro esta canção desde sempre, foi das primeiras canções de que fiz cover. Fazia parte do meu primeiro alinhamento de concertos em nome próprio, por isso quis gravá-la, quis eternizar essa versão.

No dia 29, atuas no Teatro Tivoli BBVA. O que estás a preparar?

Vou ter a companhia do Rui no concerto, o que é maravilhoso. Vou ter também o Miguel Marôco, que é um artista ligado ao indie fusão e que está a dar os primeiros passos na música. É um grande músico, estou a desenvolver um projeto com ele e vou levar uma canção desse projeto ao concerto. Vou também levar algumas canções novas, não muitas, que é para deixar um cheirinho do que vem a seguir. Vamos ainda revisitar alguma obra antiga: se viemos do palco para o estúdio, agora voltamos para o palco novamente e vamos tentar amplificar esta intimidade do estúdio e torná-la um bocadinho mais ampla dentro da maravilhosa sala que é o Tivoli.