Mal se percebeu a gravidade da situação, vários artistas, companhias e instituições culturais puseram mãos à obra para que o espetáculo não abandonasse as nossas vidas. No setor do Teatro, com as salas a suspenderem a carreira de largas dezenas de produções e a deixarem na mais profunda incerteza o futuro de atores, encenadores, técnicos e outros tantos agentes que fazem a arte acontecer, a solução passou por recuperar grandes sucessos do passado, imortalizados em registos de video, e disponibilizá-los online, através de plataformas de streaming ou em redes sociais.
Filipe La Féria foi um dos primeiros. Depois de My Fair Lady, o encenador apresenta, na página do facebook do Teatro Politeama a partir de dia 28, Maldita Cocaína, um musical de grande sucesso, estreado em 1993, estrelado por nomes como Ruy de Carvalho e Simone de Oliveira. Mas, no dia 27 de março, a partir das 23 horas, é na RTP1 que sobe o pano: a televisão pública apresenta a versão do encenador da popular peça de Alejandro Casona As Árvores Morrem de Pé, com Manuela Maria num papel mítico, outrora criado por Palmira Bastos e imortalizado na história do teatro português.
Também na senda de recuperar espetáculos de sucesso, o Teatro Aberto assinala a data com a exibição da peça de Florian Zeller A Verdade, protagonizada por Paulo Pires, Miguel Guilherme, Patrícia André e Joana Brandão. Esta é mais uma encenação de João Lourenço a chegar a nossas casas, depois de a exibição de A Mentira ter sido um tão grande sucesso, através do site do Teatro Aberto alargou-se o período de disponibilização dos espetáculos, agora diariamente das 16h à meia-noite.

O Teatro Nacional D. Maria II também transferiu o palco para nossas casas e aposta em produções recentes via Vimeo. Na plataforma de streaming está “em cena” o musical “adolescente” Montanha-Russa de Miguel Fragata e Inês Barahona. A partir de dia 27, Dia Mundial do Teatro, duas novidades: às 11 horas “estreia” A Origem das Espécies, um espetáculo para toda a família da autoria de Carla Maciel, Crista Alfaiate, Marco Paiva e Paula Diogo, a partir de Charles Darwin; e à noite, pelas 21 horas, Sopro, o aclamado espetáculo de Tiago Rodrigues, com a particularidade de ser exibido em Português, com interpretação em Língua Gestual Portuguesa e nas versões legendadas em Inglês e Francês.O D. Maria II promete ainda mais novidades para esse dia especial, mas a entrada para os espetáculos faz-se, como vem sendo habitual por estes dias, por aqui.
Um estreia online, o teatro na rádio e o poder do direto
No dia em que previa estrear no palco do Teatro Taborda Mundo Novo, Carlos J. Pessoa e o Teatro da Garagem levam para as nossas salas uma versão em 15 episódios daquela que é a 101.ª criação do coletivo. É uma estreia absoluta que pode ser descoberta em primeira mão na plataforma Vimeo, com acesso pelo site oficial da companhia.
Entretanto, na Antena 2, pelas 19 horas de dia 27, os Artistas Unidos apresentam o texto de Bernardo Santareno, Restos. A peça tem direção de Pedro Carraca e repõe, posteriormente, a 5 e 10 de abril.
Para assinalar em grande o Dia Mundial do Teatro, a companhia liderada por Albano Jerónimo, Cláudia Lucas Shéu, Luís Puto, Francisco Leone e Rui Monteiro – o Teatro Nacional 21 -, apresenta várias leituras da dramaturgia portuguesa e internacional (de Gil Vicente a Harold Pinter) por atores e atrizes como Rita Blanco, Bruno Nogueira, Mariana Monteiro, Isabel Abreu, Luísa Cruz, Ana Busttorf, Virgílio Castelo, Custódia Gallego, Emília Silvestre, João Reis, Miguel Raposo, Anabela Moreira, António Durães, António Parra, Maria Leite, Guilherme Moura, Solange Freitas, Miguel Nunes e Marco Paiva. A festa conclui-se pelas 21 horas quando subir ao “palco” Albano Jerónimo, em direto da sua sala de estar, para uma versão “doméstica” de Veneno, de Lucas Sheu. A plateia reúne-se a partir daqui.
Obras de arte contemporâneas e clássicas, património imaterial, a história da cidade e informação sobre a importância de muitas personalidades nacionais estão, neste momento, acessíveis à distância de um clique. Arte, música, ciência, comunicação, património, história são algumas das temáticas abertas a visitas virtuais.
Esta é a oportunidade para conhecer, na Fundação Calouste Gulbenkian, a Coleção do Fundador, com objetos do Egito, do Oriente Islâmico e obras de Rembrant, Monet ou Rodin. Ainda na Fundação é possível visitar a Coleção Moderna, onde se encontram representados nomes como os de Paula Rego, Amadeo de Souza-Cardoso ou Almada Negreiros.
Para os que gostam de ciência, o Museu Nacional de História Natural permite explorar, entre outros, o Laboratório Chimico e a exposição Coleções de Naturalista. Já no Museu de Etnologia são dadas a conhecer as Máscaras de Transfiguração e Universalidade e as Pinturas Cantadas de Naya.
Também o Museu Nacional dos Coches partilha, nas suas redes sociais, visitas e exposições virtuais, peças da coleção, curiosidades e ainda alguns desafios.
A arte urbana espalhada pelas ruas da capital fica agora acessível a todos na Galeria de Arte Urbana online.
Para além destes locais existem muitos outros que oferecem cultura e património a partir de casa.
Aqui ficam os alguns sites que pode visitar:
Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado
Museu Nacional dos Coches e no facebook
Casa-Museu Anastácio Gonçalves
Museu Nacional de História Natural e da Ciência
Museu Virtual – Aristides de Sousa Mendes
Kirsten Hall
A Abelha
A abelha é uma das criaturas mais admiráveis do mundo e desempenha um papel fundamental na garantia de produção de alimentos, já que é um importante polinizador da flora. Mas ela está em perigo. Neste livro, com ilustrações de Isabelle Arsenault, é possível descobrir o incrível trabalho das abelhas e saber mais sobre como se pode defender e proteger este inseto do qual depende a vida humana!
Bruno Vincent
Contos de Fadas para Millennials
Quem disse que os contos de fadas tinham de ser previsíveis? Bruno Vincent, autor de versões cómicas da clássica coleção Os Cinco, de Enid Blyton, decidiu modernizar 12 histórias tradicionais. O primeiro encontro do Sapo e da Princesa antes do primeiro beijo, ou a estratégia do Flautista de Hamelin para atrair mais seguidores são algumas das hilariantes versões de contos da nossa infância.
Chimamanda Ngozi Adiche
Todos devemos ser feministas
Esta edição adaptada aos mais jovens e ilustrada por Leire Salaberria parte de um ensaio pessoal onde Chamamanda Ngozi Adichie apresenta uma definição única do feminismo no século XXI. Nesta exploração sobre o que significa ser mulher nos dias que correm, a escritora parte da sua experiência pessoal e defende a inclusão, a igualdade e os direitos humanos, desafiando todos a sonhar e a planearem um mundo diferente.
Enid Blyton
Os Cinco
A famosa coleção Os Cinco, de Enid Blyton, chega agora também em versão banda desenhada. Os primeiros dois títulos a chegar às livrarias – Os Cinco e a Ilha do Tesouro e Os Cinco e a Passagem Secreta – foram adaptados pela dupla de franceses Béja e Nataël, que fizeram questão de manter as emoções que a obra tem transmitido a várias gerações desde os anos 40.
Alexandre Honrado e Miguel Feio
Fernão não, Fernão Sim
Numa altura em que se comemoram os 500 anos do início da viagem de circum-navegação levada a cabo por Fernão de Magalhães, este livro, com ilustrações de Patrícia Furtado, brinda os mais novos com a história de Pedro Pulo, um menino que tinha o sonho de viajar e correr mundo, tal como fez o navegador português. O livro inclui uma secção final com um resumo sobre os legados da Expansão que esta aventura marítima originou em Portugal e no mundo.
Macmillan Publishers International Ltd 2020
Os Meus Primeiros Heróis
Esta é uma coleção para ler e partilhar, perfeita para os mais pequenos. Através dos dois livros já publicados – Os Meus Primeiros Heróis: Artistas e Os Meus Primeiros Heróis: Cientistas – é possível conhecer os artistas e os cientistas que mudaram o mundo. Empurrando, puxando ou fazendo deslizar as imagens, os miúdos entre os 0 e os 3 anos vão descobrir as suas vidas inspiradoras e o seu trabalho notável.
Nota: os livros encontram-se disponíveis para encomendas online no site das respetivas editoras, bem como nos sites das grandes livrarias.
O teatro vê-se ao vivo. Mas, numa altura em que a regra é ficar em casa e é a saúde de cada um de nós que está em causa, o teatro pode muito bem ser visto a partir de um ecrã. É certo, como alerta a equipa do Teatro Aberto, que não se trata de teatro, mas sim de registos videográficos de seis espetáculos encenados por João Lourenço nas salas da Praça de Espanha ao longo dos últimos anos. Seja como for, trata-se de um presente para todos aqueles que gostam de ver teatro e que, durante algum tempo, não o poderão fazer.
Através do site do Teatro Aberto, semanalmente, vai ser disponibilizado, a partir das 21 horas, um espetáculo que se manterá “em cena” uma semana. Durante a última quinzena de março, serão apresentadas A Mentira (de 19 a 25) e A Verdade (26 a 1 de abril), peças quase siamesas escritas de Florian Zeller, que o Aberto representou em simultâneo, nas duas salas da Praça de Espanha, estreadas em dezembro de 2018. O elenco é comum e conta com Miguel Guilherme, Joana Brandão, Paulo Pires e Patrícia André.
Em abril, o “palco” é de Vermelho (2 a 8), de John Logan, uma ficção histórica sobre a figura do pintor Mark Rothko, aqui interpretado por António Fonseca. Seguem-se Noite Viva (9 a 15), de Conor McPherson, um espetáculo de cine-teatro protagonizado por Vítor Norte, e o muito aclamado O Preço (16 a 22), de Arthur Miller, que reuniu em 2013 um elenco de luxo encabeçado por João Perry. A fechar, Amor e Informação (23 a 29), um frenético mosaico de relações humanas composto por meia centena de peças curtas de Caryl Churchill.
Bons espetáculos.
Para quem gosta de cinema e numa altura em que ficar em casa é palavra de ordem, vários sites – festivais, coletivos, realizadores – disponibilizam filmes online.
A maioria gratuitos, outros a preços acessíveis. Aqui ficam algumas das plataformas onde é possível encontrar filmes clássicos e experimentais, obras de ficção, documentários, vídeo arte, cinema alternativo e underground:
RTP Play – filmes/séries/documentários
Collectif Jeune Cinema – Estrutura de divulgação de práticas experimentais de imagem e cinema
APAR – Coletivo on-line de cinema alternativo e underground
Talking Shorts | My Darling Quarantine – Revista de cinema on-line de divulgação de curtas-metragens
IDFA | International Documentary Film Festival Amsterdam
Mosfilm – Um dos mais antigos estúdios de cinema europeus. Obras da União Soviética.
IFS – Experimental Film Society
SXSW Shorts – Plataforma online de curtas-metragens
Ishia Film Festival | Films Against Coronavirus
Medeia Filmes | Quarentena Cinéfila
À Pala de Walsh – Filmes de realizadores portugueses
Open Culture – 1150 filmes online
Ubu Web – Filmes avant-garde e vídeo arte
Lithuanian Short Documentary – Filmes e vídeo arte
NFI – National Film Institute Hungary
RareFilmm – The cave of forgotten films
Le Cinema Club – Apresenta Flores, de Jorge Jácome
The Ballad of Genesis and Lady Jaye, de Marie Losier
10 Years With Hayao Miyazaki, de Kaku Arakawa
Agência – Portuguese Short Film Agency
Monstra Festival – Uma curta por dia
Plataformas online de aluguer e compra de filmes:
Videoclube da Zero em Comportamento
Ler pode ser o melhor remédio para lidar com o estado de exceção que vivemos por estes dias. Numa notável iniciativa em prol da cultura portuguesa, a Imprensa Nacional Casa da Moeda disponibiliza os mais recentes ensaios publicados na coleção O Essencial Sobre…
São 15 estudos assinados por figuras de referência como José Augusto França, António Mega Ferreira, Guilherme D’Oliveira Martis ou Maria João Castro, sobre personalidades como Picasso, Chaplin ou Dante, ou instituições incontornáveis, como a Companhia Nacional de Bailado ou os Ballets Russes.
Eis a lista com respetivas hiperligações:
- O Essencial sobre Walt Whitman, de Mário Avelar
- O Essencial sobre Charles Chaplin, de José Augusto França
- O Essencial sobre Dom Quixote, de António Mega Ferreira
- O Essencial sobre Michel de Montaigne, de Clara Rocha
- O Essencial sobre Leonardo Coimbra, de Ana Catarina Milhazes
- O Essencial sobre Pablo Picasso, de José Augusto França
- O Essencial sobre O Diário da República, de Guilherme d’Oliveira Martins
- O Essencial sobre Vergílio Ferreira, de Helder Godinho
- O Essencial sobre A Companhia Nacional de Bailado, de Mónica Guerreiro
- O Essencial sobre Mario de Sá-Carneiro, de Clara Rocha
- O Essencial sobre Os Ballets Russes em Lisboa, de Maria João Castro
- O Essencial sobre Dante Alighieri, de António Mega Ferreira
- O Essencial sobre O Teatro de Henrique Lopes de Mendonça, de Duarte Ivo Cruz
- O Essencial sobre Jorge de Sena, de Jorge Fazenda Lourenço
- O Essencial sobre Mário Cláudio, de Martinho Soares
#aagendaculturalestaemcasa
Em A Última Estação, o ponto de partida foi a tua semelhança física, plasmada numa fotografia, com o assassino em série Ted Bundy. Agora, recuperas uma história de família sobre as expetativas do teu pai quanto ao bebé que haveria de se chamar Elmano…
Depois de terem tido um filho, os meus pais convenceram-se de que iriam ter uma menina de nome Cleópatra. No espetáculo, parto da suposição de ter nascido menina, questionando que mulher me teria tornado hoje. Nesta ficção, e é importante recordar que é uma ficção, essa figura que nunca existiu chama-se Cléopâtre.
Porque convidaste o Pedro Simões (Filha da Mãe) e o Dennis Correia (Lexa BlacK), dois drag queens, para o espetáculo?
Além de dragqueens, o Dennis Correia é licenciado em Teatro pela ESTC e o Pedro Simões em Dança pela Escola Superior de Dança. Estão habituados a criar esse outro eu, não só para uma performance enquanto drags mas também para um espetáculo de teatro. A imagem foi, desde logo, muito importante: a Lexa BlacK é muito feminina, mais próxima daquilo que se “julga” entender como feminino, enquanto que a Filha da Mãe tem barba. O processo de construção das personas deles é aplicado meticulosamente para tentar dar vida à figura da Cléopâtre. Qual será a sua aparência? Para tal, interessou-me estudar as características do transformismo dos anos 80 e 90 do século passado, que procurava aproximar-se e ser fidedigno à imagem da “mulher “ e o drag do século XXI, que acompanha a própria evolução do que se entende hoje como género.
Eles foram essenciais no processo criativo?
Foi com eles que procurei encontrar essa figura feminina, e digo “figura” porque não sei se é uma personagem. E talvez não devesse dizer feminina…
Porquê?
Porque não sei o que a Cléopâtre é. Ainda estou a tentar perceber isso com a ajuda do Dennis e do Pedro.

Como foi trabalhar com drag queens?
Desde o I Can´t Breathe que tenho trabalhado com pessoas que, embora ligadas ao espetáculo, às artes performativas, ao trabalho de ator e à transformação, se encontram na margem, afastadas daquilo que consideramos o centro. São parceiros fundamentais para analisar alguns fenómenos atuais. No caso da Ana Monte Real, atriz de filmes pornográficos, para tentar entender o novo conceito de pornografia na sociedade contemporânea, e com a Lexa BlacK e a Filha da Mãe, drag queens, para explorar a complexidade do que entendemos por identidade.
Não temes que a convocação de artistas “não convencionais” ganhe protagonismo sobre a essência do espetáculo?
O tema principal deste espetáculo não é sobre os performers envolvidos, embora o corpo deles convoque temáticas como transformismo ou género, como é o caso de Damas da Noite. Isso já acontecia em I Can’t Breathe. A presença de uma atriz porno trazia o universo da pornografia para a cena, e no entanto, não havia qualquer toque entre nós, nem tão pouco nudez. Nas Damas da Noite, fala-se, essencialmente, de teatro. Somos convocados para tentar explorar algo muito maior do que nós.

Mas, ao mesmo tempo, o ponto de partida dos teus espetáculos são biográficos…
Trabalho com a dualidade do que se considera ser verdade e mentira. No I Can´t Breathe, perguntavam-me muitas vezes se a história da Ana Monte Real era verídica. Para quem procurou, nesse e noutros espetáculos, resgatar o mistério e a ilusão perdidas na “sociedade da transparência”, revelar essa informação não é importante e muito menos essencial. Há elementos biográficos e há elementos da ficção, como em qualquer obra. Gosto da ideia da biografia como o trampolim para aceder a uma ficção que acaba por se tornar ainda mais real.
Damas da Noite subintitula-se Uma Farsa de Elmano Sancho. Porquê a “farsa” e o nome próprio?
O título é uma metáfora. As damas da noite são flores que abrem à noite, deitam um cheio muito intenso e fecham-se quando o dia nasce. Tal como esses homens que se transformam à noite e, de dia, voltam às suas vidas quotidianas, muito embora, hoje, os drag queens vivam também de dia. Ao mesmo tempo, a flor tem uma simbologia feminina forte. O subtítulo surgiu à medida que fui construindo o espetáculo e me apercebi que estava perante uma farsa. Pareceu-me evidente que o público também o deveria saber antes de entrar na sala de espetáculos.
Enquanto criador, os teus espetáculos têm tido a particularidade de serem, também, apresentados fora dos grandes centros urbanos, em cidades mais pequenas. Como tem sido levar estas propostas a públicos que têm um contacto menor com objetos artísticos tão transgressores e experimentais?
A reação que tenho considerado mais interessante é quase sempre em relação ao texto, mesmo com aqueles que não são meus, como no caso das digressões com os Artistas Unidos. Para além disso, apresentar as Damas da Noite numa cidade do interior com dois drag queens provoca naturalmente mais curiosidade do que aqui em Lisboa ou no Porto e a tensão criada entre os espectadores e os intérpretes acaba por ser maior ou, pelo menos, sentida com mais intensidade. Por fim, a temática, por si só, parece criar, desde logo, todo o enquadramento necessário para que afrontemos esta transformação. Afinal, o lado alegre que caracteriza o universo drag acaba por mascarar, ainda que temporariamente, assuntos sérios e delicados.
Ao longo destes anos foram homenageados no Monstra – Festival de Animação de Lisboa mais de 20 países mas, neste aniversário, o destaque vai para “o Mundo”. O programa exibe, para além das obras que marcaram a história do festival, alguns dos filmes de animação que foram produzidos recentemente, casos de Setembro, de Ricardo Mata e de A Famosa Invasão da Sicília pelos Ursos, de Lorenzo Mattotti, que integrou a secção Un Certain Regard, no Festival de Cannes, em 2019. Destaque também para o filme-concerto Solar Walk, onde é projetada a curta-metragem de Réka Bucsi, acompanhada ao vivo pela Big Band da Escola Superior de Música de Lisboa.
Há ainda filmes históricos para ver na Cinemateca, sessões para escolas e famílias na programação da Monstrinha e a exposição com figuras dos filmes de Tim Burton, no Museu da Marioneta. Para assinalar o 20.º aniversário, a Agenda Cultural de Lisboa falou com personalidades ligadas ao festival e ao cinema de animação.
Fernando Galrito
Diretor artístico da Monstra e professor de animação
Para Fernando Galrito o balanço dos 20 anos da Monstra é muito positivo. Ao longo deste tempo o festival teve mais de 1 milhão de espectadores e transformou a vida pessoal de quase todos os que nele trabalharam ou trabalham. Abriu portas e deu protagonismo ao cinema de animação dentro e fora do país (esteve presente em mais de 150 cidades internacionais). Por isso, talvez se justifique que este ano o convidado especial seja o Mundo!
Guilherme Afonso e Miguel Madaíl de Freitas
Diretores da Nebula Studios e realizadores
A dupla de realizadores estreou no Monstra, em 2019, um dos primeiros filmes de animação portuguesa de produção independente. A curta Don’t Feed These Animals, apresenta um coelho bipolar que tem um apetite voraz e que certo dia, por acidente, dá vida à sua comida favorita: uma cenoura. Guilherme e Miguel são também dois dos diretores da Nebula, produtora audiovisual especialista em animação 3D e efeitos visuais. A empresa, criada em 2008, é responsável pela publicidade de grandes marcas, mas resolveu apostar no cinema de animação.
Susana Realista
Produtora da Monstrinha
A Monstrinha nasceu também há 20 anos apresentando aos mais novos o melhor cinema de animação produzido no mundo. Susana Realista, uma das responsáveis pela produção deste festival dentro de um festival, refere a importância que a Monstrinha tem tido na formação do público mais jovem. No primeiro ano do festival assistiram 3000 pessoas, em 2019, só a Monstrinha contou com 27 mil crianças, jovens e famílias. Mas mais importante que os números, é a partilha cultural, artística e humana que se constrói com milhares de crianças.
Nuno Beato
Produtor na Sardinha em Lata, realizador e professor
A produtora Sardinha em Lata nasceu pela mão de Nuno Beato, em 2007. Dos vários projetos destaca-se a série Ema & Gui, realizada em 2010 para televisão e exibida no programa Zig Zag da RTP 2. A Monstra dedica uma exposição à série, no Cinema São Jorge, e uma conversa que conta com a presença de Nuno Beato. Para 2021 está prevista a estreia da primeira longa do cineasta: Os Demónios do Meu Avô. Escrito por Possidónio Cachapa, decorre numa aldeia imaginária em Vale do Sarronco, povoada de humanos, animais e seres fantásticos inspirados no universo da ceramista Rosa Ramalho.
José Miguel Ribeiro
Produtor na Praça Filmes, realizador, ilustrador e professor
Um dos fundadores da produtora Praça Filmes, José Miguel Ribeiro foi este ano o autor do cartaz da Monstra. Realizador do filme A Suspeita, vencedor do Cartoon D’Or, o prémio mais importante de curtas de animação europeias, é também curador de um programa de curtas-metragens portuguesas, nesta edição do festival. Neste momento, o cineasta está a desenvolver o projeto Nayola, uma longa de animação com argumento de Virgílio Almeida, baseado na peça A Caixa Preta, de José Eduardo Agualusa e Mia Couto.
Cinco designers falam-nos brevemente sobre a sua visão e sobre o modo como a aplicam no seu trabalho. Ilustrando a vertente ecológica do tema desta edição da Modalisboa, fotografámo-los com exemplares de plantas dos jardins e espaços verdes públicos da cidade, oriundos dos viveiros da Câmara Municipal de Lisboa.
CONSTANÇA ENTRUDO
8 março: 14h – Lab, Oficinas Gerais
Planta: Begónia-de-inverno (Bergenia Cassifolia)
Depois de passagens por Londres e Paris, regressou a Portugal onde apresentou duas colecções, no âmbito da MODALISBOA. Trabalha sobretudo com linhas recicladas, recolhidas em fábricas, transformadas em materiais e padrões novos, criando tecidos para criações de moda ou decoração. Defende que as novas gerações vão trazer uma atenuação das diferenças de género, conceito que aplica nas suas criações. Vai apresentar-se no espaço LAB em formato de exposição e instalação artística.
DINO ALVES
Planta: Azinheira (Quercus Rotundifolia)
8 março: 21h – Oficinas Gerais
Quando criou o hospital de roupa no seu ateliê, no ano 2000, para reciclar as suas criações, tornou-se um dos primeiros a abraçar o conceito de eliminação de desperdícios e de sustentabilidade. Chamou-lhe Serviços de Operação Surpresa (SOS) porque a peça final é uma surpresa para o cliente e ainda mantém este serviço. Nas suas criações recorre a tecidos orgânicos e a stocks estagnados em lojas e armazéns.
BEHÉN
Planta: Medronheiro (Arbutus unedo)
5 março: 21H – United Fashion Happenings, Paços do Concelho
A BÉHEN é uma marca que vai muito para além da roupa e que nasceu da vontade em procurar uma alternativa aos habituais sistemas de produção. O nome, que significa irmã em Hindi, reflete a escolha de Joana Duarte por criar peças únicas feitas a partir de têxteis antigos, toalhas, colchas e todos os outros tecidos dos baús das avós, entregando a sua manufactura a comunidades de mulheres em situação de desemprego.
LUÍS CARVALHO
Planta: Palmeira de leque (Trachycarpus Fortunei)
7 março: 19h – Oficinas Gerais
Desde 2013, ano em que criou a sua marca própria, Luís Carvalho é uma presença habitual na ModaLisboa. No ano seguinte, abriu em Vizela a nova casa mãe da marca, onde reúne no mesmo espaço, ateliê e loja própria. Para ele, a proximidade com os fornecedores, o conhecimento e acompanhamento dos métodos de promoção, são práticas essenciais para tornar a produção mais sustentável. Considera também que o recurso a produções em menor escala permitem evitar desperdícios.
NUNO GAMA
Planta: Cameleira (Camelia Japonica)
7 março: 22h30 – Oficinas Gerais
Nuno Gama, um dos criadores consagrados com presença assídua na ModaLisboa, acredita que a mudança de atitude na moda para uma cultura de sustentabilidade passa também pelo nível pessoal, pela mudança de hábitos. Considera que os clientes finais querem saber como são feitos e quem faz os produtos antes de os comprarem. Trabalha essencialmente com produtores nacionais, cujos processos conhece, que optam por materiais ecológicos. A colecção que apresenta nesta edição é dominada por tons de azul, em homenagem ao tema.
António Mega Ferreira
Mais que Mil Imagens
“Uma imagem vale mais que mil palavras” é uma expressão popular de autoria do filósofo chinês Confúcio, utilizada para transmitir a ideia do poder da comunicação através das imagens. Contudo, para um escritor a emoção estética visual provoca frequentemente o desejo da escrita. A presente obra decorre, justamente, da vontade de dizer por palavras as razões pelas quais certas imagens foram tão importantes para o seu autor: António Mega Ferreira. É, justamente, nas suas palavras, um livro que resulta “de impulsos literários desencadeados por estímulos visuais”. O escritor submete ao seu escrutínio exigente, entre outras, uma pintura de Jan van Eyck, de Rafael de Fragonard ou de Picasso, uma fotografia de Edward Weston ou de Cindy Sherman, uma obra cinematográfica de Bergman ou uma peça de arquitectura de Oscar Niemeyer. A todas elas traz novas formas de percepção e de análise, numa valorosa tentativa de “transpor o abismo entre o que o criador diz e o que o espectador vê.”
Sextante
As Mil e uma Noites
2.º Volume
A labiríntica narração de Xerazade tem seduzido gerações de leitores conduzidos por um mundo lendário, mágico e alegórico, povoado de reis, califas, tapetes voadores, misteriosas princesas, enganos, e trágicos amores, em que exotismo e sensualidade se confundem. Porém, As Mil e uma Noites, é, simultaneamente, uma obra que faz parte do imaginário popular e uma das mais desconhecidas da literatura universal. As suas histórias, as mais antigas remontam ao século XIV, foram sucessivamente alteradas, aumentadas ou encurtadas e, até, inventadas por tradutores menos escrupulosos. As traduções portuguesas d’As Mil e uma Noites, começaram a circular no início do século XIX com base na tradução francesa de Antoine Galland, cheia de erros, de adaptações ao gosto europeu e, sobretudo, de acrescentos de histórias que dela nunca fizeram parte. Pela primeira vez em Portugal, Hugo Maia traduz este conjunto de textos a partir do árabe, com a preocupação de seguir o mais literalmente possível os originais. Eis, finalmente, as histórias de maravilhar de Xerazade reconstituídas com total autenticidade e esplendor.
E-Primatur
Gustave Le Bon
Psicologia das Multidões
“A alma de uma raça é constituída pelo conjunto de caracteres comuns que a hereditariedade imprime a todos os indivíduos dessa raça. Sempre que um certo número desses indivíduos se encontram reunidos em multidão para agirem, a observação demonstra que do próprio facto da sua aproximação resultam determinados caracteres psíquicos novos, que se sobrepõem aos caracteres da raça e, por vezes, deles profundamente diferem”. O presente ensaio de Gustave Le Bon sobre as funções que as multidões organizadas têm desempenhado na vida dos povos foi, na sua época, desprezado pela Academia. Le Bon incorporava Darwin e Haeckel nos seus conceitos de hereditariedade e da natureza humana e reflectia sobre o ambientalismo ou sobre o ensino igualitário. Exerceu, porém, uma reconhecida influência em personalidades tão distintas como Freud, Hitler, Ortega Y Gasset, Lenine ou Roosevelt. Num mundo em plena globalização este ensaio continua a ser uma das mais compreensivas análises sobre como os seres humanos se comportam em sociedade e em grupo.
Bookbuilders
Peter Handke
Poema à Duração
O filósofo Henry Bergson, opôs-se ao positivismo e ao materialismo desenvolvendo uma análise crítica do conhecimento fundamentada nos conceitos de memória, duração e intuição. Ao adoptar a biologia, a fisiologia e a psicologia como bases do seu pensamento influenciou várias áreas da criação artística como o cinema e a literatura (Marcel Proust incluiu na sua obra Em Busca do Tempo Perdido conceções de Bergson sobre a memória). Também Peter Handke, Prémio Nobel de Literatura 2019, se baseou em Bergson, neste caso no conceito de duração, para compor este extenso e belíssimo poema, longe do estilo provocatório das suas obras mais icónicas. Para Handke, a duração “exige a poesia” (“O impulso da duração / já começa por si a entoar um poema”). Neste “poema de amor não carnal”, evoca o tempo como sensação de continuidade, os lugares que permitem sentir a duração e a comunhão consigo próprio que ela representa. Define a duração como “o mais fugidio de todos os sentimentos”, “um brando acorde feito de silêncio, / que leva à união e à perfeita sintonia de todas as dissonâncias”.
Assírio & Alvim
Italo Calvino
Palomar
Último livro publicado em vida por Italo Calvino, Palomar é uma narrativa fascinante sobre a vertigem do homem diante dos implacáveis mistérios do universo. Considerado o testamento literário do grande escritor italiano nascido em Cuba, nos arredores de Havana em 1923, conduz o leitor através de um inquérito de resultados surpreendentes: o senhor Palomar é sem dúvida um alter-ego autor, mas não só. São todos os seus leitores. Será possível encontrarmos um sentido nas coisas, no mundo à nossa volta? E dentro de nós próprios? O senhor Palomar está muito longe de ter alguma certeza quanto a tudo isso. Todavia, continua à procura. Homem excêntrico em busca de conhecimento, visionário num mundo sublime e ridículo, Palomar é um observador nato. «Só depois de ter conhecido a superfície das coisas», acredita ele, «nos podemos aventurar a procurar o que está por baixo.» Seja contemplando um seio nu, uma loja de queijos em Paris, a barriga de uma osga ou os céus de Roma invadidos por estorninhos, o senhor Palomar oferece-nos uma visão do mundo familiar, mas fragmentada pela perceção individual.
Dom Quixote
Júlio Dinis
Uma Família Inglesa
Revelado um ano antes em folhetins, no Jornal do Porto, o romance Uma Família Inglesa seria publicado em volume em 1868, afirmando a singularidade de Júlio Dinis na literatura portuguesa. Os dias de Carlos Whitestone, jovem herdeiro de um lucrativo negócio de exportações, são passados em pleno devaneio boémio nas ruas, nos cafés e na noite da cidade do Porto. Por alturas do Carnaval, num baile de máscaras, Carlos apaixona-se por uma rapariga belíssima, cuja identidade desconhece, mas que irá descobrir tratar-se de Cecília, filha do modesto e obediente guarda-livros que trabalha para o seu pai. É a história deste casal aquela que se narra em Uma Família Inglesa: a força do seu encontro e a mudança a que ele os obrigará, denunciando os dois grandes temas da obra – a família e o trabalho. A reedição deste belo romance vem possibilitar o acesso de novos leitores à obra de um dos escritores determinantes na literatura portuguesa do século XIX.
Livros do Brasil
Rémi Courgeon
Endireita-te
Toda a sua vida, Adjoa levou à cabeça baldes, milho, gasolina, cabaças, desgostos, feijão, bananas, segredos difíceis de guardar… sempre de cabeça erguida e dentes cerrados, tal como lhe ensinaram. Até porque onde Adjoa vive, em Djougou, para que uma menina cresça, põe-lhe coisas na cabeça. De um jeito poético e inusitado, através de belíssimas imagens repletas de cor local, este livro singular mostra como se podem transformar objetos de dor em atos de amor. Rémi Courgeon é um autor de literatura para a infância, ilustrador e pintor francês. Realizou, igualmente, uma série de cadernos de viagem e reportagens desenhada: sobre os Dogons no Mali em 2002 para a revista Geo, sobre a sida no Quénia para os Médicos sem fronteiras em 2006 e sobre a reconstrução após o sismo de 2010 no Haiti para os médicos do Mundo. Realistou várias exposições de pintura nos Estados Unidos da América e em França.
Orfeu Negro
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