Nuno Viegas

Espalho os brinquedos e procuro, sem prenunciar ou acicatar demasiado o propósito, retomo esse tempo em que o mundo se resumia a uma caixa prolixa de peças e à reconstituição permanente do sentido nas mesmas, a imaginação sempre ensinou o caminho, começando pelo engenho dos passos e a coordenação do corpo, que as pernas e os braços e as mãos nada mais fazem que servir os seus desígnios de extrapolação do que a realidade deu por acabado entre os homens finitos, as suas minúsculas quezílias, desfortunas e ambições.

Dos cantos e dos ângulos rectos onde a vida se subestima, como humidade imprevista a corroer lentamente a ficção arquitectónica da eternidade, vou atrás desse pé depois do outro, nesse impulso cosmogônico que antagoniza o vazio minuciosa e febrilmente, sem prometer saídas, entradas porventura, adivinhar escotilhas de espreitar para lá das brumas, orifícios no cobertor omnipresente que endurece a vista e tolda o discernimento, ser o princípio actuante que observa o acto, o primeiro espectador e intérprete, um ignitor e receptáculo dessa explosão furiosa que tem vindo a espalhar o cosmos, diz-se. Parece que um ponto é o princípio e estranho o ponto final.

Nuno Viegas, março 2022

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