Foi nomeado diretor do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva em fevereiro deste ano. Já trazia ideias sobre o que queria fazer?

Chego à direção através de um concurso e estou a fazer aquilo a que me propus na minha candidatura. Quando há oportunidades destas, que não são assim tão frequentes, os profissionais da área pensam se é uma coisa que lhes interessa ou não e o que podem ou não trazer de novo à instituição. Eu pensei muito. Este é um museu de que as pessoas gostam muito, de modo geral. Não conheço ninguém que não goste deste museu. No meu caso, era principalmente por ser um museu com uma escala pequena e que tem uma escala simbólica bastante ampla devido, sobretudo, à obra de Vieira da Silva, que é a artista mais mediática dos dois, mas também devido a esta relação entre dois grandes artistas.

É um museu que nasceu de uma história de amor.

Sim, uma história de amor entre artistas, o que não é raro… mas são sempre bonitas, não é? E entre dois artistas que tinham mundos solitários, mas que os foram entretecendo na sua relação. Fiz uma reflexão, comecei a pensar no que poderia fazer e depois instruí a candidatura e foi num crescendo. O museu é um dos poucos em Lisboa para se ver pintura, para se ver boa pintura. Quem diz pintura, diz desenho… E depois tem esta relação privilegiadíssima com a Praça das Amoreiras. Quando comecei a estudar a história do edifício e a procurar, não encontrei logo o ângulo de entrada que acabei por trazer, não ficou logo evidente – nem para mim, que já me interessava muito pelo tema da metamorfose e dos corpos que se transformam – este enfoque poético da importância da oralidade, da maneira como nos constituímos enquanto comunidade. Foi a partir desse estudo e dessa reflexão que surgiu o tema da metamorfose como uma evidência, surgindo quando olhei para a origem do edifício. E da origem do edifício fomos crescendo para outras questões, para a história do museu, que não conhecia em grande pormenor, para a história das exposições que aqui aconteceram…

Por isso, quis voltar à origem deste lugar, tanto nas alterações que foram feitas ao edifício como na exposição com que agora reabre?

Este limpar de camadas que aqui fizemos tem muito a ver com algo em que acredito: vemos melhor quando chegamos a um lugar que não é o lugar que habitamos há muito tempo. Pareceu-me evidente, por exemplo, que a fachada tinha de brilhar outra vez, por isso, voltámos ao amarelo, tirámos as telas e pusemos o nome em destaque. O museu tinha de ser devolvido à praça, ao jardim… Mas nada do que proponho é novidade. Este museu existe há 30 anos, tem uma história feita de grandes exposições e de muitos artistas incríveis, apenas achei que precisava de um novo olhar. O mote para voltar à origem foi o 30.º aniversário, com gestos muito simples e muito pragmáticos, muito funcionais, indo buscar coisas que já estavam escritas no projeto original. A cor do edifício, que tem a ver com a poética das cores dos edifícios em Lisboa, estava inscrita no projeto original. O nome na fachada é o bastante para as pessoas que já se encontram na praça serem conduzidas ao museu e serem convidadas a entrar. O museu abriu-se à luz. É literal, mas acho que resume bem o que aqui quisemos fazer. E Arpad e Vieira usaram a luz como uma das matérias principais, portanto, é conduzir essa luz para dentro do edifício. Abrimos as entradas de luz natural nas salas… e a luz conduz-nos também à alma do edifício e de Arpad e Vieira. E a única maneira de nos relacionarmos com estes dois seres que já não estão entre nós é pela luz, não é?

Parece que tudo se liga: a pintura de Vieira e Arpad, a sua história, este edifício que foi a Fábrica de Tecidos de Seda, este jardim…

Para mim, faz todo o sentido. Costumo dizer que é muito importante relacionarmo-nos com os artistas – sobretudo os artistas famosos que já desapareceram – pensando-os como jovens e pensando-os como pessoas não necessariamente alinhadas com as histórias que a História da Arte conta. É preciso haver uma certa insubmissão em relação ao que pensamos que já sabemos. Isso é um ponto de partida maravilhoso para se entrar no museu de novo: há coisas que não sei ou há coisas que me foram contadas que talvez não sejam exatamente assim ou, sendo exatamente assim, se calhar há uma dimensão escondida. Na Vieira há, de facto, uma dimensão escondida muito poderosa. Vejo-a como uma espécie de Aracne, uma espécie de feiticeira, muito poderosa. Uma mulher que tinha consciência da sua força, mas que não a mostrava necessariamente, e era tanto mais forte por causa disso. Zelou por muitas outras pessoas e por princípios de forma verdadeiramente inabalável, sem nunca gritar. Por isso, acho que o edifício também não deve gritar, deve estar lá com uma presença intensa, mas não gritante e deve olhar para estes artistas como jovens que foram – e que provavelmente se mantiveram – e olhar mesmo de outro ângulo. É o que queremos fazer. Queremos contar histórias e isso convoca sempre duas coisas que estão a desaparecer em muitos lugares, que é os dois lados: uma pessoa que fala e uma pessoa que ouve. O museu convoca uma ideia de escuta muito forte e isso liga-nos aos outros. Este exercício da escuta é algo que o museu propõe, seja em interação, seja por interposta pintura. É importante reencontrar a ideia de presença no museu, porque ela está muito desmaterializada. E não há melhor do que Vieira e Arpad e todos estes artistas que os acompanham nesta exposição, que é uma constelação… mais uma vez, a ideia de luz a ser importante aqui.

Além da luz, outra das ideias fortes desta exposição é a das texturas. Disse que essa materialidade nos museus é importante, porquê?

Sim, sabemos exatamente aquilo que nos faz falta, mas andamos em negação muitas vezes. A perceção de que as coisas têm uma textura parece-me fundamental. O material é muito importante para nos ligarmos à vida. Acredito que as realidades virtuais nos museus são desviantes e podem pôr em causa a apetência para apreciar uma pintura. O museu tem de ser político, não podemos ficar só no plano do estético. A exposição vai inaugurar numa altura que podia ser mais eufórica e um bocadinho depressiva, por causa deste momento político internacional, mas os museus, nunca esquecendo a sua dimensão fortemente enraizada na realidade, no quotidiano das pessoas, devem ser também universos de esperança e de reparação. Não quero parecer demasiado otimista, porque não sou, é o contrário do que sou, mas essa ideia de reparação através de um encontro connosco próprios pode ser muito intensa num museu. Os museus, atualmente, são dos lugares mais criticados, mais repensados e mais estigmatizados, mas continuam a existir, continuam a ter uma força muito grande e há que perguntar porquê – ou então, não perguntar porquê, mas continuar a vir aos museus. Dito isto, acho que o museu se tem de reinventar, os museus e este em particular, que é aquele de que nos ocupamos. Reinventar no sentido de não se deixarem adormecer, de não serem condescendentes para o público, de não acharem que o público sabe tudo, por um lado, e que o público não sabe nada, por outro, e de serem lugares, sobretudo, que propiciem encontros, lugares de abertura. Não é preciso muito mais. Esses encontros podem ser guiados ou não, mas a emancipação do espectador, como Jacques Rancière dizia, tem de ser feita confiando nele, dando a acessibilidade necessária. E a acessibilidade não é só ter elevadores ou ter entradas francas, a acessibilidade tem muito a ver com essa relação de confiança, não é?

“As realidades virtuais nos museus são desviantes e podem pôr em causa a apetência para apreciar uma pintura”

 

É necessário repensar também na forma como se chamam as pessoas para o museu.

Sim, é um trabalho que estamos a fazer, de que os museus precisam. Se tiverem uma intensidade que as pessoas sintam que existe, elas vêm, claro, mas temos muito trabalho a fazer. Estamos a viver num contexto único em Lisboa, não me lembro de um contexto tão rico em termos museológicos, com diferentes instituições de várias escalas, umas mais formais, outras mais informais, com um conjunto de programadores que se estimam uns aos outros, que querem trabalhar em conjunto e que também oferecem uma concorrência grande. As pessoas têm de escolher, claro, mas penso que temos argumentos muito importantes: temos uma das artistas portuguesas com maior prestígio à escala internacional, temos uma história de amor para contar, temos neste ano de celebração uma nova programação com novos nexos, novas linguagens e esta praça – e não há outra como esta em Lisboa! – portanto, são argumentos muito bons para que as pessoas venham. Ainda há um último: eu faço apologia dos museus mais pequenos, não aqueles museus gigantescos que têm exposições a perder de vista. As pessoas podem vir e ter aqui uma relação muito intensa com as peças.

Será esse o mote para os próximos 30 anos?

O mote para os próximos 30 anos é fortalecer este museu, elevá-lo, do ponto de vista orçamental e do ponto de vista das condições, a uma escala simétrica à escala simbólica e ao valor material que as obras de Vieira e Arpad têm. O museu tem de ser fortalecido e precisamos de colaboração para isso. Este é um museu que partiu de uma concertação de vontades muito poderosa, com várias instituições e pessoas. Começou por ser uma vontade de Vieira, que era humilde no início e depois foi crescendo com a ajuda de pessoas. Temos de provar que sabemos fazer e temos de honrar essa história, mas ao mesmo tempo temos de ser ambiciosos. Precisamos de ter a força de reivindicar e sermos dignos disso. Esse é o projeto para os próximos 30 anos.

Como é essa nova linguagem de que falou, mais próxima, menos formal?

Sim, a ideia aqui é contar histórias – não propriamente a História da Arte, mas outras: sobre este edifício, onde se aprendia o ofício da tecelagem, sobre as 331 amoreiras, um número poético porque estranho, que alimentavam todo o ecossistema dos têxteis… É desse ecossistema que queremos falar, da solidariedade entre as espécies vegetal, animal e humana. Acredito que, olhando para essas outras espécies, aprendemos sobre nós próprios. Vamos contar as histórias da História de Arte, queremos contar os intervalos da história, que são os intervalos dos pontos, da trama da História. Queremos contar uma história mais sensorial, mais humana, talvez… uma história que toque mais as pessoas, uma história que não está nos livros, é isso que queremos. O museu não é um livro de estudo, é outra coisa. Tem vários pontos de ancoragem que não são necessariamente feitos através da palavra ou do texto. Dito isto, este binómio têxtil-texto interessa-nos muito neste ano de programação, que também nos vai dar pistas sobre o que vamos fazer a seguir. Nesse sentido é uma exposição bastante experimental.

Falta-nos só falar da ideia de metamorfose que atravessa a exposição e que, como disse, sempre foi uma coisa que o fascinou.

Tenho trabalhado muito com a metamorfose, sempre me interessou a expansão da nossa perceção e a maneira como os sentidos de índices inferiores foram sempre relegados e reprimidos. O tema da metamorfose é intemporal. Há um momento na história do pensamento, que se situa na Grécia, em que há alguém que vem reprimir toda uma tradição sensorial materialista, a tradição pré-socrática – e é bastante injusto que os filósofos antes de Sócrates se chamem pré-socráticos – porque Sócrates e Platão vêm, de facto, censurar e estigmatizar essa abertura a outros sentidos e outras formas de perceção da realidade. Interessa-me muito que a visão não domine o nosso aparelho percetivo, porque a visão convoca uma nomeação e quando damos o nome a uma coisa, estamos a fixá-la numa forma. E só as coisas que têm forma é que podem ser nomeadas. A mim interessa-me o que não pode ser nomeado. Acredito que isto é também, de certa forma, estar acordado para o que está a acontecer hoje. Não me interessam muito os adjetivos, o woke, o wokismo, etc. Não, interessa-me perceber o que está a acontecer às pessoas e como é que os corpos mudados que Ovídio nos prometia se estão a realizar agora. Interessa-me fazer essa relação com os dias de hoje. No museu, queremos convocar também públicos jovens que talvez encontrem algumas respostas, que não têm, para o que lhes está a acontecer. Hoje não vemos uma árvore como víamos há alguns anos, já percebemos que são seres e que têm muito para nos ensinar. Também a relação que temos hoje com os animais é muito diferente. Temos de incorporar toda esta poética na nossa cultura, que é uma cultura cada vez mais alienada.

Anna Sant’Ana parece andar numa relação com Marilyn desde 2010. Nesse ano, a atriz brasileira interpretou “uma faceta” da sua congénere Leila Diniz, símbolo da emancipação feminina no Brasil durante os anos 1960 e 1970, que se identificava explicitamente com aquela que terá sido a estrela mais popular de Hollywood na década de 50 do século passado. Pouco tempo depois, a iconografia de Marilyn volta a cruzar-se com Anna, quando em palco veste a pele de uma mulher que partilha com o marido uma fantasia sexual que consiste em reproduzir a famosa cena do vestido esvoaçante de O pecado mora ao lado. 

Estas aparentes “coincidências” motivaram a atriz a tentar saber mais sobre quem foi Marilyn Monroe. Um aturado trabalho de pesquisa preencheu a década seguinte, revelando a Anna facetas da lenda que desconhecia por completo. “Fui-me deparando com a mulher que havia por trás da imagem do ícone sexual. O outro lado do mito era, afinal, uma mulher como tantas outras, que tentava enfrentar seus momentos de depressão, sua baixa autoestima e a imensa solidão. Ela só queria mesmo ser amada. Tudo isso me fez identificar com Marilyn, perceber que partilhávamos muitas feridas, muitos traumas”, explica a atriz.

Ao longo do trabalho de pesquisa, para além dos filmes que interpretou e inspirou, das entrevistas que se podem encontrar na internet e de uma vasta bibliografia em torno de Marilyn, Anna destaca como essencial para aquilo que haveria de ser o espetáculo o livro de Keith Badman The Final Years of Marilyn Monroe. “Nessa biografia muito detalhada, [o autor] desmonta muitas mentiras que se contam sobre Marilyn, sobretudo sobre a relação dela com os Kennedy.” Esse livro acabou por ser muito importante na construção do “documento de umas 70 páginas onde resumi os 36 anos da vida muito preenchida de Marilyn”, afirma a atriz. Será esse “documento” que Anna acabará por entregar a Daniel Dias da Silva para ser transformado num texto dramatúrgico.

De Norma Jeane a Marilyn

Na sequência de uma passagem de Anna Sant’Ana por Lisboa, a encenadora portuguesa Ana Isabel Augusto entra no projeto ao dirigir a atriz numa leitura de parte do texto de Daniel Dias da Silva. “No fundo, a Anna queria experimentar colocar o texto em cena para ver no que dava e, sem qualquer tipo de compromisso, pediu-me que dirigisse a leitura”, conta.

Mesmo sem o texto terminado, a entrega de Anna à personagem e o esboço do trabalho de desenho de luz de Renato Machado faziam perceber que havia “um espetáculo a ganhar forma”. Embora o objetivo fosse fazê-lo no Brasil, o contributo de Ana Isabel Augusto foi tido por Anna como essencial. “Era a pessoa perfeita para conduzir o carrossel de emoções que vivo a fazer a Marilyn”, sublinha a atriz.

O espetáculo acompanha as derradeiras horas de Marilyn, entre álcool e barbitúricos, naquele que acabará por ser o seu leito de morte. Na mais profunda solidão, temendo o esquecimento, lutando contra todas as frustrações e abusos sofridos, a atriz revive episódios da sua vida, desde o tempo em que era apenas a incógnita Norma Jeane até se tornar Marilyn Monroe, a mais desejada das estrelas de Hollywood da década de 1950.

No dito “carrocel de emoções” que caracteriza Marilyn, por trás do espelho, Anna Sant’Anna desdobra-se entre os múltiplos papéis de Norma Jeane/Marilyn. Da criança abandonada e abusada à estrela em declínio, passando pelos papéis de dumb blonde com que conquistou as telas, ao mesmo tempo que a tornavam no símbolo sexual de uma América a antecipar a revolução sexual vindoura, na sua composição da lenda de Hollywood, Anna oferece não “a imagem da ‘loira burra’, mas a da mulher que lutou muito para sair desse estigma e ser vista como inteligente e como excelente atriz”.

Embora a imagem da sex symbol continue muito presente no imaginário de várias gerações, a Marilyn para lá do mito continua a ser um enigma por decifrar. Se, é certo, isso interessou a Anna Sant’Ana ao longo de tantos anos de pesquisa, a atriz não deixa de sublinhar a importância que ela teve na subversão de vários estereótipos sobre o papel da mulher, ao mesmo tempo que os estúdios lhe impunham outros. Algo bastante sublinhado no espetáculo é “a questão de, ao assumir a sua liberdade sexual, Marilyn ser extremamente objetificada” e vítima constante de relações abusivas, “como se essa liberdade sexual desse direito a ser usada e manipulada como um objeto pelos homens”.

Depois de dois anos de digressão por Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Brasília, e ter sido distinguido, em 2022, como melhor monólogo e melhor texto original nos Prémios Cenym, atribuídos pela Academia de Artes no Teatro do Brasil, o espetáculo sobe agora ao palco da Sala Estúdio do Teatro da Trindade, permanecendo em cena até 22 de dezembro, com récitas de quarta a domingo às 19 horas.

É entre os dois lados do rio Tejo que Vânia Doutel Vaz costuma passar os dias. No final deste mês, a bailarina e coreógrafa vai estar em residência na Casa da Dança, em Almada, e abre as portas ao público do Alkantara Festival, no dia 30, para partilhar o processo de criação de violetas, o seu primeiro espetáculo de grupo que será estreado na edição do próximo ano. Neste Portas Abertas, mostra um pouco daquela que descreve como “uma peça íntima de dança onde se existe e resiste num ambiente minimalista”. Escreve: “Aqui o corpo que dança é único e suficiente. violetas – que dispensa música, cenário ou luz – joga com a expectativa e com a perceção. Instalada na penumbra, cria universos múltiplos, de maleabilidade, complexidade e subjetividade. Propõe uma reflexão sobre o que projetamos e o que pressupomos”.

 

Lançamento de Pornland, de Gail Dines

11 novembro, 19h
Livraria Travessa

A jornalista e ativista brasileira Yasmin Morais apresenta em Lisboa a edição brasileira do livro Pornland, de Gail Dines, que fala do impacto da pornografia no fortalecimento de uma cultura que normaliza a misoginia e a exploração sexual, pela forma como trata e objetifica as mulheres. Para Vânia, será uma conversa a não perder. “Não conheço a escritora nem quem vai apresentar o livro, mas este é um tema muito atual e que me interessa”, nota, acrescentando que ultimamente tem lido bastante. “Penso que é a minha fase mais ativa de leitura, mas a maior parte dos livros que tenho escolhido são em inglês, por isso sugiro este que ainda não li. Além disso, adoro a livraria Travessa, encontro lá muitas traduções para português de livros que quero ler e chegam primeiro ao Brasil.”

Caminhanti é Caminho / Caminho di caminhante

12 novembro, 10h às 17h30
Culturgest

Este é um workshop em cuja preparação Vânia começou por estar envolvida, mas de que acabou por se afastar por incompatibilidade de agenda. Organizado pela UNA – União Negra das Artes, associação da qual faz parte, leva o subtítulo de Rotas de Cuidado na Prática das Artes Performativas em Portugal. “Tem como propósito a criação de um manual antirracista, que oriente as instituições no sentido de se evitarem situações constrangedoras de discriminação e interações desconfortáveis, usando a experiência de todas as pessoas. Mais do que um lugar acusatório, queremos que seja uma tentativa de diálogo, para aprendermos com todas as pessoas e para impactarmos todas as pessoas”, explica. Dirigido a profissionais das artes performativas, requer candidatura prévia.

Festival A(r)tivismo

Festival A(r)tivismo

Até 1 dezembro
Avenidas

No mês da Consciência Negra, celebrado em novembro, Vânia destaca a programação do Avenidas – Um Teatro em Cada Bairro, que organiza a segunda edição do Festival A(r)tivismo. Exposições, filmes e documentários, concertos, conversas e debates, oficinas, leituras, um mercado e um magusto compõem uma programação que se quer dedicada “ao ativismo representado nas várias formas de expressão artística”, na promoção da igualdade e diversidade e dos direitos humanos enquanto direitos fundamentais. “Uma programação cheia.”

Estamos No Ar, de Diogo Costa Amarante

Emília Perez, de Jacques Audiard

Já em cartaz / estreia 14 novembro

São dois os filmes aconselhados por Vânia, ainda mesmo de ver qualquer um deles – certo é que os trailers a convenceram. “Fiquei com muita vontade de ver ambos. Estamos No Ar começou por me chamar a atenção porque entra o Romeu Runa, meu amigo, e pareceu-me ‘meio Almodóvar’, com crises identitárias, de género e de sexualidade, meio absurdo, sobre a essência humana de estarmos mal mas arranjarmos sempre espaço para uma reflexão sobre o que é estar vivo”, descreve. Em relação ao musical Emília Perez, que deu que falar no Festival de Cinema de Cannes pela história de uma narcotraficante transsexual, a bailarina conta: “Quando vi as imagens, aquilo pareceu-me uma dança, parecia que todos os movimentos estavam coreografados. Fui ver a ficha artística e descobri que a coreografia é de um amigo meu, Damien Jalet. Vou querer muito ver. Pareceu-me hiper-realista e gosto disso”. A bailarina acrescenta ainda uma sugestão: ir vê-los ao Cinema Ideal, a sua sala favorita em Lisboa.

Roda de Samba do Coletivo Gira

15 novembro, 20h às 24h
Casa da Gira

É um dos programas habituais de Vânia: as noites de Roda de Samba do Coletivo Gira, formado por mulheres multi-instrumentistas brasileiras que vivem em Lisboa e lutam por uma maior representatividade feminina dentro do samba, resgatando os clássicos do género musical e dando-lhes um novo olhar. “Tem sido sempre muito bom. A coisa mais linda é estar toda a gente a cantar e estarmos ali a tentar apanhar a letra, é muito forte.” A noite de 15 de novembro tem como pessoa convidada Didi, dj e artista transdisciplinar, ativista em questões relacionadas com a negritude, as comunidades LGBTQI e os movimentos anti-racistas.

Passeios African Lisbon Tour e Bairro Árabe

Qualquer dia / todas as sextas-feiras

“Nunca fiz uma nem outra, mas tenho muita curiosidade”, diz Vânia. “A African Lisbon Tour é feita de tuk tuk, na Baixa, e tem como foco a história africana da cidade, contam-se coisas que não são faladas em lugar nenhum, nem nas escolas nem nos livros. Também a existência árabe neste território me interessa muito. Fiz uma caminhada semelhante no Porto, uma vez, e gostei de ver outras coisas que não as que encontramos nos livros.” Marcações prévias aqui e aqui.

Travessia de barco Lisboa – Almada

Todos os dias

“Como orgulhosa ‘margem sulense’ que sou, recomendo uma travessia no Cacilheiro para ver Lisboa deste lado. O catamaran tem uma janela muito longa em que se consegue ver a cidade e foi ali que descobri finalmente o sentido daquela frase de que diz ‘Lisboa a flutuar’. Nunca tinha visto essa imagem até andar de catamaran. Vê-se Lisboa inteira, parece um museu quase!”

“Sempre que um nómada digital chega a Portugal 2 golfinhos saltam do oceano para fazer a forma de um coração.” A frase, em inglês, é acompanhada por uma imagem a condizer e está num dos autocolantes espalhados pelas paredes dos Coruchéus – Um Teatro em cada Bairro. São reproduções daqueles que Wasted Rita criou em 2022 e que batizou assim: I don’t know how to manifest, so passive aggressiveness and cynicism are my favorite forms of living [Não me sei manifestar, por isso, a agressividade passiva e o cinismo são as minhas formas de vida favoritas]. O título podia servir de resumo à sua obra e à exposição que inaugura este sábado, a que deu o nome de works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room [trabalhos de antes juntam-se a trabalhos de agora e a trabalhos de entre antes e agora, na mesma sala].

No dia em que se celebra o primeiro aniversário dos Coruchéus, abrem-se as portas, às 16 horas, desta pequena exposição onde a artista reúne 37 peças (“algumas nem lhes chamaria peças, são só escritos que costumo ter na parede do meu ateliê”) e um vídeo. Um arquivo de trabalhos criados entre 2012 e 2024, que achou pertinentes para esta exposição. De fora, ficaram alguns mais antigos, sobretudo sobre relações interpessoais, que Rita Gomes considerou já não serem “apropriados”, e também “as peças boas, porque foram todas vendidas”, acrescenta, a rir.

Em cada uma, reconhecemos o seu tom característico, inundado de sarcasmo, de ironia, de niilismo e de acidez. Tal como tinha acontecido na exposição na galeria Underdogs, no ano passado, Wasted Rita volta a sublinhar a crise da habitação em Lisboa. “Penso que acaba por ser uma mostra da frustração de viver numa cidade com tanta especulação imobiliária. Mas aconteceu sem querer, sem eu pensar nisso. E até tem graça porque estão aqui trabalhos da época em que me mudei para Lisboa e em que ainda estava encantada. Pelos vistos, nunca me consigo ver livre da minha acidez!”, diz. “É o revisitar do meu processo de desencantamento com Lisboa. Neste momento, o que me liga à cidade é apenas o meu ateliê”, nota, congratulando-se por ter um espaço, que lhe foi atribuído, há quatro anos, no Complexo Municipal dos Coruchéus, o conjunto de edifícios em Alvalade, criado em 1970 para artistas plásticos.

Da angústia ao escapismo

misfortune messages (mensagens de infortúnio) foi a primeira peça que escolheu para expor agora: dois mupis cor de laranja, feitos a convite da GAU – Galeria de Arte Urbana há quase 10 anos, para um projeto que não chegou a avançar. Nunca foram mostradas neste suporte, apesar de terem feito parte da sua primeira exposição, impressas em pequenos papéis guardados dentro de bolas de plástico que se tiravam de uma máquina a troco de uma moeda: “Always be yourself unless you want to have some friends, then always be someone else” [Sê sempre tu próprio a não ser que queiras ter alguns amigos, se não, sê sempre outra pessoa]; “All you need is a nice-loooking ass and a cool pair of sneakers” [Tudo o que precisas é um rabo bem-parecido e um par de ténis cool].

Quase nenhum dos trabalhos é inédito, aponta Rita, uma vez que vai mostrando as novas peças no Instagram. No entanto, apenas três delas estiveram expostas antes. A tela T.I.R.E.D. – “All my friends are tired and underpaid” [Todos os meus amigos estão cansados e mal pagos] –, por exemplo, foi criada este ano e muito partilhada nas redes (por esta altura, o post soma mais de 15 mil gostos). Já o desenho de Gil, a mascote da Expo 98, em cima de um golfinho, sobre um fundo amarelo néon, com a frase “There’s nothing left to romanticize here [Não resta nada para romantizar aqui] esteve na galeria AINORI, em Lisboa, em 2023.

Numa vitrine, estão muitos dos “escritos” vindos das paredes do seu ateliê. “São coisas que tenho lá porque me fazem sentir mais sana e que quis trazer para aqui”, conta. Alguns são apenas rascunhos de ideias reunidas durante os processos de criação, folhas de vários tamanhos e de vários cadernos diferentes, uma delas pisada, outras rasgadas – mas todas com mensagens que não nos deixam indiferentes, sempre entre o riso e o amargo de boca.

Da angústia literal à “vontade de escapismo e de procurar outras oportunidades e outros caminhos”, Wasted Rita instalou num canto dos Coruchéus, pintado a amarelo, um ecrã onde passa, em contínuo, um vídeo da instalação cure my SAD, apresentada em Eindhoven, nos Países Baixos, no ano passado. Duas espreguiçadeiras e dois chapéus de sol num pedaço de areia era o cenário para um dispositivo de realidade virtual onde se via um outro areal só com toalhas de praia e vibradores. Aqui, retemos o vídeo dentro do vídeo de um pôr do sol sobre o mar onde corre um texto com reflexões existenciais sobre golfinhos e cachalotes. Este trabalho, descrevia na altura, “convida toda a gente a relaxar em relação ao presente e a preocupar-se com o futuro”. A acompanhar, um desenho “a pensar nos dias bons, de praia com os amigos, a beber água de coco”.

‘Do It Yourself’

Sempre ácida, como se reconhece, Rita Gomes vai fazendo das frustrações incentivos de criação – da aflição de se aperceber sem casa numa cidade cada vez mais gentrificada às estranhas realidades que vê em volta ou aos comentários que ouve na rua. Na vitrine dos Coruchéus expõe uma das peças mais causticas: um anúncio em forma de banda desenhada que inventou depois de, em Nova Iorque, ter sido seguida ao longo da rua por um homem que, do carro, lhe repetia que devia ter deixado o rabo em casa por ser demasiado distrativo e poder causar acidentes. “É isso que vou tentando fazer: transformar todos esses sentimentos em estímulos”, conclui.

works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room não está numa grande galeria, como aquelas por onde têm passado as obras de Wasted Rita, no entanto, isso não a inibiu. “Comecei em modo Do It Yourself e em espaços pequenos e agora voltei a aceitar expor num lugar que, para mim, faz todo o sentido existir”, afirma. É quase um regresso ao início, mas cheio de bagagem, esta mostra de arquivo, que tem entrada livre e pode ser visitada até 25 de janeiro de 2025, de terça a sábado, das 13 horas às 19 horas. No dia 7 de dezembro, a artista faz ainda uma oficina de desenho para crianças dos cinco aos nove anos, e estão marcadas três visitas guiadas por Lénia Loureiro, da Divisão de Ação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, a 30 de novembro, 21 de dezembro e 11 de janeiro (tudo requer marcação prévia).

Inspirando-se no seu trabalho, da poesia à publicidade, passando pelas peças de teatro, canções e filmes, a sala de teatro de Lisboa que se assume como um lugar para as crianças, os jovens e as artes, criou um pequeno programa a várias vozes, intitulado Ciclo O’Neill.

Susana Menezes, diretora do LU.CA, diz que quando se decide a fazer um ciclo temático é porque acredita que existe “um lugar de fala” e que se vão “acrescentar experiências várias e conhecimento” a quem visita o teatro. “Neste caso escolhi Alexandre O´Neill, porque é um sujeito singular na produção literária portuguesa do século XX, para além da comemoração, no final deste ano, dos 100 anos do seu nascimento. Talvez seja um tema pouco óbvio quando se trata de programar para as crianças, mas considero que esta é também a nossa função e objetivo, apresentar propostas artísticas que são alternativas, contextualizadas e na língua adequada, apontando para novos ou reinventados assuntos, para que as crianças e jovens de hoje possam conhecer outras leituras e descobrir o que ainda não conheciam”, diz.

Pensado em diferentes formatos, tempos e linguagens, a criação do ciclo contou com a colaboração determinante de Luís Leal Miranda, que escreveu o espetáculo central (a peça Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill), cocriou a exposição e ainda preparou uma playlist. “Quando me convidaram para escrever um espetáculo sobre o O’Neill, percebi que não queria fazer uma biografia chata sobre o seu nascimento, onde estudou, o que fez, etc. Percebi que queria fazer uma coisa um bocadinho diferente”, adianta Luís. Na peça, cocriada por Malu Vilas Boas, contextualiza-se O’Neill numa viagem ao interior da sua cabeça, da sua vida e obra, um guia do Museu do Pensamento Poético leva o público numa visita guiada pelos objetos desta invulgar “cabeça-museu”, que permite conhecer de perto a forma de ser e escrever do poeta.

O espetáculo “Um Poeta em Forma de Assim” é uma viagem ao interior da cabeça do poeta. ©Enric Vives-Rubio

 

Além deste espetáculo, o Ciclo O’Neill compreende outros eventos para que os mais novos fiquem a conhecer este poeta português um pouco melhor. Entre eles, Tomai lá de O’Neill, uma playlist também criada por Luís Leal Miranda com músicas e poemas inspirados pela obra do escritor, uma espécie de banda sonora para um filme que não existe, mas que todos podem ir fazendo na sua cabeça. E há ainda Poemas para Estes Dias, uma programação online de poesia, interpretada por Miguel Fragata e Pedro Mourão, que levam ao site e às redes sociais do LU.CA poemas-vídeo do universo de Alexandre O’Neill. Porque não há hora certa para nos cruzarmos com palavras que nos despertam.

A exposição “A Loja a fingir do Museu Imaginário” é de entrada gratuita

 

Imperdível, A Loja a fingir do Museu Imaginário, uma exposição de Lavandaria e Luís Leal Miranda, disfarçada de loja de souvenirs, memorabilia ou recuerdos relacionados com a vida e obra do poeta. A mostra surge como complemento à peça de teatro Um Poeta em Forma de Assim, transformando-se numa delegação do Museu do Pensamento Poético. Nenhum dos artigos expostos está à venda, porque esta é, literalmente, A Loja a Fingir do Museu Imaginário.

A completar o ciclo, AlfabetO’Neill é uma oficina de Ana Ribeiro que tem como inspiração os poemas-comentários conhecidos como Divertimentos com Sinais Ortográficos, que Alexandre O’Neill escreveu para a revista Almanaque. Esta oficina convida os mais novos a divertirem-se fazendo desenhos com letras e brincando com o alfabeto mesmo que ainda não saibam ler.

Ao espectador, o único elemento entregue à partida é um título, “que se quer impactante”, e, depois, “um texto poético, cheio de paisagens e imagens”. A jusante, pretende Marta Lapa, “cada pessoa deverá fazer a viagem, incorporando e reconhecendo cenários numa leitura” guiada pelos corpos de quatro mulheres. O movimento coreográfico que protagonizam situa-se num espaço amplo e vazio, ocupado, num primeiro instante, de um modo quase harmónico, logo “mais confortável para o espectador”. Com o evoluir da “viagem”, dá-se uma espécie de “libertação” rumo ao “agradável abismo” em que os corpos de cada uma delas se reinventam e libertam.

A origem da peça remonta ao início deste século, quando uma pessoa que muito amou lhe legou a frase “este corpo já não me serve”. “Veio de um lugar trágico, mas também sublime, e colou-se-me desde então, sabendo que um dia conseguiria libertá-la do meu contexto biográfico e afirmá-la num objeto artístico”, esclarece Marta Lapa, salientando a vontade de prosseguir com esta peça a pesquisa em torno da “reinterpretação do movimento pelo corpo do outro”. Aliás, esta “investigação” coloca as suas criações, de novo, muito mais próximas da área da dança, de onde é oriunda, do que do teatro.

Através de audições, Marta Lapa chegou às atrizes Gracinda Nave, Catarina Rabaça, Júlia Valente e Teresa Moreira, selecionadas entre um último grupo de 12 que a encenadora afirma, “se tivesse orçamento”, gostar de ter integrado no projeto. Sobre as escolhidas, acrescenta: “é a primeira vez que estou a trabalhar com elas e tem sido absolutamente extraordinário a sintonia e a cumplicidade que estabelecemos entre todas”.

Na fase inicial do trabalho, “pretendi que estes quatro corpos e almas se apropriassem de códigos que eram meus, mas que depois viriam a tornar-se delas. A seguir, entre muita improvisação, muita troca de ideias, muita liberdade, dá-se a apropriação de um vocabulário coletivo, e daí surge esta dramaturgia construída”. Paralelamente, a atriz e autora Ana Sampaio e Maia já havia sido desafiada a escrever um conjunto de textos que acabariam, no melhor dos sentidos, por se revelar “profundamente poéticos”.

“O ponto de partida dado pela Marta foi a frase que dá título à peça”, lembra Ana que começou a escrever ainda antes de saber quais as atrizes que iriam interpretar o espetáculo. “A minha grande dúvida era perceber se aquelas palavras poderiam vir a servir aqueles corpos”. O certo é que o trabalho desenvolvido pela autora se revelou fundamental. “Todos os textos que ia escrevendo foram úteis para trabalharmos, mesmo aqueles que eram meras descrições de situações comuns”. Sendo, como sublinha a encenadora, “uma peça profundamente física, mais coreográfica do que verbal”, muitos deles acabaram por não ter espaço para integrar “vocalmente” a peça, embora tenham tido um papel “essencial” na referida “dramaturgia construída”.

Assumindo Este Corpo Já Não Me Serve como “um objeto artístico difícil, mas muito desafiador”, Marta Lapa sente tratar-se de um espetáculo capaz de “comunicar com o público, permitindo-lhe gozar de liberdade para incontáveis leituras”. Ao mesmo tempo, é “uma peça que se adequa perfeitamente ao contexto atual da companhia”, a Escola de Mulheres, que lidera com Ruy Malheiro desde o desaparecimento de Fernanda Lapa. “Consegui ter condições para trabalhar não com uma ou duas atrizes como vem sendo hábito, mas com quatro [mais Ana Sampaio e Maia, que também está em cena], e ainda continuar a afirmar a Escola de Mulheres como uma companhia assumidamente feminista.”

No Clube Estefânia a partir de dia 6, Este Corpo Já Não Me Serve permanece em cena até 24 de novembro, de quarta a sábado às 21, e aos domingos às 18 horas.

Tem sempre a agenda bem preenchida, adivinhamos. Diz que gosta “de caminhar, cozinhar para os amigos e desenhar elefantes”, mas para Yara Kono também nunca faltam as idas ao cinema, aos museus ou às salas de espetáculos. Acaba de ver chegar às livrarias, quase ao mesmo tempo, dois novos títulos ilustrados por si: As Peças Mais Pequenas, da Planeta Tangerina, e Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu, editado pela Trienal de Arquitetura. O primeiro, escrito pela jornalista Miriam Alves, leva-nos a descobrir o invisível, numa viagem científica a células, micro-organismos, átomos, eletrões e quarks… O segundo é um livro táctil, com ilustrações em alto relevo e texto impresso em letras generosas e em Braille – um objeto acessível, de cores vivas, que nos fala de casas em todas as suas dimensões, das suas formas básicas às ruas e às paisagens onde se inserem.

Patrick Shiroishi e PMDS

5 novembro, 21h
Galeria Zé dos Bois

Se não fosse ver a Luana do Bem ao Tivoli neste dia (“não vou recomendar, pois já está esgotadíssimo”), Yara Kono escolheria este concerto. “De tempos em tempos vou espreitando a programação da ZDB e acabo por ir a alguns concertos, à descoberta. Fui espreitar os trabalhos de Patrick Shiroishi e de PMDS e o género musical agradou-me.”

“Algo Que Jamais Tem Fim — Obras de João Hogan da Col. CGD”, no Panteão Nacional ©Raquel Montez

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Alexandre Estrela: A natureza aborrece o monstro

Isabel Carvalho: Editoria Errância

Até 2 fevereiro
Culturgest

João Hogan: Algo que jamais tem fim – Obras da coleção da CGD

Até 1 dezembro
Panteão Nacional, Igreja de Santa Engrácia

Por acompanhar de perto a programação da Culturgest, Yara aconselha estas três mostras. “Costumo ir sempre que há exposições, porque gosto da curadoria do Bruno Marchand. E já que falamos de Culturgest, fã de podcasts que sou, não poderia deixar de mencionar a sua revista sonora, o Projeto Invisível, de que fiz a ilustração da capa do número 1.”

Narrativas do Eu, entre o público e o privado – Livros de artistas mulheres na Coleção da Biblioteca de Arte

Até 12 maio 2025
Átrio da Biblioteca de Arte Gulbenkian

“Gosto muito de ir à Gulbenkian, seja para estar com os amigos, ler, desenhar ou simplesmente passar o tempo no jardim, visitar as exposições e ir a concertos”, conta Yara, que ainda não conseguiu ir ver esta pequena exposição sobre a qual tem muita curiosidade. Deixa ainda uma nota: “Para quem não sabe, a Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian tem uma incrível coleção de livros de artistas, que estão disponíveis para consulta durante a semana”.

“Tabu”, de Miguel Gomes

LEFFEST – Lisboa Film Festival

Mémoires de Palestine, de Serge le Péron

10 novembro, 16h
Cinema Nimas

Tabu, de Miguel Gomes

10 novembro, 19h
Cinema São Jorge

O filme de Serge le Péron em que Leila Shahid, antiga representante da Autoridade Palestiniana em França e na Europa e voz essencial na defesa da Palestina, partilha as memórias da vida da sua mãe, Sirine Husseini Shahid, é uma das escolhas de Yara Kono no cartaz da 18.ª edição do LEFFEST – Lisboa Film Festival, que começa já a 7 de novembro. A outra, o filme de Miguel Gomes, que integra a retrospetiva dedicada pelo festival ao realizador, com todas as suas curtas e longas metragens: “Já vi e gostei muito”.

O filme narra a vida de três elementos da mesma família que, apesar de estarem em diferentes fases da vida, querem libertar-se do que os atormenta. Qual foi o ponto de partida para esta história?

Independentemente da geração, há sempre algum tipo de descontentamento, é algo transversal a todos nós. O filme como princípio parte um pouco dessa ideia. Mas, o início da história, o enredo propriamente dito, começa quando fui para o Porto escrever o filme. Regressei dos Estados Unidos, onde vivia, e comecei a procurar casa. Contactei um senhorio que me disse que não podia mostrar a casa, mas que o atual inquilino, que estava de saída, o poderia fazer. Toquei à campainha e veio à janela um senhor fardado, um GNR, disse-me que ia gostar muito da casa porque tinha uma vista desafogada sobre o Porto. Entretanto, a vizinha do lado, vem à varanda, interrompe a conversa e, muito simpática, apresenta-se. Acabei por ficar com a casa e uns tempos depois, a tal vizinha vem falar comigo e diz-me que está triste por aquele sujeito se ir embora, mas oferece-se para ajudar caso eu precise de alguma coisa. Então, de repente, achei que havia qualquer coisa de bonito nisto, que de repente estava a ocupar o lugar de outra pessoa, um personagem que não era eu, mas que ao mesmo tempo tinha uma determinada função. Há aqui um equilíbrio, neste jogo de troca de papéis e dentro das nossas fantasias betais. A partir daí comecei a construir a ficção, não há qualquer tipo de relação com o real, nem relativo a ninguém. Comecei a imaginar uma mãe que vive com o filho, que usa a farda do vizinho com quem a mãe fantasia. O princípio era que o enredo criasse um desencontro, mas através da montagem há uma proximidade. Há aqui quase uma estranheza, porque a montagem aproxima e o enredo separa.

Os personagens estão todos ligados a algum tipo de transgressão ou a um desejo oculto. Esta é uma temática que tem interesse em explorar?

Para mim a ideia é mais esta: a transgressão está ligada a um certo imaginário. Tento sempre mostrar nos meus filmes que grande parte dessas limitações e dessas questões são imaginárias. Não sinto que seja transgressivo, o que sinto é que provocamos muitas vezes na nossa cabeça narrativas de transgressão. Por exemplo, acredito que o filme tem qualquer coisa de queer, mas queer é uma coisa muito mais ampla do que aquilo a que se resume o seu significado e que é uma coisa estereotipada, uma espécie de identidade. Tenho uma posição contrária, acho que é importante a quebra das identidades, acho que nos resumem, ficamos presos nelas, são uma farda: eu sou mãe, eu sou mulher, eu sou marido, eu sou gay, eu sou hétero, eu sou bi. Percebo que isto foi necessário para reivindicar direitos, mas o meu instinto é sempre partir essas coisas todas, é essa a minha perceção do mundo. Vamos sendo, não temos de ser sempre a mesma coisa.

Falou da questão queer. De facto, no filme, a sexualidade está sempre ligada a esses desejos ocultos.

Quando digo queer é num sentido de desconstrução do paradigma, porque acho mesmo que tudo o que é paradigma limita e de repente deixa até de fora a possibilidade de se fazer uma viagem de encontros e desencontros. Quanto à história específica da sexualidade, todos as personagens, embora em realidades completamente diferentes, vivem igualmente momentos de confusão e dúvida. O Vítor no fundo está apaixonado por um sujeito, que provavelmente viu no TikTok ou outra plataforma do género, e tem uma relação absolutamente ilusória com um corpo perfeito. A mãe, a Fátima, tem uma ligação com o prédio da frente, em que as janelas podiam ser profiles e, portanto, de repente também há aqui uma interação com o desconhecido, que serve para suprir qualquer coisa. Ao mesmo tempo, temos a avó, a Júlia, que vive num lar e está com uma pessoa que é uma grande amiga, mas que diz ter recebido o espírito do marido. Então, entra numa confusão porque tem dúvidas se é o corpo da amiga ou se é o marido que está ali.

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A história espelha também a sociedade onde vivemos: as frustrações, a mentira, os desencontros, o folclore televiso. Esta visão de desesperança é de alguma forma influenciada pelas suas vivências?

Qualquer objeto artístico, seja cinema, música ou o que for, acho que reflete sempre a sensibilidade do autor. Na altura a minha avó estava num lar e aquela coisa de os utentes estarem todos numa sala, em frente a um megatelevisor, o discurso muito infantil, é uma dinâmica que tem algo de muito redutor. Tive necessidade de trazer isso para o filme.

Os ambientes e décors revelam o estado de espírito das personagens. Foi intencional?

Totalmente, sem querer ser pretensioso, tem tudo a ver com uma visão de cinema. Quando se acredita que o espaço narra tanto quanto aquilo que é dito, tudo acaba por contar alguma coisa. Sem dúvida que o princípio foi esse, que os mundos de cada um refletissem de alguma forma algo que é interior. No filme o exterior, ou seja, o espaço aparece como um espelho do interior.

Há uma estética que lembra o realizador Pedro Almodóvar. É uma inspiração para si?

Sem dúvida, é alguém que inclusive me marcou muito no passado, quando eu era muito jovem. Para mim é quase impossível não fazer cinema dentro de uma determinada família. Há um diálogo com vários realizadores. Vamos aprendendo com quem nos inspira e a partir daí entramos em diálogo. E, sem dúvida, o Pedro Almodóvar é um deles.

O filme tem um elenco com atores bastante conhecidos. Foram as suas primeiras escolhas?

Desde o início, mesmo quando estava a preparar o guião, sabia que os atores iam passar muito tempo sozinhos e isso para um ator, imagino que seja, das coisas mais difíceis. Então o meu princípio foi quem é que eu sinto que são as pessoas, daquilo que vi, que aguentam muito bem no silêncio. Quem são atores que estão mesmo muito bem sozinhos? A Sandra Faleiro para mim era uma evidência. E confirmou-se. Quando está sozinha ou quieta, a pensar, há qualquer coisa de magnético. O Carloto Cotta oferece um lado muito físico e concreto. E a Valerie Bradell é alguém que trabalha há muito tempo com a Sandra, têm uma relação mãe-filha por natureza. Quando conheci a Valerie e vi a dinâmica que existe entre elas, pensei logo, é a pessoa certa.

Em 2017 ganhou, em Berlim, o Urso de Ouro para Melhor Curta-Metragem, com o filme Cidade Pequena.  Qual a importância deste prémio e dos prémios de uma forma geral?

Objetivamente falando, acho que os prémios podem ajudar a que se consiga continuar a fazer filmes. É mais fácil conseguir apoio, porque há ali um voto de confiança. À margem disso tudo, do ponto de vista pessoal, toca-nos, é impossível não nos tocar. Perceber que existem três pessoas ou quatro, num júri, que ficaram particularmente tocados com o filme. É para isso que faço filmes, para tocar as pessoas.

Os simpáticos responsáveis e gerentes de quatro espaços de Lisboa apresentam de seguida alguns dos tesouros da gastronomia nacional.

Paula Mousinho e António Sales Nobre

Pastelaria Condes da Praia

Depois de se juntarem, como sócios, à padaria e pastelaria de fabrico próprio, Saquinho Dourado (localizada em Cascais e Caxias), Fabíola Landeiro e o marido António Sales Nobre quiseram apostar em algo diferente relacionado com a doçaria açoriana.

Escolheram a queijada menos conhecida – Conde da Praia – por ser a preferida de Fabíola e por estar ligada à sua naturalidade (a cidade Praia da Vitória, na Ilha Terceira). Anita Rocha, a confeiteira detentora da receita original, foi outra importante aliada para apresentar ao mundo o delicioso doce.

Foi este o ponto de partida para, recentemente, abrirem uma nova pastelaria em Lisboa que tem como gerente Paula Mousinho e que é o único espaço na capital que vende as queijadas e onde se encontram também outos produtos tradicionais açorianos como os bolos lêvedos (pão doce) ou os licores Abelhinha, feitos com aguardente vínica à base de mel.

Largo da Graça, 98

 

Edgar Marim

Mercearia Alentejano do Bairro

O melhor do Alentejo encontra-se no bairro de Benfica, numa mercearia que existe há vários anos e que tinha como proprietário um alentejano. Em 2021, quando o antigo dono quis deixar o estabelecimento, Edgar Marim, também ele alentejano, natural de Mina de São Domingos, resolveu pegar no negócio e investir num sonho antigo: vender produtos da sua terra natal.

A clientela é muito variada, há até quem venha de propósito do Barreiro para comprar produtos que já não encontra “nem no Alentejo de origem”. Neste pequeno, mas muito acolhedor espaço, o difícil é escolher entre as muitas especialidades: empadas alentejanas, torresmos do rissol, bolos da massa do pão, costas de torresmos, bolêma de gila, sericaia, queijos, compotas caseiras, enchidos, vinhos e pão, que chega todos os dias de diferentes partes do Alentejo.

Estrada de Benfica, 522B | T.933 836 478

 

Sara Lopes e João Martinho

Charcutaria Pitéu Transmontano

Situada numa zona movimentada, esta charcutaria tradicional, especializada em carnes curadas e embutidos feitos com ingredientes locais e métodos artesanais seculares, já existe há mais de uma década. Sara Lopes e o namorado João Martinho são, no entanto, os proprietários mais recentes do espaço que pertencia a um primo.

Sara tem raízes familiares na aldeia transmontana de Macedo de Cavaleiros e João sempre esteve ligado à agricultura. Este facto, aliado à vontade de ajudar pequenos produtores e a região de Trás-os-Montes e Alto Douro, levou-os a investir no projeto.

Das muitas iguarias à venda destacam-se os produtos de fumeiro – alheiras, butelos, azedos e presuntos de Mirandela, Vinhais e da Região do Barroso -, a carne mirandesa, os pastéis de Chaves, os covilhetes de Vila Real, as cascas ou casulas e ainda pão, azeites, vinho, queijo, castanhas e licores de ginja e cereja transmontana.

Largo Dona Estefânia 6A | T.910 947 215

 

Tiago Milheiro

Mercearia Poncha LX

Depois de muitas viagens à Madeira, Tiago Milheiro e Ricardo Costa, amigos de longa data, resolveram trazer até Lisboa as melhores iguarias madeirenses. O recente espaço, aberto desde maio deste ano, oferece uma seleção de doçaria tradicional, como broas de mel e manteiga, paciências, palitos de cerveja, diferentes variedades de mel, rebuçados de funcho, o icónico bolo de mel, saborosas queijadas e, claro, vinho da Madeira e poncha.

Quando a gerente Joana Pires se juntou à equipa, a ementa foi enriquecida com os “dentinhos”, petiscos gratuitos que acompanham as bebidas: tremoços temperados e amendoins, linguiça picante, saladinha de feijão ou queijo temperado. Há ainda pregos de vaca e de atum fresco com cebolada e vinho da Madeira e Nikitas, uma bebida refrescante que combina gelado com maracujá ou ananás.

Aqui, todos os produtos têm origem na “ilha das flores”, desde a água engarrafada aos refrigerantes, até à cerveja Coral.

Largo do Terreiro do Trigo, 12 | T.968 440 474

Mário Cláudio
Diário Incontínuo

Mário Cláudio iniciou a escrita deste diário aos 16 anos, e esses primeiros anos de escrita diarística impressionam logo pela segurança no estilo e pelo desassombro de algumas observações: “Só quando desacompanhado me sinto estável e seguro, e temo a cada passo a perfídia de um amigo. Quero-lhes bem, mas importunam-me por vezes.” [30.01.1959] A 7 de fevereiro de 1999 liga-se pela primeira vez à internet: “… o antecipado fascínio das viagens folheantes, o receio de me converter no abominável consumidor que nada retém”. Desse ano, até 2005, deixa aparentemente o diário em pousio e, no regresso, em julho de 2005, declara: “Será que é desta vez que encarreiro na escrita de um diário (…) Um diário alimenta-se das horas que fabricam a mocidade, quando tudo é escavação, ou das que pertencem à velhice, quando resta o inventário. Em nenhum destes lugares corresponde o diário a um exercício artístico”. Mas talvez nada traduza tão fielmente o propósito deste diário como a citação que Mário Cláudio retira de A Letra Escarlate de Nathaniel Hawthorne: “Sê verdadeiro! Mostra livremente ao mundo, se não o teu pior, algum traço pelo qual se possa inferir o pior”. [Ricardo Gross] Dom Quixote

Lionel Shriver
Vamos ou Ficamos?

Kay, enfermeira, e o marido Cyril, médico de clínica geral, felizes e enérgicos profissionais na casa dos 50, professam uma opinião pouco entusiástica sobre o aumento da esperança de vida: “Não estamos a viver durante mais tempo. Estamos é a morrer durante mais tempo!”. Acabaram de passar por uma experiência traumática: o pai de Kay esteve totalmente dependente ao longo de uma década e meia, numa condição de senilidade irreversível (“O facto de criaturas sobrevivem num estado avançado de decadência é antinatural”). Na noite do seu funeral, decidem que não querem viver uma situação semelhante e estabelecem o pacto de suicidarem-se juntos, assim que cumprirem os 80 anos. A partir desta premissa, a escritora e jornalista Lionel Shriver, vencedora do Orange Prize, concebe 12 imaginativos universos paralelos que correspondem a diferentes hipóteses de futuro para o casal. O romance Vamos ou Ficamos?, eleito Melhor Livro de Ficção (2021) pelo The Times, explora temas delicados como a mortalidade, a incapacidade física ou a demência, de forma por vezes provocatória e controversa, mas sempre original, inteligente e divertida. Minotauro

William Golding/ Aimée de Jongh
O Deus das Moscas

William Golding (1911-1993), Prémio Nobel da Literatura de 1983, foi professor primário e combateu como oficial da marinha britânica durante a II Guerra Mundial. O sucesso obtido com O Deus das Moscas (1954) permitiu-lhe abandonar o ensino, retirar-se para o campo, na sua amada Cornualha, e dedicar-se exclusivamente à escrita. As suas novelas alegóricas centram-se nas questões fundamentais do Bem e do Mal (exprimindo uma visão de que a humanidade tem uma tendência natural para o mal) e da possibilidade de redenção espiritual num mundo caracterizado pela ausência de Deus. O Deus das Moscas é uma alegoria, um romance profundamente pessimista escrito na sequência dos horrores da II Guerra Mundial, sobre a fragilidade da civilização. Um grupo de rapazes, colegas de escola, são os únicos sobreviventes de um avião que se despenha numa ilha deserta. As suas tentativas para se organizarem de forma civilizada colapsam gradualmente à medida que regridem ao estado selvagem, culminando com a morte sacrificial de um deles. Aimée de Jongh, premiada autora de novelas gráficas que vive e trabalha em Roterdão, adapta o célebre romance de William Golding, umas das obras fundamentais da literatura do século XX. ASA

Toni Morrison
Deus Ajude a Criança

Sweetness, uma negra de pele clara, é incapaz de amar incondicionalmente a sua filha que nasceu “negra como a noite, negra do sudão”. Apesar disso, Bride cresce e torna-se uma mulher belíssima e aparentemente segura, diretora de uma empresa bilionária de cosméticos. Contudo, quando é abandonada pelo homem que ama, a sua vida sofre uma mudança tão radical que lhe altera o próprio corpo: perde os pelos púbicos e a menstruação, desaparecem os furos nas orelhas e o peito trona-se raso como o de um rapaz. Bride regride implacavelmente em direção à criança assustada que fora na infância. Naquele que viria a ser o seu último romance, publicado em 2015, Toni Morrison (1931-2019), a primeira escritora afroamericana e a oitava mulher a receber o Prémio Nobel de Literatura, retoma a meditação sobre os temas da raça, género e beleza centrando-se nos temas dos traumas de criança e da cor da pele. Será que os golpes da infância infetam e nunca cicatrizam completamente? Presença

Isabel Lucas
Conversas com escritores

Gustave Flaubert tinha o entendimento de que a obra literária se bastava a si própria, acreditando mais na objetividade do texto escrito e menos na relevância da personalidade do escritor. Pelo contrário, há quem considere que a biografia do autor ajuda a entender a obra. Isabel Lucas, jornalista e crítica literária, que conduziu entrevistas modelares a vários escritores de renome, refere, entre muitas outras, da curiosidade que a move “pelo pensamento que [o escritor] é capaz de produzir a partir de determinada pergunta ou interpelação. É este um dos momentos mais fascinantes para quem entrevista: sentir que a pessoa que tem à frente está a ser criativa fora de escrita literária”. Este conjunto de 15 entrevistas aos escritores Lydia Davies, Elena Ferrante, Paul Auster, Zadie Smith, Teju Cole, Patti Smith, Javier Marías, Salman Rushdie, Jennifer Egan, Peter Handke, Don DeLillo, Julian Barnes, Jonathan Franzen, Rachel Cusk, Enrique Vila-Matas, Ludmila Ulitskaya e Edmund White, quase todas publicadas no Ípsilon, o suplemento do jornal Público dedicado às artes, está repleto desses momentos criativos. Entrevistas, realizadas por uma profissional ciente de que “o entrevistador é mediador, não protagonista”, que ajudam a moldar a imagem pública destes grandes autores contemporâneos. Companhia das Letras

David Machado
Os Dias do Ruído

Vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura, em 2015, com Índice Médio de Felicidade, David Machado está de regresso ao romance com Os dias do ruído, livro que explora as complexas dimensões do mundo contemporâneo. Fotojornalista de guerra, dois anos depois de ter matado um terrorista islâmico num café em Paris, Laura corre o mundo a promover o livro onde conta esse marcante episódio, enquanto prepara uma obra sobre mulheres que fizeram algo heroico. Admirada por muitos e odiada por tantos outros, Laura começa a receber ameaças de morte à medida que nas redes sociais se intensifica o debate em torno de questões como o feminismo, racismo e xenofobia. No início, a fotojornalista, que aparentemente vivia num pedestal mas no seu íntimo enfrentava uma incessante busca para saber quem era, desvaloriza as ameaças, porém, o ruído virtual torna-se avassalador. Decide então regressar a casa, a um sossego do qual não sabia precisar. É já sob a “proteção” do pai, com quem não fala há muitos anos, que relaxa, que cuida da mãe e resolve quezílias antigas. Contudo, a calma depressa se transforma em tempestade: Laura é atacada por três homens e o instinto de sobrevivência volta a apoderar-se dela. “Matar não é uma questão de certo ou errado mas de sermos ou não capazes.” [Sara Simões] D. Quixote

Pedro Prostes da Fonseca
Dependência Digital

O novo milénio assistiu à emergência da primeira geração globalizada que cresceu com a tecnologia digital, familiarizada desde a primeira infância com os telemóveis, os tablets e os smartphones. Pesquisas recentes mostram mudanças dramáticas nos comportamentos, atitudes e estilos de visa desta geração millenium. O problema atingiu uma tal gravidade que a Organização Mundial de Saúde resolveu integrar a compulsão para os videojogos na classificação internacional de doenças, na categoria de perturbações associadas ao uso de substâncias ou comportamentos aditivos. A caminho estará o reconhecimento oficial da dependência das redes sociais como patologia. A ausência do estigma associado às drogas ou ao álcool leva muitos pais a acordarem tarde para o vício digital dos filhos. Por vezes, ficam até satisfeitos pelos jovens preferirem ficar em casa a saírem à noite com os amigos, por uma ideia de segurança. Este livro retrata os vários tipos de dependências provocadas pelo uso excessivo da internet. Procura apresentar soluções relativamente aos desafios da era digital para governantes, técnicos de saúde, professores, mas, sobretudo, para as famílias. Dá voz a terapeutas, apresenta casos e testemunhos e sugestões de como lidar com a internet de uma forma saudável. Fundação Francisco Manuel dos Santos

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